Um jornalista do Financial Times
investigou a corrupção instalada nas capitais africanas, com Luanda em grande
destaque. Aqui está o capítulo dedicado a Angola.
África é o continente mais pobre do
mundo – e também o mais rico. Embora concentre apenas 2% do PIB mundial,
alberga 15% das reservas de petróleo, 40% do ouro e 80% da platina. No seu
subsolo jaz um terço das reservas minerais do planeta. Mas o que poderia
constituir a salvação do continente é, pelo contrário, uma maldição. Tom
Burgis, jornalista do Financial Times que foi durante anos correspondente em
África, faz um relato poderoso das complexas teias de relações entre o
crescente poder chinês, a corrupção das elites africanas e o delapidar do
património natural das nações do continente. O primeiro capítulo começa por
Angola, neste excerto que aqui lançamos em pré-publicação.
Pouco mais do que medo e esgotos correm
pela encosta inclinada que separa o complexo presidencial de Angola do bairro
de lata ribeirinho mais abaixo. Dilatado por refugiados que fugiram de uma
guerra civil que durante três décadas ora estalava ora parava no interior,
Chicala estende‐se a partir da
marginal principal de Luanda, a capital. De tempos a tempos o oceano envia uma
tempestade que arrasa as habitações pobres. Os barqueiros afadigam‐se nas enseadas, enquanto os seus passageiros se
habituam ao mau cheiro que emana das águas.
Este não é o rosto que Angola prefere
apresentar ao mundo. Desde o fim da guerra civil, em 2002, esta nação de 20
milhões de pessoas registou algumas das taxas de crescimento económico mais
altas da década, por vezes ultrapassando mesmo a China. Os campos de minas
cederam o lugar a novas estradas e caminhos de ferro, parte de uma tentativa
multibilionária para reconstruir um país que um dos piores conflitos por
procuração da Guerra Fria tinha desfeito quase totalmente. Hoje, Angola
ostenta a terceira maior economia da África subsariana, depois da Nigéria e da
África do Sul. Luanda figura consistentemente no topo das cidades mais caras do
mundo para estrangeiros, à frente de Singapura, Tóquio e Zurique.Em hotéis de
cinco estrelas cintilantes como o que se encontra ao lado de Chicala, uma
sanduíche normal custa 30 dólares. A renda mensal de uma casa de luxo de três
quartos, não mobilada, é de 15 mil dólares. Os concessionários de carros de
luxo fazem negócio rápido reparando os SUVs daqueles cujo rendimento cresceu
mais depressa do que se conseguem tapar os buracos das estradas congestionadas.
Na Ilha de Luanda, a faixa costeira glamorosa de bares e restaurantes que fica
a pouca distância de barco de Chicala, os filhos da elite deslocam‐se a terra saindo dos seus iates para repor os seus
stocks de Dom Pérignon a 2000 dólares por garrafa.
Os caminhos de ferro, os hotéis, as
taxas de crescimento e o champanhe, todos vêm do petróleo que se encontra
debaixo dos solos e do mar de Angola. E o medo também.
Em 1966, a Gulf Oil, uma empresa
petrolífera americana que estava entre as chamadas sete irmãs que então
dominavam a indústria, descobriu reservas espantosas de petróleo em Cabinda, um
enclave separado do resto de Angola por uma faixa do seu vizinho, o Congo.
Quando a guerra civil rebentou após a independência, em 1975, as receitas do
petróleo sustentavam o governo comunista no poder do Movimento Popular de
Libertação de Angola, ou MPLA, contra os rebeldes apoiados pelo Ocidente, a
Unita. Vastas novas descobertas ao largo da costa subiram a parada nos anos 90
do século passado, tanto para as fações em guerra como para os seus aliados
estrangeiros. Embora o Muro de Berlim tivesse caído em 1989, a paz só chegou a
Angola em 2002, com a morte de Jonas Savimbi, o líder da Unita. Por essa altura
já cerca de 500 mil pessoas tinham morrido.]
O MPLA achou que a máquina do petróleo
que construíra para sustentar o seu esforço de guerra podia ter outra
utilidade. «Quando o MPLA deixou cair a sua ideologia marxista no início dos
anos 90», escreve Ricardo Soares de Oliveira, uma autoridade em assuntos
angolanos, «a elite no poder converteu‐se
entusiasticamente ao capitalismo de compadrio». A corte do presidente — algumas
centenas de famílias conhecidas como o Futungo, por causa do Futungo de Belas,
o velho palácio presidencial — aventurou‐se na
«privatização do poder».
Fundindo o poder político e económico
como muitas elites pós‐coloniais, os
generais, os manda-chuvas do MPLA e a família de José Eduardo dos Santos, o
líder do partido formado na União Soviética que assumiu a presidência em 1979,
apossaram‐se das riquezas de
Angola. Isabel dos Santos, a filha do presidente, acumulou participações
financeiras que se estendem desde a banca à televisão em Angola e Portugal.Em
janeiro de 2013, a revista Forbes nomeou‐a a primeira
mulher bilionária de África.
A tarefa de transformar a indústria do petróleo
de Angola que era dedicada ao orçamento de guerra numa máquina para o
enriquecimento da elite de Angola em tempo de paz recaiu sobre um homem
baixo e forte, de cara redonda, sorriso vencedor e bigode aparado chamado
Manuel Vicente. Abençoado com aquilo a que um colaborador chama «uma
cabeça que parece um computador no que diz respeito a números», em jovem
ensinara crianças em idade escolar para suplementar os seus magros rendimentos
e sustentar a família.
Depois de um período como instalador
aprendiz, estudou engenharia eletrotécnica. Embora tivesse sido criado por um
sapateiro pobre de Luanda e pela sua mulher, uma lavadeira, Vicente acabou por
se associar à irmã de José Eduardo dos Santos, assegurando, assim, um laço com
o presidente. Enquanto outros quadros do MPLA estudaram em Baku ou Moscovo e
voltaram para Angola para fazer a guerra de guerrilha contra a Unita, Vicente
poliu o seu inglês e o seu conhecimento da indústria petrolífera no Imperial
College, em Londres. Em Angola, começou a sua ascensão através da hierarquia do
petróleo. Em 1999, quando a guerra entrou nas suas movimentações finais, o
presidente nomeou‐o para dirigir a
Sonangol, a empresa petrolífera estatal angolana que funciona, nas palavras de
Paula Cristina Roque, perita em assuntos angolanos, como «o principal
motor económico» de um «governo‐sombra
controlado e manipulado pela presidência».
Vicente tornou a Sonangol numa empresa
formidável. Conduziu negociações duras com os gigantes do petróleo que gastaram
dezenas de milhares de milhões de dólares no desenvolvimento das plataformas
petrolíferas de Angola, entre eles a BP, do Reino Unido, e a Chevron e a
ExxonMobil, dos Estados Unidos. Apesar das negociações duras, Angola encantou
os gigantes e os seus executivos respeitavam Vicente. «Angola é para nós uma
terra de sucesso», disse Jacques Marraud des Grottes, responsável pela
exploração e produção africana da francesa Total, que extraiu mais petróleo do
país do que qualquer outra empresa.
Durante o mandato de Vicente, a produção
petrolífera quase triplicou, aproximando‐se dos 2 milhões
de barris por dia — mais do que um em cada 50 barris extraídos em todo o mundo.
Angola rivalizava com a Nigéria pela coroa de principal exportador de petróleo
de África e tornou‐se o segundo
maior fornecedor da China, depois da Arábia Saudita, ao mesmo tempo que também
exportava quantidades significativas para a Europa e para os Estados Unidos. A
Sonangol atribuiu a si própria participações em explorações petrolíferas de
empresas estrangeiras e usou as receitas para introduzir os seus tentáculos em
todos os cantos da economia nacional: imobiliário, cuidados de saúde, banca,
aviação. Até tem uma equipa de futebol profissional. A entrada da torre
ultramoderna no centro de Luanda que acolhe a sua sede está revestida de
mármore, com assentos confortáveis para as resmas de emissários do Ocidente e
do Leste que vêm procurar petróleo e contratos. Poucos conseguem acesso
aos pisos mais elevados de uma empresa comparada por um estrangeiro que ali
trabalhou ao «Kremlin sem os sorrisos». Em 2011, as receitas de 34 mil
milhões de dólares da Sonangol rivalizavam com as da Amazon ou da Coca‐Cola.
Quando o FMI examinou as contas
nacionais de Angola, em 2011, descobriu que entre 2007 e 2010 desapareceram 32
mil milhões de dólares, uma soma maior do que o PIB de 43 dos países africanos.
A maior parte do dinheiro em falta podia ser imputada a despesas não registadas
da Sonangol; 4,2 mil milhões ficaram completamente por justificar.
Tendo expandido a máquina de pilhagem do
Futungo, Manuel Vicente ascendeu ao círculo íntimo. Sendo já membro do comité
central do MPLA, esteve durante pouco tempo num posto especial como responsável
pela coordenação económica antes de ser nomeado vice‐presidente de José Eduardo dos Santos, nunca
deixando o seu papel como o Sr. Petróleo de Angola. Trocou a sede da Sonangol,
na baixa, pelas vivendas à sombra das acácias da cidade alta, o enclave no alto
da colina construído pelos colonizadores portugueses que hoje é o centro
nevrálgico do Futungo.
Tal como os seus homólogos chineses, o
Futungo abraçou o capitalismo sem afrouxar a sua garra sobre o poder político.
Só em 2012, depois de 30 anos como presidente, é que José Eduardo dos Santos
ganhou um mandato do eleitorado — e mesmo assim só depois de manipular as
eleições a seu favor. Os críticos e os que protestam foram encarcerados,
espancados, torturados e executados. Embora Angola não seja um estado
policial, o medo é palpável. Um chefe dos serviços secretos é saneado, um avião
tem uma avaria, alguns ativistas sofrem uma emboscada, e toda a gente percebe
que são potenciais alvos. Há agentes de segurança a cada esquina, deixando
bem claro que estão a vigiar. Ninguém quer falar ao telefone porque partem do princípio
que estão sob escuta.
Na manhã de sexta‐feira, dia 10 de fevereiro de 2012, a indústria do
petróleo agitava‐se em
expetativa. A Cobalt International Energy, uma empresa de exploração
petrolífera do Texas, tinha anunciado resultados sensacionais ao nível da
extração. A uma profundidade no mar angolano equivalente a metade da
altura do Monte Evereste, a Cobalt tinha encontrado aquilo a que chamou um
reservatório de petróleo de «dimensão mundial». A descoberta tinha aberto uma
das mais promissoras novas fronteiras do petróleo, com a Cobalt na situação
ideal quer para extrair o petróleo em si quer para se vender a um dos gigantes
e fazer um lucro interessante para os seus proprietários. Quando a Bolsa de
Nova Iorque abriu, as ações da Cobalt dispararam. A determinada altura, tinham
subido 38 por cento, uma variação tremenda num mercado onde as ações raramente
oscilam mais do que dois pontos percentuais. Ao fim do dia, o valor de mercado
da empresa estava em 13,3 mil milhões de dólares, mais 4 mil milhões do que na
noite anterior.
Para Joe Bryant, o presidente e diretor
executivo que fundou a Cobalt, uma aposta baseada na geologia pré‐histórica parecia ter recompensado de forma
espetacular. Há cem milhões de anos, antes de as deslocações tectónicas as
terem separado, as Américas e África eram um único continente — as duas costas
do Atlântico Sul são muito parecidas. Em 2006, empresas petrolíferas tinham
perfurado a grossa camada de sal debaixo do mar do Brasil e descoberto uma
grande quantidade de petróleo. Uma camada semelhante de sal estendia‐se a partir de Angola. Bryant e os seus geólogos
questionavam‐se se o mesmo
tesouro estaria também debaixo da camada de sal de Angola.
Bryant trabalhara como diretor das
lucrativas operações da BP em Angola, onde se relacionou com o Futungo. «Joe
Bryant fez‐se um homem do petróleo do
círculo íntimo muito depressa», disse‐me um perito em
assuntos angolanos bem relacionado. Os executivos franceses eram conhecidos por
serem «arrogantes», mas Bryant fez amigos em Luanda. «Ele sabe relacionar‐se com eles, sabe como falar com eles», disse o
perito. Em 2005, Bryant decidiu aventurar‐se sozinho e
fundou a Cobalt, levando consigo o diretor de exploração da BP e montando um
escritório em Houston, a capital da indústria petrolífera dos EUA. «Íamos
literalmente da minha garagem para a competição com as maiores empresas do
mundo», recorda Bryant.
Bryant precisava de financiadores com
dinheiro. Encontrou‐os em Wall
Street. Os corretores da Goldman Sachs há muito que jogavam no mercado das
matérias‐primas; os banqueiros argutos da
Goldman supervisionavam fusões e aquisições entre grupos de recursos. Agora, na
Cobalt, teria a sua própria empresa petrolífera. A Goldman e dois dos fundos de
investimento privados mais ricos dos Estados Unidos, o Carlyle e o Riverstone,
juntos entraram com 500 milhões de dólares para lançar a Cobalt.
Em julho de 2008, quando a Cobalt estava
a negociar direitos de exploração para testar a sua teoria sobre o potencial da
fronteira petrolífera «pré‐sal» de Angola,
os angolanos impuseram uma condição. A Cobalt teria de aceitar duas pequenas
empresas angolanas desconhecidas como parceiras menores no empreendimento, cada
uma com uma participação minoritária. A exigência era parte ostensiva do
objetivo confesso do regime de ajudar os angolanos a ganhar âncora numa
indústria que dá apenas 1 por cento de empregos e gera quase toda a receita das
exportações do país. Consequentemente, em 2010, a Cobalt assinou um contrato em
que detinha uma participação de 40 por cento no empreendimento e seria o
operador.
A Sonangol, a empresa petrolífera
estatal, tinha 20 por cento. As duas empresas privadas locais, a Nazaki Oil and
Gás e a Alper Oil, receberam 30 por cento e 10 por cento, respetivamente. A
exploração começou com determinação. Ainda antes da descoberta incrível, os
geólogos da Cobalt tinham batizado o seu projeto angolano «Pó de Ouro». No auge
da subida das ações da Cobalt depois de revelar a sua descoberta angolana, as
ações da Goldman Sachs na empresa valiam 2,7 mil milhões de dólares. A Cobalt
mudou‐se para o outro lado de Houston, para
uma sede novinha em folha perto dos escritórios dos gigantes. Uma pessoa que
foi ao escritório de Joe Bryant no Centro Cobalt chamou a atenção para a vista
deslumbrante sobre a cidade. «A Cobalt», disse um mediador imobiliário local,
«vai ser uma história de enorme sucesso em Houston».
Havia só um senão. O que a Cobalt não
tinha revelado — de facto, o que a empresa sustenta que não sabia — era que
três dos homens mais poderosos de Angola detinham participações secretas na sua
parceira, a Nazaki Oil and Gás. Um deles era Manuel Vicente. Enquanto
responsável máximo pela Sonangol na altura do negócio da Cobalt, ele
supervisionou a atribuição das concessões de petróleo e as condições dos
contratos. Os outros dois donos secretos da Nazaki não eram menos
influentes. Leopoldino Fragoso do Nascimento, um antigo general conhecido
como Dino, tem interesses desde as telecomunicações até ao comércio do
petróleo. Em 2010, foi nomeado assessor do terceiro dono poderoso da Nazaki, o
general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, mais conhecido como Kopelipa.
Um político veterano do Futungo que se
desentendeu com Kopelipa disse‐me que, se
chegasse o dia da queda de Kopelipa, «as pessoas na rua irão desmembrá-lo pelo
que ele fez no passado». Como chefe do departamento militar da presidência,
alguns até se atrevem a chamar‐lhe «o chefe do
boss».
Mais recentemente, surgiu como o mais
destacado dos «generais empresários», as figuras de proa do dispositivo de
segurança que traduziram a sua influência em participações nos diamantes,
petróleo e qualquer outro setor que pareça lucrativo. Entre eles, este
trio formou o núcleo da sanha comercial do Futungo.
Uma lei de 1977, há muito negligenciada,
proíbe as empresas americanas de participarem na privatização do poder em
terras distantes. Revista em 1998, a The Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)
[Lei das Práticas Corruptas Estrangeiras] criminaliza uma empresa que opere nos
Estados Unidos se pagar ou oferecer dinheiro ou qualquer coisa de valor a
funcionários estrangeiros para ganhar negócios. Abrange as empresas em si e os
seus funcionários. Durante anos, depois de ser aprovada, a FCPA foi mais um
ideal louvável do que uma lei efetivamente cumprida. Contudo, a partir de 2000,
as agências que deviam fazê‐la cumprir — o
Departamento de Justiça, que propõe ações penais, e a Comissão de Valores
Mobiliários, o regulador da bolsa de valores, que trata das ações cíveis —
começaram a fazê‐lo com
entusiasmo. Foram atrás de alguns dos nomes grandes, incluindo a BAE Systems, a
Royal Dutch Shell e uma antiga subsidiária de Halliburton chamada Kellog Brown
& Root. As três admitiram ter infringido a FCPA ou ter cometido infrações
relacionadas com a FCPA, e os casos resultaram em multas e restituição de
lucros num total de mais de mil milhões de dólares — muito embora tais quantias
mal belisquem os lucros de empresas da sua dimensão.
As empresas petrolíferas e de extração
mineira contam com mais processos ao abrigo da FCPA e de leis semelhantes
aprovadas noutros sítios do que qualquer outro setor.12 De facto, os acordos da
Halliburton e da Shell estavam relacionados com subornos na Nigéria. As
empresas queriam direitos a áreas geográficas específicas com as melhores
condições possíveis. Para os habitantes dos estados com recursos naturais
da África subsariana, atrair algum do rendimento que algumas empresas de
exploração de recursos pagam ao estado a troco de território lucrativo — ou
assumir uma posição de controlo nesse território — é, de longe, o caminho mais
direto para as riquezas.
Entregar uma mala cheia de notas é
apenas a maneira mais simples de enriquecer os funcionários locais através de
empreendimentos petrolíferos e mineiros geridos por empresas estrangeiras. Uma
técnica mais sofisticada envolve empresas locais, muitas vezes com pouco
conhecimento anterior nas indústrias de recursos. É dada a estas empresas uma
participação no princípio de um projeto relacionado com petróleo ou minério,
juntamente com as organizações estrangeiras que fazem as escavações e a perfuração.
Por vezes, tais empresas são detidas por genuínos homens de negócios locais.
Mas, outras vezes, são apenas empresas de fachada cujos proprietários são os
próprios funcionários que influenciaram ou controlam a atribuição de direitos à
exploração mineira e de petróleo e que procuram transformar essa influência
numa participação nos lucros. Neste último caso, a empresa mineira ou
petrolífera estrangeira arrisca‐se a ter
problemas legais no seu país de origem. Contudo, muitas vezes os proprietários
máximos das empresas de fachada escondem‐se atrás de
várias camadas de secretismo corporativo. Uma razão pela qual as empresas de
recursos estrangeiras levam a cabo o que é conhecido como «diligências
devidas», antes de fazer investimentos no estrangeiro, é para procurar saber
quem é efetivamente dono dos seus parceiros locais.
Em alguns casos, as investigações das
diligências devidas equivalem a, nas palavras de um antigo banqueiro de topo,
«fabricar negação plausível». Noutros, o trabalho das diligências devidas
levanta tantas dúvidas sobre o futuro negócio que a empresa simplesmente o
abandona. Frequentemente, as provas que as diligências devidas reúnem sobre os
riscos de corrupção são inconclusivas. Nesse caso, cabe à empresa decidir se
continua com o processo.
Em 2007, quando as suas ambições
angolanas começaram a tomar forma, a Cobalt contratou a Vinson & Elkins e a
O’Melveny & Myers, dois respeitáveis escritórios de advogados americanos,
para levar a cabo as suas diligências devidas. Não é fácil obter registos
empresariais em Angola, embora o acesso de qualquer empresa aos registos dos
seus parceiros deva ser autorizado. Consegui obter os documentos de registo da Nazaki,
e o seu influente trio de proprietários não aparece em lado nenhum nesses
documentos. Mas havia algumas pistas. Um documento nomeia um homem chamado José
Domingos Manuel como um dos sete acionistas da Nazaki e o gerente da empresa. O
seu nome também aparece ao lado dos de Vicente, Kopelipa e Dino, na lista de
acionistas de um empreendimento petrolífero diferente. Tal facto podia ter
levantado suspeitas a qualquer empresa que estivesse a considerar um projeto de
negócios com a Nazaki: demonstrava uma ligação clara entre um acionista da
Nazaki e três dos homens mais poderosos do Futungo. (Foi‐me dito por duas pessoas que conhecem bem o Futungo
que José Domingos Manuel tinha sido um oficial de alta patente nas forças
armadas e que a sua ligação a Kopelipa era pública.) Havia outro sinal de
alerta: seis dos sete acionistas da Nazaki eram pessoas individuais, mas o
sétimo era uma empresa chamada Grupo Aquattro Internacional. Os próprios
documentos de registo da Aquattro não nomeiam os seus acionistas. Mas são
Vicente, Kopelipa e Dino.
Havia outro sinal de alerta: seis dos
sete acionistas da Nazaki eram pessoas individuais, mas o sétimo era uma
empresa chamada Grupo Aquattro Internacional, cujos acionistas são Vicente,
Kopelipa e Dino.
Em 2010, dois anos após as autoridades
angolanas terem dito pela primeira vez à Cobalt que queriam que esta assumisse
uma parceria com a Nazaki, um ativista angolano que levava a cabo uma cruzada
contra a corrupção chamado Rafael Marques de Morais publicou um relatório
dizendo que Vicente, Kopelipa e Dino eram os verdadeiros proprietários da
Aquattro e, consequentemente, da Nazaki. «Os seus negócios não fazem qualquer
distinção entre assuntos públicos e privados», escreveu. A Nazaki era apenas um
dente na engrenagem da pilhagem, o que significava que «os despojos do poder em
Angola são partilhados por um punhado de pessoas, enquanto a maior parte da
população permanece na pobreza».
Pelo menos um investigador da
diligência devida sabia daquilo que a Cobalt diz que foi incapaz de determinar.
Na primeira metade de 2010, um investigador — vamos chamar‐lhe Jones — trocou uma série de documentos com a
Control Risks, uma das maiores empresas de informação empresarial. A Control
Risks, mostra a correspondência, tinha lançado o «Projeto Banihana», um
empreendimento aparentemente com o nome de código de uma cadeia de restaurantes
japoneses da Florida, para estudar a Nazaki. Jones, um experiente trabalhador
angolano, avisou o seu contacto na Control Risks de que as concessões de
petróleo em Angola só eram concedidas se o MPLA e a elite empresarial daí
tirassem proveito. De seguida apontou Kopelipa como um dos homens por trás da
Nazaki. Nenhum cliente é nomeado na correspondência. (Na maior parte dos casos,
os investigadores autónomos não sabem para quem estão, em última análise, a
trabalhar). Tanto a Cobalt como a Control Risks se recusaram a dizer se o grupo
do Texas era o cliente neste caso. Porém, o que é claro é que os avisos estavam
lá e podiam ser encontrados. Pelo menos uma outra investigação de diligências
devidas, que eu saiba, também teve conhecimento das ligações do Futungo com a
Nazaki.
Em 2010, um ativista angolano que levava
a cabo uma cruzada contra a corrupção chamado Rafael Marques de Morais publicou
um relatório dizendo que Vicente, Kopelipa e Dino eram os verdadeiros
proprietários da Aquattro e, consequentemente, da Nazaki.
Por sua conta e risco, a Cobalt avançou
para um negócio num país que estava classificado, em 2010, no 168.° lugar entre
178 países no índice de perceção de corrupção anual da Transparency
International, sem saber a verdadeira identidade do seu parceiro, uma empresa
sem qualquer trajetória na indústria e registada num endereço numa ruela em
Luanda que foi impossível localizar quando fui à procura dela, em 2012.
A Cobalt avançou para um negócio num
país que estava classificado, em 2010, no 168.° lugar entre 178 países no
índice de perceção de corrupção anual da Transparency International, sem saber
a verdadeira identidade do seu parceiro.
Quando as autoridades americanas
informaram a Cobalt de que tinham aberto um inquérito formal às suas operações
em Angola, a empresa defendeu que tudo estava à vista. Sem a fanfarra que
acompanhou o estrepitoso anúncio da sua grande descoberta, alguns dias antes,
nesse mesmo mês, ao largo da costa atlântica, a Cobalt revelou a investigação
no seu balanço anual. «A Nazaki negou repetidamente as alegações por escrito»,
declarou a Cobalt aos seus acionistas, dizendo ainda que tinha «levado a cabo
uma investigação exaustiva a estas alegações e acreditamos que as nossas
atividades em Angola cumpriram todas as leis, incluindo a FCPA». Dois meses
mais tarde, quando escrevi a Joe Bryant para lhe perguntar sobre as alegações,
o advogado da Cobalt respondeu e foi mais longe: as diligências «exaustivas e
em curso» da Cobalt «não encontraram nenhuma prova credível da alegação central
de que funcionários governamentais angolanos, e especificamente [Vicente,
Kopelipa e Dino] detenham qualquer participação na Nazaki». Referindo‐se à sua grande descoberta de há poucas semanas, o
advogado da Cobalt acrescentou: «O sucesso traz naturalmente consigo muitos
desafios. Um deles é responder a alegações infundadas.»
O problema para a Cobalt residia em que
as alegações não eram infundadas. Eu também tinha escrito a Vicente, Kopelipa e
Dino, expondo as provas de que eles eram proprietários de participações na
Nazaki, que eu tinha recolhido em documentos e entrevistas. Vicente e Kopelipa
escreveram cartas quase idênticas em resposta, confirmando que eles e Dino, de
facto, eram proprietários da Aquattro e, dessa forma, tinham participações
secretas na Nazaki, mas insistindo que não havia nada de errado nisso. Tinham
detido as suas participações na Nazaki, «sempre respeitando toda a legislação
angolana aplicável a tais atividades, não tendo cometido qualquer crime de
abuso de poder e/ou tráfico de influências para obter vantagens acionistas
ilícitas». As holdings tinham, de qualquer maneira, sido «recentemente
dissolvidas». Se a lei americana fizesse com que a Cobalt tivesse de sair de
Angola, acrescentavam Kopelipa e Vicente, outros estariam dispostos a ocupar o
seu lugar.
Vicente e Kopelipa escreveram cartas
quase idênticas em resposta, confirmando que eles e Dino, de facto, eram
proprietários da Aquattro e, dessa forma, tinham participações secretas na
Nazaki, mas insistindo que não havia nada de errado nisso.
No escritório de Manuel Vicente no
complexo presidencial da colina de Luanda, o único som era o do aparelho de ar
condicionado que mantinha as salas a uns confortáveis 21°C e as marteladas que
os operários davam fazendo a manutenção na
rua, bem cedo, naquela manhã. Um Mercedes e um Land Cruiser estavam preparados
para abrir caminho no meio do trânsito, se o ministro precisasse de se arriscar
a ir para lá do muro vermelho alto que rodeia o complexo. A única decoração nas
paredes beges era o retrato de José Eduardo dos Santos numa moldura dourada.
Observador
ANGOLA24HORAS
Sem comentários:
Enviar um comentário