quinta-feira, 28 de abril de 2011

A CABANA DO PAI HORÁCIO



Um bom governante nunca deve bazofiar o que faz num ano, mas mostrar o que faz num dia.
A troika de observadores há muito que cobiçava um terreno estrategicamente situado, ali para os lados do campo de guerra de Talatona, arredores da cidade fortificada de Luanda, e que por isso mesmo urgia ficasse sitiado. As conversações encetaram-se, mas o mwangolé Horácio, permanecia renitente: «Ao inimigo nem um palmo da nossa terra». A troika, não desarmou e armou pretensa proposta principesca: «É pá, você é daqueles mwangolés chatos. Ou aceita esta nossa última proposta, ou então já sabe como é. Duzentos e trinta mil dólares pelo terreno, negócio fechado e não se fala mais nisso, ok?!» O mano Horácio quase sem cabelo na cabeça, levou-lhe os dedos de uma das mãos fingindo-a coçar, como que num profundo meditar: «Não, não, isso não me dá para nada. O que farei com tão irrisória quantia hoje em dia? Se vocês depois vão construir aqui mais um bruto prédio e vender cada apartamento a um milhão de dólares? Não, não, e não!» E muito rápida como impõe a ilicitude da rapidez do negócio, a troika voltou em força com o forte braço fora-da-lei: portugueses com um buldozer, copiando o que Israel faz aos palestinos. Não é novidade para ninguém que Angola importa tudo o que é maus costumes. E arrasaram – que mais sabem fazer além disto? – a casa e os haveres do mano Horácio. Fizeram-no de surpresa, sem aviso prévio, como se faz num campo de batalha, porque não é verdade que a guerra acabou. Pelo contrário, recrudesce perene como um terramoto. E o mano Horácio jaz, faz do seu carro a sua casa, copiando a versão da Cabana do Pai Tomás, no tempo da escravidão nos Estados Unidos da América. E para aclarar dúvidas, o mano Horácio perguntou à troika dos portugueses que ao menos fornecessem os seus nomes, e eles sem problemas identificaram-se: «Eu sou o Teixeira! eu sou o Duarte! e eu chamo-me Sonangol!» Entretanto, aguardamos a réplica da oposição a mais este forte tremor de terra. Ouve-se apenas o habitual silêncio cúmplice (?).
As terras eram dos angolanos, depois, agora, um clube dos amigos da democracia e dos especuladores imobiliários comprou, espoliou um Estado e tudo nele contido, o povo. E as populações milenarmente legais, de repente ilegais, e como tal sem direitos. O único: o de viverem na pobreza do milhão de tendas prometidas. E nos locais dos desterrados erguem-se mansões de apartamentos à venda por um milhão de dólares. É a isto que se convenciona decretar de crise económica. Em nove anos de paz, o nosso Governo construiu muitas pontes, muitas estradas, e muitas escolas. E também reconstruiu muita miséria, muita intolerância, muita exclusão social e muita repressão ao jornalismo, que é a ciência do arremessar das palavras que derrubam os muros dos palácios fortificados das ditaduras. É por isso que os ditadores têm sempre os jornalistas que não lhes aceitam subornos, nas miras das armas dos seus mercenários atiradores furtivos.
E neste elogio fúnebre da pobreza resta o truque da panela com água como veremos.
São cerca de vinte e uma horas de mais uma noite de lotaria perdida. É que o sorteio dos lucros petrolíferos ainda não chegou à população. Só a alguns do bando da meia dúzia, aos que merecem, pois foram apenas eles que lutaram pela independência de Angola, e por isso têm direitos universais… e até sobrenaturais.
As crianças choram impiedosamente, imploram comida à sua mamã, que desolada não sabe para onde, ou como se desenvencilhar de tal tortura social e mental. E as crianças continuam no choro aflitivo da fome. É então que a mamã tem uma ideia genial, tétrica, tipo fim do mundo. Põe uma panela no fogão e junta-lhe água que passado pouco tempo mostra os primeiros sinais de fervura. A criançada enche-se de esperança, a comida não tardará, e alegres retornam às brincadeiras do imaginar que são borboletas, e voam para um local onde há muita comida. E adormecem a sonhar com a iguaria da panela com água. De manhã, ao acordarem, a mamã já conseguiu qualquer coisa para comerem.
Quando o petróleo é só para corruptos, as populações morrem de fome. Será que esta é a civilização do silêncio?
Os tempos continuam agitados, agigantados. As sinfonias da Natureza passam por nós em louca correria. É por isso que perdemos, não apreendemos a sua melodia. Até o chorar das crianças parece, perece inconfortável. E as guerras pela liberdade renascem-nos e agitam os ditadores. São os constantes ventos da mudança que nos transportam para o futuro do isto é de todos nós e não apenas de alguns, como um partido sem provar por eleições que é o maioritário, quando na realidade é o minoritário, como se pode ver a seguir.
16 de Abril, pelas vinte e uma hora, no Largo 1º de Maio em Luanda, decorria mais um comício musical maratonado, promovido pelo partido da minoria em saudação a mais um congresso do minoritário. Isto é, não se deixa ninguém descansar, dormir. O mais importante é promover os maus exemplos, assim como as maratonas da bebedeira, que mais tarde transformam cidadãos numa sociedade doentia. E depois, dos covis saem psiquiatras, psicólogos, ideólogos – até se convidam, paga-se a estrangeiros para dissertarem sobre as origens dos nossos males, quando nos seus países a coisa está podre, muito mais mal condizente – dos comités da defesa da revolução, ditos de especialidade, que as coisas estão mal, e que a sociedade está doente e que é urgente curá-la. Que a violência doméstica e as agressões sexuais estão demais. Pudera, com tanto apelo nas maratonas ao álcool gratuito, onde Angola é o maior consumidor, para gáudio dos exportadores portugueses que sonham com a reimplantação do vício colonial da bebedeira, em conluio com os seus mestres émepelistas.
Dos alto-falantes ouvia-se o bombardeio sonoro do DJ de serviço: «Quando eu disser viva, todos vocês também gritam, viva!» E então: «Viva a paz, viva!» O largo estava com a lotação esgotada pela juventude, que já não é não senhor, o futuro da nação. É sim, a desgraça desta nação. E os jovens, nem pio, todos calados, ninguém gritou viva. E o DJ muito esperançado insiste: «Viva o congresso do MPLA, viva!» Nada, ninguém gritou, ninguém quer saber do MPLA, se é que ele ainda existe. Os jovens apenas queriam ouvir música, estavam-se marimbando para as palavras de desordem do M. Então, é ou não é o actual partido da monotonia da minoria?
Sonhamos muito que temos asas e que ultrapassamos todos os obstáculos voando muito mais alto, sempre. Mas ao acordarmos verificamos estupefactos que continuamos no mesmo local, e dele não conseguimos sair, porque a ele nos amarraram. E deixamo-nos encostar no eterno silêncio das vontades perdidas e desesperadas dos lamentos dos nossos muros inconscientes. Será que esta é a civilização do silêncio?
Uma das armas mais temíveis da escravatura é a doutrina de que devemos a todo o momento obediência às entidades superiores. Isto é extremamente agradável para as religiões e políticos ditadores. A imposição da superstição permanente para que seja mais fácil a nossa dominação. Os detentores do poder têm sempre a pretensão de decretaram leis para nos controlarem os passos e as mentes dia e noite. Será que num futuro muito próximo dormiremos e sonharemos noutra dimensão Matrix?
Todos os que aspiram ao poder prometem-nos tanta felicidade como se existisse um planeta paralelo. Chegados ao poder, o jardim do paraíso revela-se como plantas carnívoras plantadas, e o nosso oásis outra vez o inferno. Sempre com a mesma verbalização da conjuntura económica que nos é muito desfavorável. E os cientistas que há dezenas de anos nos previnem para não se construírem casas próximo das margens, porque o nível do mar está a subir. Mas mesmo assim muitos constroem e o mar depois destrói. É negócio, tal como a política. Estamos condenados à votação de eternas eleições?
A nossa miséria alastra-se porque há sempre alguém que disso faz negócio. O exemplo mais gritante é a actividade bancária em países onde as populações vivem na penúria, e os bancos conseguem apresentar lucros astronómicos. E são regimes que se dizem democráticos porque apoiados pelos países mais ricos. Quer dizer: uma democracia para ricos e outra para pobres. E porque é que essas fortunas conseguidas em conluio com espoliadores ditadores não são de imediato congeladas? Porque a democracia também escreve direito por linhas tortas.
Com tanta miséria em Luanda, como é possível existirem tantos bancos? É fácil, não é?! Os bancos exercem, obedecem à corrupção do poder, e assim fazem nas calmas a lavagem dos biliões de dólares que desviam do erário público. Os bancos são lavandarias.
E enquanto existir a ditadura, que impõe, sobrevive na dominação: sem formação, o escravo liberto prosseguirá na escravidão.
Entretanto na LAC, a ANIP, a nossa Agência, (ou ingerência?) Nacional para o Investimento Privado, conseguiu um bom investimento... nas bebidas. Duas ou três empresas, não consegui ouvir o nome, o locutor engolia as palavras, investem milhões de dólares na cerveja. Investir no alcoolismo do angolano é fundamental. E as empresas são deles, dos donos de Angola. E os lucros são fabulosos, porque a matéria-prima principal da cerveja é a água, e esta em Angola, É DE BORLA.
Não sei se conseguirei dormir esta noite, como nas outras, nestes quase quarenta anos de poder cadavérico. De mortos perdidos por toda a Angola. E o cortejo fúnebre prossegue. Este poder da morte tem fábricas, e a matéria-prima é as nossas vidas. Assim, amanhã, em mais este campo de concentração quem conseguirá milagrosamente dele escapar com vida?
O mais difícil, complicado mesmo, é mergulhar trinta e dois anos nesta ditadura, e mesmo assim conseguir vir à superfície e tentar respirar, porque a democracia está a acenar. Mas que vejo?! Em vão, as forças da repressão impõem-me, outra vez, o mergulhar.
O nosso eterno poder é como um navio açoitado por uma violenta e tumultuosa tempestade que o aderna perigosamente para os escolhos da governação, com um péssimo comandante e sem imediato. E que assim não apresenta nenhum rumo seguro, tem um com bastante segurança… o afundar-se. E não é isso que já lhe sucede?
O que a ditadura pretende, nos exige, é o construir por cima dos nossos corpos, fábricas, oficinas, bancos, prédios, condomínios, jardins milionários, estádios de futebol, poços petrolíferos e diamantíferos, e a nossa espoliação total e completa. É que nem a um dólar do petróleo beneficiamos. E nós vamos deixar que isto continue? Não!!! O relógio da ditadura parou, já não há ninguém para lhe dar corda. Sim, ele e ela funcionam como os relógios de antanho. O que nos distingue nesta ditadura, é que nós pensamos e ela não.
Onde estamos? Em Angola, onde os ponteiros dos relógios andam ao contrário, para trás. Onde opinar é facílimo, mas não opinar é pactuar com a ditadura.
Porque é que os ditadores se dizem todos eleitos por Deus, se no fim Ele os abandona?
«Melhoria das condições de vida dos angolanos está a avançar por etapas.» Sim! A primeira etapa já dura há trinta e dois anos. A segunda etapa, muito naturalmente também consumirá outros trinta e dois.
upanixade@gmail.com

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