quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A revolta dos escravos. Os maus-tratos que se seguiam estimulavam juras de contra-ataque.




Ingleses, espanhóis, portugueses e franceses seqüestravam africanos aos milhões. Apesar de o poder estar com a nobreza, a burguesia francesa se transformou na maior força econômica da nação, cujas riquezas eram a produção colonial e o tráfico negreiro.

por Aloisio Milani
© AKG IMAGES/LATINSTOCK

Em São Domingos, entre 1764 e 1771, importava-se uma média anual de 10 mil escravos. De 1787 em diante, eram mais de 40 mil por ano. Os africanos que chegavam escravizados eram sobreviventes: os negros enfrentavam uma viagem transatlântica pela Rota do Meio como cargas selvagens de um traficante.

Não raro, quase um quarto dos escravos transportados morria dentro dos navios pelas péssimas condições de alimentação e higiene. Quando chegavam aos portos, eram examinados, comprados e queimados com ferro em brasa em cada lado do peito para identificar seu dono. Os maus-tratos que se seguiam estimulavam juras de contra-ataque. Algumas delas eram proferidas nos rituais noturnos de vodu, sincretismo dos rituais africanos com o catolicismo.

OS INIMIGOS BRANCOS Em creoule, dançavam e gritavam canções ameaçadoras, registra o escritor Cyril Lionel Robert James. “Ê! Ê! Bomba! Heu! Heu! Canga, bafio té! Canga, mauné de lé! Canga, do ki la! Canga, li!” A tradução seria algo como: “Juramos destruir os brancos e tudo o que possuem; que morramos se falharmos nesta promessa”. Tal qual o Brasil pré-abolicionista, também havia quilombos organizados nas montanhas haitianas para montar uma resistência contra a escravidão.

O mais temido foi o líder Mackland. Negro da Guiné, ele era um visionário, grande orador e se dizia imortal com os poderes do vodu. Tinha seguidores aos montes. Em 1758 planejou envenenar a água das casas dos brancos para libertar os escravos. Foi traído, capturado e queimado vivo. Essa história, que mais parece invenção, virou até mote para livro do realismo fantástico latino-americano – O reino deste mundo, do cubano Alejo Carpentier.

Mas o rancor dos maus-tratos não foi a única razão para a eclosão das revoltas de 1791. Os ecos dos ideais iluministas da Revolução Francesa de 1789 reboaram na colônia.

Sob o lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, o marco histórico europeu derrubou valores do absolutismo e acendeu idéias burguesas. A abolição dos escravos era defendida, apesar de ser o sustentáculo da burguesia marítima. A Inglaterra, que havia perdido sua colônia na América do Norte com ajuda dos pensamentos iluministas franceses, passava a fazer propaganda contra a escravidão.

Após a convocação dos Estados-gerais na França – representações da nobreza, burguesia e clero –, alguns proprietários de terra em São Domingos apressaram-se em formar um comitê para defender seus interesses. Um grupo de mulatos também enviou uma delegação. Formou-se uma representação colonial, um fato inédito. Logo os colonistas queriam mais espaço na política às vésperas da revolução. Conseqüentemente, foi questionada sobre a contradição da exigência de um número maior de cadeiras para os proprietários de São Domingos com a manutenção da escravidão. Afinal, o lema não era igualdade?

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