O supervisor da empresa privada de segurança Bikuar,
conhecido como Ratinho, disparou à queima-roupa e atingiu, na cabeça, Maró
Maria Franco, de 28 anos. O corpo do motorista inclinou-se ligeiramente para a frente.
A cabeça tocou no volante, a chave continuou na ignição. O jovem morreu
sentado, por volta das 13h45, na viatura que conduzia, a 27 de Dezembro, na
área diamantífera de Calonda, no município do Lucapa, província da Lunda-Norte.
A seu lado, o jovem que o acompanhava, no Toyota
Land-Cruiser, saiu ileso.
Matar tem sido o lema entre os guardas das empresas
privadas de segurança, ao serviço das companhias diamantíferas, nas Lundas. A
impunidade tem sido a palavra de ordem entre os proprietários das referidas
empresas, por norma altos oficiais do exército e da Polícia Nacional.
Nesse cortejo de mortes, a diferença tem estado apenas
nos detalhes sobre como a vida alheia, nas Lundas, não vale nada.
Segundo depoimentos prestados pelo irmão do malogrado,
António Aleluia, de 19 anos, que se fez presente ao local, Maró Maria Franco
foi morto porque se recusou a entregar a chave da viatura. O supervisor da
Bikuar havia bloqueado a via com outra viatura e exigiu a chave para confisco
do Toyota. “O meu irmão disse que estava conduzir na via pública e não tinha
nada de entregar as chaves. Foi morto por isso”, reafirmou António Aleluia .
Maró Maria Franco trabalhava para um comprador de
diamantes de nacionalidade senegalesa, conhecido localmente como o Boss Petit
Ba. Transportou uma equipa de garimpeiros, ao serviço do seu patrão, para uma
zona de exploração artesanal. A abordagem fatal aconteceu na sua viagem de
regresso.
“Eu fui remover o corpo do meu irmão porque a polícia
estava lá no local, incluindo o comandante da Polícia do Sector de Calonda, o
intendente Mário Muandumba, mas não fazia nada e as horas passavam”, disse
António Aleluia.
“ Só depois de eu ter pegado no corpo, um dos oficiais
disse para eu esperar, para eles tirarem dados. Como eu estava muito nervoso,
colocaram-me na viatura do próprio comandante Muandumba”, afirmou o irmão da
vítima.
Na viatura do comandante encontrava-se já o motorista
da Alfa-5, que transportava o supervisor da Bikuar e, segundo depoimentos
recolhidos junto da polícia local, terá facilitado também a sua fuga da cena do
crime.
A Alfa-5 e a Bikuar prestam serviços privados de
segurança à Sociedade Mineira de Angola (Somipa), a empresa diamantífera que
actualmente faz a prospecção de diamantes no Calonda.
O General JJ
De acordo com o depoimento de António Aleluia, na
viagem de regresso à vila de Calonda, “o comandante Muandumba falou com o
general JJ, a quem tratava por sua excelência, para ficar tranquilo. ‘Sua
excelência, vou pôr tudo em ordem, fica calmo’ dizia o comandante”.
O general JJ, cuja verdadeira identidade a testemunha
desconhecia, é o segundo comandante provincial da Polícia Nacional no Uíge,
subcomissário José João. Até recentemente, o subcomissário exercia as mesmas
funções na província da Lunda-Norte. É o principal responsável da empresa
Bikuar, no relacionamento com as autoridades locais.
Maka Angola tem acompanhado as intervenções pessoais
do general JJ junto da polícia local, sempre que os guardas da empresa cometem
actos de homicídio e outros crimes.
João Inácio, tio do malogrado, interveio na narrativa
para reafirmar o que é um segredo público na Lunda-Norte. “Os donos dessa
empresa são o general JJ, o próprio governador provincial da Lunda-Norte,
Ernesto Muangala, e o empresário Santos Bikuku. Não vamos esconder a
realidade”.
“Essa empresa é um exército clandestino que criaram
para dar cabo do povo”, alegou o tio da vítima.
Em reacção ao homicídio, centenas de populares tomaram
de assalto o principal acampamento da Bikuar, situado fora do perímetro da
mina, tendo os guardas abandonado o local em debandada. Efectivos policiais
foram enviados ao local para dispersar a população a tiro, quando estes
destruíam e saqueavam o referido acampamento.
Já no comando policial de Calonda, o comandante
Muandumba telefonou ao “general JJ”, diante de vários membros da família do
malogrado, para negociar uma compensação. “Na nossa presença, o comandante
perguntou-nos o que queríamos, para transmitir ao general JJ”.
O tio João Inácio detalhou a conversa entre o
padrasto, em representação da família, e o comandante, em nome do subcomissário
José João. O padrasto recusou-se a negociar sem a presença dos familiares
directos, na altura em viagem para o local, e exigiu apenas o montante devido
para a realização das despesas do funeral, avaliadas em um milhão de kwanzas
(US $10,000).
“O comandante Muandumba ligou outra vez para o general
JJ [o subcomissário] apresentou a proposta e recebeu instruções e um número de
telefone para ligar à direcção da Somipa, para a empresa efectuar o pagamento”,
revelou João Inácio.
Maka Angola teve acesso às duas notas de entrega de um
total de 900,000 kwanzas à família. A nota da Somipa, datada de 31 de Dezembro,
indicava a contribuição de 500,000 kwanzas da concessionária diamantífera e foi
assinada pelo seu director de operações, Viacheslav Savelyev. A segunda nota,
de 400,000 kwanzas, como contribuição da Bikuar, foi assumida pela Esquadra
policial de Calonda e assinada pelo seu comandante, Mário Muandumba.
“Venho por intermédio desta informar que Esquadra
Policial do Calonda que em função do incidente ocorrido no dia 27 de Dezembro
de 2013, às 13:45 que vitimou o cidadão Maró Maria Frank procedemos à entrega
de 400,000,00 Kz (quatrocentos mil kwanzas) valores provenientes da direcção da
Bikuar à mãe da vítima senhora Maria Tchabua Ngamba (…)”, lia-se na nota de
entrega da polícia.
No entanto, os montantes só foram entregues a 2 de
Janeiro.
Injecções de Gasolina no Corpo
Apesar dos grandes anúncios de desenvolvimento que têm
ocorrido no país, a morte de Maró Maria Franco expôs a falta de uma morgue no
município do Lucapa, uma área com mais de 80,000 habitantes e rica em
diamantes.
Os familiares tiveram de levar o corpo directamente
para casa. O enterro seria realizado no dia seguinte, enquanto aguardavam pela
chegada de mais familiares provenientes de Luanda e Cafunfo.
“Para não inflamar e manter o corpo até ao enterro,
tínhamos de injectá-lo regularmente com gasolina. É assim que fazemos aqui para
conservarmos os nossos mortos até serem enterrados”, explicou João Inácio.
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