Vicente entrou, vestido com um fato
elegante e com um ar fresco após a sua corrida matinal. Se estava incomodado
por eu o ter apontado como beneficiário de um acordo petrolífero duvidoso dois
meses antes, não o mostrava. De facto, como Vicente colocava as coisas, não
havia nada de embaraçoso no acordo. Se, enquanto era responsável da Sonangol,
tivesse conscientemente detido uma participação na empresa designada para ser
parceira de um grupo estrangeiro, isso teria sido um «conflito de interesses»,
reconheceu ele. Mas Vicente, um homem com uma reputação de competência
implacável e um conhecimento profundo da indústria petrolífera angolana, disse
que não sabia que a Aquattro, a empresa de investimento de que fora
proprietário com Kopelipa e Dino, era proprietária de participações na Nazaki,
a parceira local da Cobalt. Quando «todas estas notícias apareceram», revelando
que ele detinha, de facto, uma participação na Nazaki, «decidimos sair», disse
ele. O seu interesse na Nazaki tinha sido «liquidado» no ano anterior,
declarou. «Hoje em dia não sou diretor nem beneficiário direto da Nazaki.»
A posição de Vicente era basicamente a
mesma que a da Cobalt: se havia alguma coisa menos própria no acordo,
desconheciam. Vicente disse‐me que conhecia
Joe Bryant «muito bem». A sua relação datava de anos antes da formação da
Cobalt, quando Bryant trabalhava para a Amoco, uma petrolífera americana que se
fundiu com a BP em 1998. Essa relação, pareceu‐me,
podia ter sido uma maneira simples de verificar se Vicente e os seus amigos
eram secretamente proprietários de participações da Nazaki. Bryant podia
simplesmente ter perguntado a Vicente se os rumores eram verdadeiros. Perguntei
a Vicente: Você e Bryant algum dia discutiram este assunto? «Não», afirmou ele.
Juntamente com as suas participações
pessoais na indústria petrolífera, os membros do Futungo asseguram‐se de que as receitas do petróleo que revertem para
o estado angolano são postas ao serviço dos propósitos do regime. O orçamento
de Angola de 2013 alocou 18 por cento dos gastos públicos para a defesa e ordem
pública, 5 por cento para a saúde e 8 por cento para a educação. Isso significa
que o governo gastou 1,4 vezes mais na defesa do que na saúde e nas escolas em
conjunto. Por comparação, o Reino Unido gastou quatro vezes mais em saúde e
educação do que na defesa. Angola gasta uma parte maior do seu orçamento nas
forças armadas do que o governo de apartheid da África do Sul nos anos de 1980,
quando procurava esmagar a resistência doméstica crescente e fomentava
conflitos entre os seus vizinhos.
O governo gastou 1,4 vezes mais na
defesa do que na saúde e nas escolas em conjunto. Por comparação, o Reino Unido
gastou quatro vezes mais em saúde e educação do que na defesa
Os generosos subsídios ao combustível
são apresentados como um bálsamo para os pobres, mas, na verdade, beneficiam
fundamentalmente os suficientemente ricos para poderem ter carro e os
politicamente relacionados para ganharem uma licença de importação de
combustível. O governo de Angola meteu petrodólares em contratos para estradas,
habitação, caminhos de ferro e pontes a um ritmo de 15 mil milhões de dólares
por ano, na década até 2012, uma soma enorme para um país com 20 milhões de
pessoas. As estradas estão melhores, os caminhos de ferro estão lentamente a
chegar ao interior, mas a explosão na construção também se revelou uma benesse
para os burlões: calcula‐se que os
subornos sejam responsáveis por mais de um quarto dos custos finais dos
contratos de construção do governo. Além disso, muito do financiamento é feito
sob a forma de crédito da China garantido pelo petróleo, sendo que muito desse
crédito é controlado por um departamento especial que o general Kopelipa dirige
há anos. «O país está a ficar com nova cara», diz Elias Isaac, um dos ativistas
mais proeminentes de Angola na luta contra a corrupção. «Mas será que está a
ficar com uma nova alma?»
Muito do financiamento é feito sob a
forma de crédito da China garantido pelo petróleo e muito desse crédito é
controlado por um departamento especial que o general Kopelipa dirige há anos.
«O país está a ficar com nova cara», diz Elias Isaac, um dos ativistas de Angola
na luta contra a corrupção. «Mas será que está a ficar com uma nova alma?»
Manuel Vicente estava empenhado em
corrigir a impressão de que os governantes de Angola abdicaram dos seus deveres
para com os seus cidadãos. «Só para o tranquilizar, o governo está a levar
muito a sério, está empenhado em combater, em lutar contra a pobreza», disse‐me ele. «Somos pessoas sérias, sabemos muito bem
qual é a nossa obrigação, e sabemos muito bem a nossa responsabilidade.»
Falando com ele, não tive dúvidas de que havia uma parte de Vicente que queria
melhorar a sorte dos seus compatriotas, ou pelo menos ser visto como estando a
tentar fazê‐lo. «Sou
cristão», disse ele. «Não funciona se nós estivermos bem e as pessoas à volta
não tiverem nada para comer. Não nos sentimos confortáveis.»
Há duas soluções para esse problema:
partilhar alguma comida ou tirar os famintos da vista. O historial do Futungo
sugere que preferem a última.
António Tomás Ana vive em Chicala desde
1977, antes de a chegada dos refugiados da guerra civil que vieram do interior
ter tornado uma calma colónia piscatória no mar de gente que é hoje,
encurralada entre o oceano e as encostas que se erguem até ao complexo
presidencial. Mais conhecido como Etona, é um dos artistas mais proeminentes de
Angola. Numa oficina ao ar livre murada com tijolos, os seus ajudantes lascam
troncos de acácia com cinzéis e maços. Uma das suas esculturas de madeira
nodosa que são a sua marca registada decora o átrio da sede da Sonangol.
Entre os 65 mil vizinhos de Etona, em
Chicala, estão oficiais das forças armadas e um fotógrafo profissional que
ganha 5000 dólares por mês, que não dão para muito numa Luanda ultracara, mas
que lhe permitiram construir no lugar da barraca em chapa, que comprou há 25
anos, o edifício anguloso mas sólido à volta do qual os seus netos brincam
hoje. Em junho de 2012, aquela casa, tal como a oficina de Etona e a biblioteca
comunitária que está a construir, estavam destinadas, juntamente com o resto de
Chicala, a ser arrasados — e, desta vez, não pelo mar.
Se pudessem escolher, poucas pessoas
escolheriam viver com as parcas comodidades e oportunidades de Chicala. O
partido no poder prometeu eletricidade na campanha eleitoral de 2008, mas pouca
chegou, e não tinha sobrado muita coisa da última promessa de abastecer água
canalizada, feita no período que precedeu as eleições de 2012. Mas lugares como
Chicala são comunidades, com a sua própria forma de viver e a sua própria
camaradagem.
Etona passa muito tempo a pensar na
forma de introduzir melhoramentos num bairro de lata que facilmente teria tido
posses para deixar. «A regeneração não tem a ver com estradas e passeios — está
na mente», disse‐me ele quando
nos conhecemos na sua oficina, com a camisa vermelha limpíssima apesar do calor
da tarde. «Isto», disse ele, levantando o braço para o bairro de lata
movimentado, onde alguns jovens estavam a jogar furiosamente nos matraquilhos
ali perto, «isto também é parte da cultura, parte do país». Mas os dias de
Chicala estavam contados. Os seus habitantes iam ser realojados, quer quisessem
quer não, em novos aldeamentos nos arredores de Luanda. Um novo hotel de luxo e
os escritórios reluzentes de uma empresa petrolífera americana tinham nascido
na periferia de Chicala, prenúncio daquilo que havia de tomar o lugar do
bairro. Uma praia que em tempos fervilhava com bares e restaurantes onde se
servia peixe tinha sido vedada, preparada para os empreiteiros.
Os residentes de Chicala com quem falei
olhavam para as promessas das autoridades de uma vida melhor noutro sítio com
profunda suspeita. Cerca de três mil tinham já saído, alguns reunidos pela
polícia e amontoados em camiões com os seus pertences, sendo qualquer objeção
ignorada. O governo está disposto a usar a força para fazer a limpeza dos
bairros de lata, fazendo descer soldados de helicóptero para levar a cabo
despejos ao romper do dia.24 Mas Etona, pelo menos, tencionava resistir quando
chegasse a sua vez. «Se não falarmos, vamos ser levados para o Zango.»
O Zango fica a pouco mais de 19
quilómetros para sul do centro de Luanda, onde a dispersão da capital se torna
menos densa, dando lugar ao mato ocre. Tal como um aldeamento idêntico para
norte, dizem‐lhes que é um
novo começo para os habitantes dos bairros de lata de Angola. Quem ouve os
responsáveis diria que o Zango é a terra prometida. «Estamos a deslocá‐los para habitações mais dignas», disse‐me Rosa Palavera, diretora da unidade de redução da
pobreza da presidência. «Não há serviços básicos [em Chicala]. Há
criminalidade.»
Calcula‐se
que três em cada quatro habitantes de Luanda vivam em bairros de lata
conhecidos como musseques. Embora as condições nalguns, como a construção
precária em cima de lixeiras, sejam dramáticas, Chicala e outros musseques
centrais têm as suas vantagens. O trabalho, formal ou informal, está à mão, nas
zonas comerciais de Luanda.
Mesmo que se ignore a negligência
oficial que está por trás da falta de comodidades em Chicala, não se pode dizer
que o Zango seja preferível. Quem mudou para o Zango tem sorte se encontrar
serviços básicos ao mesmo nível dos que deixou para trás. Às vezes, as casas
novas eram ainda mais pequenas do que as antigas. Nas fotografias aéreas, os
novos aldeamentos pareciam campos de detenção, com as suas habitações
atarracadas dispostas em filas invariavelmente iguais. Havia também barracões
muito mais instáveis do que qualquer coisa semelhante em Chicala. Os que tinham
tentado viver lá fazendo viagens diárias do Zango para a cidade, partiam muito
antes de o sol nascer e regressavam à meia‐noite, mal lhes
ficando tempo para dormir, já para não falar em ver os filhos. Outros recém‐chegados simplesmente regressaram diretamente para
Chicala, uma decisão ousada dado que o bairro de lata está sob a alçada do
departamento das forças armadas dirigidas pelo general Kopelipa, o temido chefe
de segurança.
No caminho de regresso de Zango em
direção ao centro de Luanda, a estrada atravessa a fronteira invisível que
separa a maioria dos angolanos do enclave de abundância que a petroeconomia
criou.
O novo e glamoroso aldeamento do Kilamba
foi construído de raiz por uma empresa chinesa com um custo de 3,5 mil milhões
de dólares. Os guardas de serviço nos portões adotam uma pose intimidatória à
medida que nos dirigíamos para eles pela rua longa e curva. Permitem que os
meus companheiros e eu passemos a troco do preço de uma garrafa de água. Lá
dentro a atmosfera era sinistra, lembrando um daqueles filmes sobre desastres
em que uma catástrofe eliminou todos os vestígios de vida. Nada bulia no calor
seco. Fila após fila paralela de blocos de apartamentos reluzentes e de cor
pastel, com entre cinco a dez andares, estendem‐se
até desaparecerem no horizonte, marcadas por bermas cobertas de relva aparada e
postes que transportam fios de eletricidade. As ruas eram como seda, as
melhores de Angola. Com exceção das partes mais ricas da África do Sul, em
particular os condomínios fechados, conhecidos pelos seus detratores como
«canis de yuppies», eu nada vira em África que se parecesse com o Kilamba.
As casas recentemente acabadas estavam
para venda por entre 120 mil e 300 mil dólares cada, aos suficientemente ricos
para escaparem à pressão do centro de Luanda. Dizia‐se que os primeiros residentes dos 20 mil
apartamentos já se tinham mudado para lá, mas não havia sinais deles. Cerca de
metade da população de Angola vive abaixo da linha internacional de pobreza de
1,25 dólares por dia; levar‐lhes‐ia, a cada um, cerca de 260 anos a ganhar o
suficiente para comprar o apartamento mais barato no Kilamba. Os preços
desceram depois de uma visita oficial do presidente, mas mesmo assim só os
angolanos mais ricos podem viver lá.
Dizia‐se que os
primeiros residentes dos 20 mil apartamentos já se tinham mudado para lá, mas
não havia sinais deles.
Equipas de trabalhadores chineses de
fato de macaco e capacete aparecem em carrinhas de caixa aberta. Como outros
projetos de construção chineses em África, o Kilamba foi construído com financiamento
chinês e mão de obra chinesa, e fazia parte de um negócio maior que garantia
aos chineses acesso aos recursos naturais — neste caso, ao petróleo de Angola.
As bandeiras chinesa e angolana esvoaçavam sobre a entrada do Kilamba. Este era
um projeto emblemático para o empreendedorismo chinês em África: Xi Jinping
visitou o local quando ainda estava em construção em 2010, três anos antes de
subir da vice‐presidência
chinesa para a presidência. Um grande cartaz proclamava que Citic, o
conglomerado estatal chinês cujas operações vão desde a banca até aos recursos
e à construção, tinha construído a nova cidade.
A supervisão da construção tinha sido
atribuída à Sonangol, que subcontratou a venda de apartamentos a uma empresa
chamada Delta Imobiliária. Dizia‐se que a Delta
pertencia ao império empresarial privado de Manuel Vicente e do general
Kopelipa. Ambos os homens estavam perfeitamente colocados para usar o poder das
funções públicas para conquistar ganhos pessoais para si próprios, tal como
lhes tinham sido atribuídas participações escondidas no empreendimento
petrolífero da Cobalt. O Kilamba era, nas palavras do ativista angolano Rafael
Marques de Morais, «um verdadeiro modelo de corrupção africana».
O Kilamba era, nas palavras do ativista
angolano Rafael Marques de Morais, «um verdadeiro modelo de corrupção
africana».
Hexplosivo Mental canta rap com
intensidade — sobrolho franzido, a mão esquerda a agarrar o microfone, a mão
direita a cortar o ar. Tal como os Public Enemy e outros expoentes do rap de protesto
antes deles, a sua arte passa por atacar os abusos dos poderosos. Figura
espigada de capuz, empresta uma voz clara e lírica à dissidência em Angola que
há muito era sobretudo sussurrada, exortando ao contragolpe contra o monopólio
da riqueza e do poder da classe dirigente, com faixas como «Sentimento de um
Pobre», «Reação das Massas» e «Livre de Ser».
Numa terça‐feira
de maio de 2012, um grupo de dez jovens angolanos juntou‐se em Luanda na casa de um rapper de uma nova
geração politicamente consciente. Hexplosivo Mental estava entre eles. Tinham
estado envolvidos na organização das pequenas mas concertadas manifestações que
haviam aturdido o regime. Na vanguarda do protesto contra o poder do Futungo, o
grupo já tivera conflitos com as autoridades, nomeadamente quando a polícia
dispersou as suas manifestações.
Irrompendo pela porta, os homens
atacaram as suas vítimas com barras de ferro e machetes, partindo braços,
fraturando crânios e derramando sangue. Feito o trabalho, desapareceram em
jipes Land Cruiser. Um relato do ataque alegava que os veículos pertenciam à
polícia.
Não era a primeira vez que a casa era
invadida. Mas o bando de 15 homens que apareceu pouco depois das dez, nessa
noite, queria ensinar uma lição mais séria aos dissidentes. Estava‐se a três meses das eleições em que José Eduardo dos
Santos planeava garantir uma vitória retumbante, e a distribuição de dinheiro
do petróleo por si só não seria suficiente para neutralizar as manifestações
públicas de oposição ao seu governo. Ninguém morreu nessa noite, mas quando
falei com Hexplosivo Mental, semanas mais tarde, o seu braço gravemente ferido
estava ainda a ser tratado. Combinámos encontrar‐nos
discretamente numa rotunda movimentada em Luanda. Esperei cerca de 30 minutos
até que ele telefonou a dizer que tinha tido de voltar para o hospital. Quando
falou mais tarde ao telefone, o jovem rapper colocou a questão simplesmente:
«Antes não sabíamos como protestar. Agora estamos a crescer.»
Houve algumas manifestações
antigovernamentais significativas antes das eleições, mas se Hexplosivo Mental
e os seus camaradas esperavam erguer um desafio a um regime entrincheirado à
escala das revoluções da Primavera Árabe que tinham surgido mais a norte,
fizeram‐no em vão. A soma de
financiamento oficial disponível para os partidos políticos foi cortada de 1,2
milhões de dólares nas eleições legislativas de 2008 para 97 mil dólares.
Entretanto, dizia‐se que o MPLA
tinha gasto 75 milhões de dólares na sua campanha.
O MPLA tem apoio genuíno, especialmente
nas cidades costeiras que foram o seu bastião durante a guerra, e entre aqueles
angolanos que estão tão traumatizados pelo conflito que veem o voto em qualquer
representante, por muito venal que seja, como a opção que representa o menor
risco de um regresso das hostilidades. O regime deixa pouca coisa ao acaso,
dominando os media, nomeando os seus lacaios para dirigir as instituições que
levam a cabo as eleições, cooptando políticos da oposição e intimidando os opositores.
Kopelipa presidiu a um aparelho eleitoral que deixou 3,6 milhões de pessoas
impossibilitadas de votarem: quase tantos votos como o MPLA teve. A percentagem
de votos do MPLA caiu 9 pontos comparando com as eleições de 2008, mas registou
ainda assim uma vitória esmagadora, com 72 por cento dos votos. No novo
sistema, o primeiro nome na lista do partido vencedor seria o presidente. Mais
de três décadas depois de tomar o poder, José Eduardo dos Santos podia dizer
que tinha um mandato para governar, apesar das revelações de uma reputada
sondagem de opinião que mostravam que tinha a aprovação de apenas 16 por cento
dos angolanos.
Mais de três décadas depois de tomar o
poder, José Eduardo dos Santos podia dizer que tinha um mandato para governar
Em agosto de 2014, três anos depois de
as autoridades americanas terem iniciado a sua investigação à corrupção
relativa ao negócio angolano, a Cobalt emitiu um comunicado revelando que a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tinha anunciado que poderia instaurar um
processo cível contra a empresa. «A empresa cooperou totalmente com a CVM nesta
matéria e tenciona continuar a fazê‐lo», anunciou a
Cobalt. Joe Bryant apelidou a decisão da CVM de «errónea» e disse que a Cobalt
continuaria a desenvolver os seus projetos angolanos. Na altura em que este
texto foi escrito ainda não tinha sido instaurado qual‐ quer processo e a Cobalt continua a negar
qualquer irregularidade, como fez sempre. O preço por ação da Cobalt, que levou
um golpe de mil milhões de dólares após o aparecimento da notícia dos seus
parceiros angolanos, tendo afundado ainda mais depois de resultados de
perfuração medíocres, caiu mais dez por cento depois do aviso da CVM.
Os fundadores da Cobalt já obtiveram
grandes lucros. Entre fevereiro de 2012, quando a Cobalt revelou que estava sob
investigação formal, e abril desse ano, quando Kopelipa e Vicente me
confirmaram que eles e Dino tinham participações na Nazaki, Joe Bryant vendeu
860 mil das suas ações na empresa por 24 milhões de dólares. Entre o início da
investigação de corrupção e o fim de 2013 — período durante o qual a Cobalt
também encontrou petróleo no Golfo do México — a Goldman Sachs, um fundo comum
Riverside‐Carlyle, e a First Reserve, outra
grande empresa privada de fundos de investimento americana, fizeram cada uma
delas vendas de ações da Cobalt no valor de mil milhões de dólares.
Tentei descobrir quem tinha adquirido a
participação na Nazaki que, de acordo com Vicente, ele, Kopelipa e Dino tinham
«liquidado», bem como se os seus parceiros de negócio ainda eram acionistas,
mas nem o trio nem a empresa me quiseram dizer. Em fevereiro de 2013, a Nazaki
transferiu metade da sua participação para a Sonangol, a empresa petrolífera
estatal. O jornal oficial não revelou o montante pago pela Sonangol pela participação,
mas as avaliações dos banqueiros indicavam que valia cerca de 1,3 mil milhões
de dólares, pelo menos 14 vezes mais do que a quantia que se teria esperado que
a Nazaki pagasse em custos de desenvolvimento até àquela altura. Se algum
montante foi pago, representou uma transferência de fundos dos cofres de um
estado onde a grande maioria vive na penúria para uma empresa privada ligada ao
Futungo. Depois, em 2014, três semanas após a Cobalt revelar que enfrentava um
possível processo instaurado pela CVM, a empresa anunciou que tinha cortado a
sua ligação com a Nazaki e com a Alper, cujos proprietários continuam por
revelar. Ambas as empresas transferiram as suas participações no empreendimento
da Cobalt para a Sonangol. Mais uma vez, nenhuma das partes envolvidas revelou
a quantia que foi paga, se é que existiu de todo.
A Cobalt é apenas uma das dezenas de
empresas que disputam o petróleo angolano, e a Nazaki era apenas um dente da
engrenagem do Futungo para converter o seu controlo sobre o estado em lucros
privados.
Pouco antes do Natal de 2011, quando
Manuel Vicente estava a preparar‐se para entregar
as rédeas da Sonangol ao seu sucessor e com as despesas das eleições do ano
seguinte no horizonte, sete empresas petrolíferas internacionais adquiriram os
direitos de operação em 11 novos blocos no Atlântico. A área ficava na zona
«pré‐sal», onde a Cobalt estava já a fazer
exploração. Como em rondas de licitação anteriores em Angola e noutros sítios,
as empresas concordaram em pagar bónus de assinatura. Estes são pagamentos à
cabeça que as empresas petrolíferas fazem aos governos quando ganham direitos
de exploração de um bloco, muitas vezes através de leilões. Os pagamentos são
perfeitamente legais, embora frequentemente as quantias não sejam reveladas. Se
fossem entregues furtivamente aos funcionários, tais pagamentos seriam
considerados subornos; em vez disso, são depositados nos bolsos rotos das
tesourarias dos estados do petróleo.
A BP fora ameaçada de expulsão depois de
anunciar a intenção de publicar alguns detalhes dos seus contratos angolanos.
Qualquer angolano curioso por saber
quanto o seu governo tinha feito com o leilão ficaria desiludido. Tendo em
conta que, em 2001, a BP fora ameaçada de expulsão depois de anunciar a
intenção de publicar alguns detalhes dos seus contratos angolanos, as empresas
petrolíferas mantiveram os termos do bónus em segredo. A norueguesa Statoil fez
algo parecido com uma revelação. Disse que o seu «compromisso financeiro» total
por dois blocos, onde a empresa seria o operador do projeto, e a participação
nos trabalhos em outros três blocos atingia 1,4 mil milhões de dólares,
«incluindo bónus de assinatura e uma comissão mínima sobre as operações». O
ganho total do regime com toda a ronda de licitação teria sido um valor
múltiplo daquele número.
Tanto os empreendimentos comerciais do
Futungo como as atividades das instituições são envoltos em total secretismo,
tanto assim que Edward George, especialista em assuntos angolanos que estuda o
governo de Eduardo dos Santos há muitos anos, chama ao regime uma
«criptocracia» — um sistema de governo em que as alavancas do poder estão
escondidas.
Quando conheci Isaías Samakuva, num
hotel em Londres numa tarde do princípio de 2014, há mais de uma década que era
o líder da Unita, hoje o principal partido político angolano da oposição.
Samakuva passou a vida a lutar por uma causa perdida, mas permanece eloquente e
composto. Tinha sido colocado em Londres como representante da Unita nos anos
de 1980 e voltara para ver a família e tentar fazer lóbi contra o que ele via
como a prontidão das potências ocidentais para se aproximarem de Eduardo dos
Santos a fim de salvaguardar o acesso das suas empresas ao petróleo angolano.
«A própria comunidade internacional protege estes tipos», disse‐me Samakuva, tomando uma chávena de chá.
«O dinheiro deles não está na realidade
em Angola. Negoceiam com os bancos em Portugal, no Reino Unido, no Brasil, nos
Estados Unidos. A única explicação que conseguimos encontrar é que eles têm a
bênção da comunidade internacional.»
Samakuva não tem dúvidas de que a
sobrevivência do Futungo está nas estruturas sombrias da indústria do petróleo.
«Não há separação entre o privado e o estado», disse ele. «Não há
transparência. Ninguém conhece os bens do Sr. Eduardo dos Santos e da sua
família.» Perguntei‐lhe sobre uma
empresa em particular. «Acho que é a chave de todo o apoio que é dado ao Sr.
Eduardo dos Santos, ao seu governo.» Como pode uma empresa dar um apoio tão
vital, perguntei. «Só podemos especular. É tudo obscuro.»
A empresa de que falava Samakuva opera
na torre dourada Luanda One. É a empresa irmã da China International Fund, cuja
bandeira se encontra sobre a entrada e que angariou milhares de milhões para
projetos de infraestruturas sob condições não reveladas, entre eles a expansão
do Kilamba. A Cobalt, a Nazaki e outros grupos petrolíferos têm escritórios nos
andares inferiores, mas os andares do topo estão reservados para a empresa que
Samakuva tinha em mente — a China Sonangol. Desde 2004, a China Sonangol
acumulou participações numa dúzia de empreendimentos petrolíferos angolanos,
incluindo alguns dos mais prolíficos, bem como uma fatia da mina de diamantes
mais rica do país. A Sonangol, a empresa estatal de petróleo que é o motor
financeiro do Futungo, detém 30 por cento da China Sonangol. O resto pertence
ao bando de investidores baseados em Hong Kong que é conhecido como o Queensway
Group e é dirigido por um chinês de barba e óculos chamado Sam Pa.
Observador
ANGOLA24HORAS
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