terça-feira, 26 de junho de 2012

Brasil. Rio 20: o aborto anunciado


Não houve uma declaração séria sobre o crescimento inclusivo ou inclusão na divisão de renda proveniente da exploração dos recursos naturais. É um ponto que interessava à sociedade civil, principalmente dos países pobres
Rio de Janeiro (Canalmoz) – Fracasso: é a palavra mais usada aqui no Brasil e pelo mundo fora para classificar a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que terminou na última sexta-feira, no Rio de Janeiro e que juntou perto de 193 chefes de Estado e de Governo. Fracasso por duas razões: a primeira porque não foi a cimeira que se esperava ao nível de comprometimento e participação dos chamados “grandes” (EUA, Alemanha e Inglaterra). Segundo porque mesmo sem os grandes, o texto final foi feito a escopo e martelo e entregue sob pressão e elevado stress, o que precipitou que muitos assuntos considerados “chave”, fossem empurrados para o futuro.
Claro que por outro lado estão os organizadores como Ban kin-moon e a presidente do Brasil Dilma Rousseff à frente do batalhão de um conjunto de Chefes de Estado que por força da “boa imagem” e “diplomacia de convencimento” estão a defender que foi um sucesso porque se alcançou os objectivos traçados, pois em única voz dizem que o evento “serviu para traçar uma agenda comum no desenvolvimento sustentável”.
Quem não teve papas na língua para chamar o fracasso pelo seu próprio nome, foi o presidente do Equador Rafael Correa. Aquele estadista foi um dos poucos que exteriorizou o seu desapontamento com o evento. “A cimeira foi um autêntico fracasso” disse para depois explicar que a cimeira não trouxe nada de novo pois não houve acções concretas. “A reunião foi um fracasso, o documento final foi lírico, não há concretizações, compromissos concretos, mensuráveis ou controláveis portanto tudo continuará igual”. Eis a radiografia feita pelo chefe do Estado equatoriano, que aliás torna-se uma espécie de cereja no topo do bolo quando aliado aos discursos das organizações da sociedade civil que de resto foram os principais protagonistas da cimeira, ao fazerem o Brasil transpirar na elaboração, entrega e correcção do documento final.
Até porque o explícito desapontamento do Equador tem alguma razão, se se tiver em conta que aquele País trazia um ponto para ser incluído no texto final que não chegou a acontecer. Porque simplesmente foi rejeitado. O Equador tinha pedido a flexibilização das regras de propriedade intelectual para as chamadas “tecnologias amigas do meio ambiente”. O lobby para inclusão deste ponto não funcionou.

Os pontos que corporizam o mega-fracasso

Recorde-se que o texto distribuído na última terça-feira, pelo Brasil, a chamada declaração final da Rio+20, é intitulado “o Futuro que Queremos”. E como os brasileiros (críticos) não brincam quando o assunto é apelidar coisas, já chamam ao texto de “o Futuro que não queremos”. O texto mantém em sua redacção um ponto considerado polémico, contestado pelos países ricos, mas considerado inegociável pelos em desenvolvimento: o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.
O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas refere que os países mais ricos devem arcar com a maior parte dos custos ambientais por terem-se desenvolvido às custas de energias poluentes. É uma directriz da política internacional acordada na Rio92. Apesar de se ter mantido o ponto, os países ricos já deixaram claro que o assunto ficará mesmo pelo papel. Não há dinheiro!
Sobre o financiamento de projectos de desenvolvimento sustentável, os países ricos, tradicionais financiadores de programas ambientais e os mais afectados pela crise internacional, rejeitaram comprometer-se com novos fardos de ajuda financeira.
A criação de um fundo de 30 mil milhões de dólares para o financiamento de acções voltadas à sustentabilidade, proposta pelo G77 – grupo que reúne os países em desenvolvimento, incluindo China e Brasil – foi excluída do texto final, sinal claro da desistência dos países desenvolvidos em carregar o fardo dos pobres. No documento foi incluída uma “cesta” de formas de financiamento para as acções, com fontes privadas e instituições financeiras. Também está tremida.
O texto final também lança os “Objectivos de Desenvolvimento Sustentável”, que comprometerão todos os países com metas sócio ambientais e substituirão os Objectivos do Milénio da ONU, que expiram em 2015. Dito em outras palavras, todas as decisões consideradas cruciais foram adiadas.

Hiraly Clinton chegou, falou e partiu

Com a já anunciada ausência de Barack Obama, esperava-se uma outra representação dos Estados Unidos, um dos principais se não o mais influente player quando os assuntos são de escala mundial, como foi o caso da cimeira. No lugar de Obama foi à Cidade Maravilhosa, a secretária de Estado americana, Hilary Clinton. Chegou no último dia com o habitual e incomum aparato de segurança e fez um discurso à altura do fracasso que já havia sido anunciado. Hilary defendeu os direitos reprodutivos da mulher e uma economia de inclusão como garantia de prosperidade. O recado era para os países pobres que albergam dirigentes faustos que perfilam nas paradas internacionais de fortuna “individual”.

A vizinhança que tramou o Brasil

A praga para que o Rio +20 desse no que deu, não veio só da sociedade civil que esteve em peso na Cidade Maravilhosa. É que o evento aconteceu numa altura em que a concentração máxima era requerida em outros países bem aí ao lado da terra do samba. Primeiro os países ricos ou em via de, incluindo o próprio Brasil, decidiram acampar até um dia antes da Rio +20, no vizinho México, mais concretamente na cidade de Los Cabos para discutir a saída para a crise que até aqui já criou vítimas políticos (Grécia, Itália, França, Portugal, Irlanda entre outros). Todas as atenções estiveram viradas para lá. Obama, Merkel, Cameron estiveram no México mas não foram ao Brasil. Por cansaço? Ninguém sabe.
Enquanto se digeria a cimeira, em tom de que deveria ter acontecido em outro lugar e numa outra data para não ofuscar a Rio+20, no vizinho Paraguai a classe política roubava atenções do mundo. O parlamento marcava um decisivo passo rumo ao impeachment sem violência que derrubava o presidente paraguaio Fernando Lugo. Mais uma vez os líderes deixaram de pensar na Rio +20 para elaborar discursos de reacção àquele acontecimento político.

Guebuza fala de acordo possível

Quem também não escondeu o seu desejo de “um encontro mais decisivo e concreto”, se bem que de forma muito cautelosa, foi o Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza, que também esteve no Rio de Janeiro. Guebuza descreveu como “possível” o acordo alcançado entre os chefes de Estado e fez uma avaliação positiva da cimeira.
Refira-se que o Estado moçambicano, procedeu no Rio de Janeiro ao lançamento do Roteiro nacional para a economia verde. É basicamente a estratégia de Moçambique a curto e longo prazo para a preservação do meio ambiente. (Matias Guente, nosso enviado ao Rio de Janeiro)

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