Rafael Marques de Morais,
“Essa
foi a maior surra que apanhei. Preferia ter estado preso do que ter sido torturado dessa forma pela
polícia”, explica Nito Alves estudante de 18 anos, um dos mais de 30
manifestantes detidos a 27 de Maio pela Polícia de Intervenção Rápida (PIR) no
Largo da Independência, em Luanda.
Os manifestantes tentaram concentrar-se no centro do Largo, onde se encontra a estátua do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto.
Um grupo de jovens havia informado, há semanas, a Comissão Administrativa da Cidade de Luanda (CACL) sobre a sua pretensão de organizar uma vigília de recordação do 27 de Maio de 1977, sob o lema “Chega de Chacinas”. A CACL não respondeu à informação.
Os manifestantes tentaram concentrar-se no centro do Largo, onde se encontra a estátua do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto.
Um grupo de jovens havia informado, há semanas, a Comissão Administrativa da Cidade de Luanda (CACL) sobre a sua pretensão de organizar uma vigília de recordação do 27 de Maio de 1977, sob o lema “Chega de Chacinas”. A CACL não respondeu à informação.
O
advogado Albano Pedro realça que o silêncio da CACL, sobre a comunicação de
manifestação, “é sinónimo de autorização”.
Segundo o advogado, “há autorização tácita quando os interessados comunicam, com a antecedência consagrada na lei, e não há resposta das autoridades“.
Segundo o advogado, “há autorização tácita quando os interessados comunicam, com a antecedência consagrada na lei, e não há resposta das autoridades“.
Os
massacres de 1977, que ocorreram naquele dia e a posteriori, foram
protagonizados pelas forças leais a Agostinho Neto, contra parte significativa
do Bureau Político e Comité Central do MPLA, do alto comando das Forças Armadas
Populares de Libertação de Angola (FAPLA), dos quadros da função pública e
outras forças que se opunham à sua forma de governar ou eram suspeitas, bem
como dezenas de milhares de cidadãos.
Como
ilustração dos traumas que o 27 de Maio causou no seio do próprio regime, o
actual comandante-geral da Polícia Nacional, comissário Ambrósio de Lemos,
escapou ao fuzilamento, na altura, suspeito de colaborar com os oponentes de
Agostinho Neto. O seu irmão mais novo, o comissário político das FAPLA Virgílio
Freire dos Santos “Betinho Zamba”, não teve a mesma sorte. Foi fuzilado sem
julgamento, enquanto Ambrósio de Lemos passou mais de dois anos detido, também
sem julgamento.
Um
alto oficial da Polícia Nacional revelou ao Maka Angola
desconhecimento do Comando-Geral da Polícia Nacional sobre os detalhes da
operação de repressão contra os manifestantes.
O jornalista da Rádio Despertar, Serrote Simão Hebo, ao enviar um despacho em directo, a partir do largo, ouviu um superintendente da Polícia Nacional, que se encontrava ao seu lado, a ordenar a um subordinado a sua detenção imediata.
O jornalista da Rádio Despertar, Serrote Simão Hebo, ao enviar um despacho em directo, a partir do largo, ouviu um superintendente da Polícia Nacional, que se encontrava ao seu lado, a ordenar a um subordinado a sua detenção imediata.
“O
inspector apreendeu-me o telefone, o gravador e levou-me para uma carrinha policial
onde obrigou-me a ficar deitado debaixo de um banco corrido. Depois de 20
minutos a porta-voz do Comando Provincial, Engrácia Costa, pediu que me
retirassem da carrinha”, informa o jornalista.
De
acordo com Simão Serrote, a porta-voz encaminhou-o à Unidade Operativa de
Luanda, onde permaneceu duas horas, sentado na recepção. “Depois, a porta-voz
apareceu , devolveu o meu equipamento e saí em liberdade”, conclui o
repórter.
Os Sequestrados
Uma
hora antes da detenção de Nito Alves, Edson Miguel, de 34 anos, professor
desempregado, Bernardo, Panguila e Tito foram capturados a mais de três
quilómetros do local de concentração da manifestação.
“Um
dos agentes da polícia disse-nos que Angola tem dono e o dono é José Eduardo
dos Santos. Disse-nos que apenas estavam a cumprir ordens e repetiu: ‘Vocês são
novos e não sabem que não vão mudar nada porque este país é do José Eduardo dos
Santos’”, narra Edson Miguel.
Após
essa introdução, vários agentes deram início à sessão de espancamentos dos
quatro jovens com as coronhas de armas, pontapés e chicote de
cavalo-marinho.
“Com a porrada e o discurso do polícia, o Bernardo disse aos agentes que, querendo ou não, vamos morrer em nome da liberdade. Partiram-lhe o braço esquerdo com uma coronhada”, explica a testemunha.
“Com a porrada e o discurso do polícia, o Bernardo disse aos agentes que, querendo ou não, vamos morrer em nome da liberdade. Partiram-lhe o braço esquerdo com uma coronhada”, explica a testemunha.
Os
quatro jovens foram levados numa viatura Land-Rover para um apartamento vazio,
num condomínio nas imediações da Feira Internacional de Luanda (FILDA). Aí
foram separados, cada um numa dependência, e sujeitos a tortura. Outros 12
jovens detidos no local e vistos pelos quatro foram transportados para lugar
incerto.
“O
meu torturador disse que foram mandados por José Eduardo dos Santos e ameaçou
matar a minha família caso continuemos a protestar”, denuncia Edson Miguel,
Por
volta das 13h00 de hoje, um novo grupo de agentes procedeu à transferência dos
jovens do apartamento, conduzindo-os até ao Bairro Capalanca, em Viana, onde
foram libertados.
“’A
democracia vai vos levar aonde? Estão a lutar para quê?’ Foi o que os novos
agentes nos perguntaram antes de nos soltarem”, sublinha Edson Miguel.
O Terror da PIR
No Largo da Independência, “fecharam-nos no carro celular da Polícia de Intervenção Rápida (PIR). Éramos 17 ao todo. Um agente atirou uma granada de gás lacrimogéneo dentro da viatura e fechou as portas”, revela Nito Alves.
O Terror da PIR
No Largo da Independência, “fecharam-nos no carro celular da Polícia de Intervenção Rápida (PIR). Éramos 17 ao todo. Um agente atirou uma granada de gás lacrimogéneo dentro da viatura e fechou as portas”, revela Nito Alves.
Raul
Mandela, desempregado de 28 anos, ainda tem o peito inflamado onde o invólucro
da granada lhe raspou. “Fiquei sem ar e desmaiei logo”, conta.
“Tivemos
de urinar nas nossas camisas para cobrirmos as nossas bocas para não
desmaiarmos. Mas,o Pedrowski Teca e o Saleio também desmaiaram”,
continua o interlocutor.
Os
detidos foram a seguir transportados para o comando da PIR, onde os obrigaram a
manter-se estirados de barriga para baixo e a olhar para o chão, “para não reconhecermos
os rostos dos agentes encarregues de nos torturarem”, diz.
“Fomos
atacados com porretes que dão choques eléctricos, e pisoteados com botas, ao
ponto de até as pessoas que não acreditam em Deus terem pedido a Sua
intervenção, para a salvação”, descreve Adolfo Campos, um veterano das
manifestações, detenções e torturas policiais. “A pancadaria foi tanta, que um
dos manifestantes defecou ali mesmo”, prossegue.
Desde
Março de 2011, grupos informais de jovens têm-se mobilizado para exercer o
direito constitucional à manifestação, inspirados pela Primavera Árabe.
Durante a pancadaria, mais dois indivíduos foram encaminhados ao carro de tortura. Tratava-se de Manuel de Victória Pereira, de 60 anos, secretário para a Formação e Cultura do Bloco Democrático, e Serafim Simeão, secretário provincial da Juventude Patriótica de Angola , o braço juvenil da CASA-CE.
Durante a pancadaria, mais dois indivíduos foram encaminhados ao carro de tortura. Tratava-se de Manuel de Victória Pereira, de 60 anos, secretário para a Formação e Cultura do Bloco Democrático, e Serafim Simeão, secretário provincial da Juventude Patriótica de Angola , o braço juvenil da CASA-CE.
Manuel
de Victória Pereira vive nos arredores do Largo da Independência e atravessa-o
todos os dias para ir trabalhar no Instituto Normal de Educação dos Maristas, a
menos de um quilómetro do largo, onde lecciona Português e Literatura. No seu
regresso, foi abordado por alguns jovens seus conhecidos, que o informaram da
detenção de Adolfo Campos e outros. Distanciou-se deles e dirigiu-se ao Parque
da Independência, uma área vedada com quiosques e bares. Pagou os 50 kwanzas de
acesso ao parque. Sentou-se na esplanada e pediu uma cerveja bem gelada.
“Nem
sequer abri a garrafa. Apareceram vários agentes que me convidaram para ir
falar com o ‘chefe’. Quando saí do local estava cercado por agentes da PIR com
escudos que me levaram à força para o carro celular, onde me encontrei com o
Serafim. Ali começaram a dar-me cacetadas”, descreve Victória Pereira.
Chegados
ao Comando da PIR, “obrigaram-nos a tirar as camisas para vendarmos os olhos,
enquanto nos espancavam e a polícia política nos fotografava. Insultavam-me
como branco de merda, estrangeiro, mulato barbudo”, conta o professor.
Serafim
Simeão passou pelo Largo da Independência, ao volante do seu carro, em direcção
a São Paulo, onde iria frequentar um curso. Parou no semáforo, à espera do
sinal verde. “Por curiosidade, decidi tirar uma fotografia, com o meu
telemóvel, ao grande aparato policial que havia ali, para a minha página no
Facebook”, explica o líder juvenil.
Uma
viatura policial perseguiu-o e obrigou-o a encostar a sua viatura junto a umas
bombas de combustível. “Apreenderam-me o telemóvel, algemaram-me e levaram-me
para o carro da polícia”, conta.
“Estou
muito machucado. Levei muitos pontapés nas costelas, pisotearam-me nas costas,
bateram-me com porretes. Os agentes da PIR usavam todos máscara para cobrir os
rostos”, descreve Serafim Simeão.
Segundo testemunho de Adolfo Campos, os agentes da polícia de elite reservaram um tratamento especial a Manuel de Victória Pereira por ser branco, membro da oposição e pela sua idade. “Foi o mais castigado”, adianta a testemunha.
Segundo testemunho de Adolfo Campos, os agentes da polícia de elite reservaram um tratamento especial a Manuel de Victória Pereira por ser branco, membro da oposição e pela sua idade. “Foi o mais castigado”, adianta a testemunha.
Raul
Mandela acrescenta que a polícia, depois da pancadaria, aspergiu as vítimas com
um spray de gás pimenta e fechou novamente as portas do carro celular
para lhes causar asfixia.
Membro
do Movimento Revolucionário, um dos grupos informais de jovens, Adolfo Campos
revela que, após o acto de brutalidade, os efectivos da PIR manobraram um
camião de lona, cuja porta da carroçaria dava para a porta do carro celular,
parando a uma certa distância. Entre as duas viaturas perfilharam-se agentes
com porretes e outros instrumentos de violência.
“Fomos
obrigados a saltar de um carro para o outro, enquanto os agentes nos atacavam
com porretes, os que caíam entre as viaturas sofriam mais com pontapés também,
até nos rostos”, descreve.
Adolfo
Campos refere ainda que Serafim Simeão também mereceu tratamento especial, por
ser da oposição e corpulento. “No segundo carro, o camião de lona, foi o que
mais surra apanhou. Parecia o fim do mundo”, lamenta.
Durante
o trajecto para fora de Luanda, os agentes empregaram a tortura psicológica,
para além dos pontapés e açoites regulares, ainda de acordo com Adolfo Campos.
“Ameaçavam-nos constantemente de que estávamos a ser levados para um campo de
fuzilamento. Às tantas decidimos manter a calma, porque se era para morrermos,
então assim seria”, enfatiza.
A
coluna da PIR libertou Manuel de Victória Pereira no Quilómetro 30, em Viana,
tendo feito o mesmo com os restantes na localidade de Catete, a mais de 60
quilómetros da cidade, junto à berma da estrada nacional.
“Eu
perguntei [aos captores]: ‘Estão a abandonar-nos aqui, e se algum de nós
morrer, quem se responsabilizará? Um dos agentes respondeu-nos que estavam
apenas a cumprir ordens e disse-nos que era indiferente. ‘Vocês já são
mortos’”, relata Adolfo Campos.
Como
prémio adicional pela missão, os agentes da PIR apropriaram-se dos bens dos
jovens que lhes despertaram interesse, incluindo dinheiro e o anel de casamento
de Adolfo Campos. “Para além de assassinos, são gatunos”, queixa-se.
Por
20,000 kwanzas (US $200), um camionista aceitou transportar os
“desterrados” até a uma distância de pouco mais de cinco quilómetros do Largo
da Independência, onde depois foram recolhidos por amigos solidários.
David
Saleio, um dos detidos, teve de ser levado imediatamente a uma unidade
hospitalar privada, para ser assistido devido ao estado de inflamação em várias
partes do corpo, que o impedia de caminhar.
O Grupo do
Chabalala
“Pensei
que hoje seria o dia do nosso fuzilamento”, desabafa Alex Chabalala, de 22
anos. O jovem faz parte de um segundo grupo, composto por seis manifestantes,
detido ontem no Largo da Independência e abandonado na mata, cem quilómetros a
norte de Luanda.
“Tive
medo, ali no meio da mata para onde nos levaram. Obrigaram-nos a deitar no chão
[alinhados juntos], de cabeça para baixo, apontaram-nos as armas, tiraram-nos
fotografias e começaram a espancar-nos”, conta Alex Chabalala.
O
grupo de seis jovens foi detido por volta das 15h15, por efectivos da PIR,
quando tentaram furar o forte dispositivo policial e de segurança destacado no
local para impedir a realização da vigília.
Segundo
Santos Contuala, de 33 anos, vários agentes espancaram-nos com socos e
bofetadas nos rostos, com as coronhas das armas por todo o corpo, para além de
pontapés com botas militares e vergastadas com cavalo-marinho.
Os
capturados tiveram uma breve passagem pelo comando da PIR, onde foram submetidos
a mais violência e a interrogatórios sobre as suas supostas ligações a partidos
da oposição. A seguir foram transferidos para um camião policial, onde os
obrigaram a manter-se deitados, de barriga para baixo. Escoltados por mais
quatro viaturas com agentes policias e de segurança, foram conduzidos a uma
mata para além de Calomboloca, próximo da estrada nacional.
Faziam
também parte desse grupo Afonso “Feridão”, de 24 anos, António Caquienze
“Duke”, de 36 anos, Manuel Pedro Kioza “Steven”, de 23 anos, e Sampaio
Kimbamba, de 27 anos.
O Comando do
Ministro do Interior
O
jornalista Alexandre Solombe, que acompanhou os desafortunados ao hospital e
que várias vezes sofreu agressões policiais por cobrir manifestações, fala
sobre a estratégia governamental de incremento da violência contra os
manifestantes.
“A
estratégia de levar os detidos ao comando da PIR para lá serem torturados é uma
versão ao extremo da medida que nos foi aplicada a 20 de Setembro passado”,
indica o jornalista. Na altura, Alexandre Solombe, o autor e jornalista Coque
Mukuta e os sete manifestantes libertados pelo tribunal havia menos de meia
hora foram cercados e detidos por um efectivo de 54 agentes da PIR fortemente
armados.
O Maka
Angola soube, de fonte policial fidedigna, que toda a operação de
detenção e violência contra os detidos, no Comando da PIR, foi dirigida pelo ministro do Interior, Ângelo de Barros Veiga
Tavares
A operação contra os jornalistas, em Setembro passado, segundo dados obtidos pelo Maka Angola, tinha dois objectivos principais. Primeiro, visava testar as reacções internas e externas com a detenção de figuras cujos perfis aparentavam despertar maior atenção de protesto, no âmbito da nova estratégia de repressão.
A operação contra os jornalistas, em Setembro passado, segundo dados obtidos pelo Maka Angola, tinha dois objectivos principais. Primeiro, visava testar as reacções internas e externas com a detenção de figuras cujos perfis aparentavam despertar maior atenção de protesto, no âmbito da nova estratégia de repressão.
Segundo,
os telemóveis dos jornalistas e a máquina fotográfica do autor, entretanto
confiscados, foram levados imediatamente ao Laboratório de Criminalística, onde
foram analisados os contactos gravados, as mensagens e as fotografias.
A
destruição dos equipamentos, a posteriori, serviu apenas para
despistar os verdadeiros objectivos da operação. A análise dos contactos visava
identificar figuras do regime que supostamente estariam a apoiar a liberdade de
imprensa, a sociedade civil e o exercício dos direitos de cidadania consagrados
na Constituição.
A
reacção fugaz e inconsequente, a nível nacional e internacional, conforme
informações chegadas a este portal, estimulou, com sucesso, a aplicação extrema
do método de breve detenção, tortura severa por agentes qualificados do Estado
e a sua libertação longe da cidade.
Esses
métodos resultam da transferência de práticas usadas sistematicamente por
efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA) e das empresas privadas de
segurança, pertencentes a generais e comissários da Polícia Nacional, contra
garimpeiros na região diamantífera das Lundas.
Desde
então, o ministro do Interior chamou a si a coordenação directa do Comando de
Operações criado para a repressão de manifestantes e outras figuras
consideradas demasiado incómodas para o regime. Com o apoio político da Casa de
Segurança do Presidente da República, para servir de músculo às referidas operações,
o ministro tem a seu cargo todo o dispositivo da PIR, a força de elite do
governo. A PIR é comandada pelo comissário Alfredo Quintino Lourenço (Nilo).
Albano
Pedro afirma que a polícia violou os direitos e liberdades fundamentais dos
manifestantes. “O que está em causa não é apenas a violência em si, mas também
a ilicitude dos actos da PIR, ainda que não configurassem quaisquer actos de
violência”, refere.
O
advogado enuncia os indícios de crimes cometidos pelas forças policiais contra
a liberdade dos manifestantes, contra a sua integridade física e honra, por
rapto, cárcere privado e o que considera serem tentativas de homicídio contra
alguns dos manifestantes pela gravidade das lesões que lhes foram infligidas.
Para
o advogado, deve haver procedimentos criminais contra os mandantes e executores
da acção, assim como o Estado deve assumir a responsabilidade civil pelos actos
de terror.
Imagem:
David Saleio contorce-se com dores, deitado na carrinha que recolheu os
manifestantes torturados em Luanda.
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