quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Os Templários (16). O culto da Dama Celeste


MICHEL LAMY

O que é mais extraordinário é que, em seu redor, todos achavam isso normal de tal modo a sua personalidade era, ao mesmo tempo, forte e sedutora. Estava dotado de uma energia e de uma vontade sem falhas, daquelas que fazem vergar as pessoas em seu redor. Para além da autoridade e da violência verbal, sabia manejar também a delicadeza e a persuasão. Bernardo foi um ser dúplice, dividido entre a meditação e a ação.

Tão depressa arrastava os irmãos, repreendia os grandes, influenciava a política de todo o Ocidente, como se retirava para uma choupana e se entregava a mortificações até esgotar o seu corpo e o tornar doente, «semelhante a um arco que, depois de ter sido distendido, retesado de novo, recupera toda a sua força: como uma torrente retida por uma barragem que, liberta, retoma a impetuosidade do seu curso, regressa às suas práticas, como se tivesse pretendido castigar-se por esse repouso, e reparar as perdas da ascese interrompida». Robert Thomas escreve:
Uma saúde arruinada, um corpo extenuado, uma alma que, até ao fim, será senhora daquele corpo e lhe fará a vida dura, assim é Bernardo.

Dedicou-se à Ordem de Cluny para a qual defendeu uma reforma monástica. Acusava os monges clunicenses de terem costumes dissolutos.
Compreenderemos facilmente, com base nisso, que São Bernardo não defendesse para os Templários uma regra especialmente suave e que se esforçasse por os tornar aguerridos através da própria dureza da vida que deveriam levar.
Bernardo foi também quem lutou contra Abelardo, até o ter derrubado, aniquilado social e psicologicamente. Abelardo era um mestre com uma inteligência notável que ensinava uma juventude estudantil que o adulava. Dialético brilhante, gostava das lides oratórias mais por elas mesmas do que pelo seu conteúdo. Tinha uma tendência nítida para o racionalismo e não admitia que, para um problema religioso, a única resposta avançada fosse: é um mistério.

Crer e não discutir era inconcebível para ele. Bernardo considerava perigoso o seu ensino, tanto mais pernicioso quanto as suas teses eram, amiúde, sedutoras. Opôs-se-lhe violentamente e redigiu um tratado dos erros de Abelardo que dirigiu ao papa Inocêncio III. Não parou enquanto o não conseguiu condenar. A esse respeito, Dom Jean Leclerq escreveu:
Esse excesso de injúrias, de acusações baseadas em denúncias sumárias, traía, em São Bernardo, uma paixão mal dominada. Este episódio não é, certamente, o mais glorioso da vida de São Bernardo.

O culto da Dama Celeste
Bernardo teve também um amor louco por Maria, embora tenha escrito muito menos sobre esse tema do que acerca de outros. As poucas páginas que deixou sobre a Virgem ressumam literalmente fervor e amor. Inventou uma oração a Maria, na qual ela aparece como a «Rainha» da Salve Regina, que intercede em prol dos homens, junto de Cristo, a Virgem coroada que aceitou a provação desejada por Deus, triunfou sobre ela, é capaz de mostrar o caminho aos homens.

A devoção de Bernardo à Virgem parece profunda, o que não é tão habitual na sua época. Daí, poderemos imaginar que não tenha sido alheio à veneração que os Templários sempre tiveram por Nossa Senhora. Todavia, tenhamos cautela porque talvez se tenha tendência para atribuir uma importância desmesurada a São Bernardo, a partir do momento em que se trata dos Templários. Baseando-nos nos depoimentos prestados por estes últimos no seu processo - dois séculos mais tarde - poderíamos pensar que fora o próprio Bernardo quem redigira a sua regra.

Na verdade, mesmo que seja quase certo que meteu a sua mão na tarefa, deve ter trabalhado a partir de um texto prévio redigido pelo patriarca de Jerusalém, Estêvão de La Ferté. O que é certo é que tornou mais fácil a sua aprovação e, nesse sentido pelo menos, os Templários deveram-lhe a sua regra. Assim, Bernardo enviou uma carta a Thibaut de Champagne, dizendo-lhe: Dignai mostrar-vos cheio de solicitude e de submissão pelo legado, em reconhecimento por ter escolhido a vossa cidade de Troyes para a realização de um grande concílio, e dignai-vos dar o vosso apoio e a vossa assistência às medidas e resoluções que este julgar convenientes no interesse do bem.

O pedido não está isento de uma certa firmeza. No entanto, por detrás de um São Bernardo aparentemente na primeira linha, esconde-se talvez uma outra personagem cuja importância, nos bastidores do Templo, nos parece considerável.

Imagem: http://images.portoeditora.pt/

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