Exaltações de pacotilha Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Quando não há carismáticos e o presente não os produz, recorre-se a heróis do passado… A ofensiva actual assemelha-se a uma tentativa ridícula de beatificação…
Beira (Canalmoz) – Ainda que pelo vento que sopra das ruas a Frelimo nunca tenha estado tão próxima de ser varrida para a oposição, no partido governamental parece que se continua a crer que os entendimentos internos são a sua hipotética salvação.
O desespero é enorme. Percebe-se das últimas atitudes da sua liderança. A Frelimo não cede. Anda cega. Não vê que a via mais consentânea e rápida para fortalecer a Unidade Nacional seria mudar de atitude, mas não consegue mudar. Então desatam a colocar recursos e meios a exaltar a memória e obra de Samora Machel. Têm isso como a única alternativa viável para a sua manutenção no poder. Andam tão cegos que não percebem que todo o Povo já viu que se Samora fosse vivo, ao se teria tornado um incoerente, ou todos os “camaradas” já teriam voado dos poleiros de onde continuam a tratar o Povo pior do que alguma vez o colonialismo foi capaz.
Uma incursão no assunto do carisma e alternativas que alguns partidos possuem em termos de candidatos, mostra que de facto, se não houver um regresso de Joaquim Chissano, esgotada que está uma alteração constitucional que leve Armando Emílio Guebuza a concorrer à sua própria reeleição, a Frelimo está aparentemente arrumada.
O Partido Frelimo está desesperado e o Povo tem uma soberana oportunidade de passar finalmente ao comando das operações, através do seu voto, se meios menos adequados não se vierem a provar necessários para se acabar com a vilanagem.
O Partido Frelimo está a braços com um problema real. Não tem candidato limpo. Todos estão chamuscados. Politicamente sujos.
As candidaturas com que se pode querer avançar não têm curriculum convincente, não possuem maturidade, não têm substância, falta-lhes carisma e capacidade de assegurar a vitória. Dos que até aqui se tem ouvido falar como prováveis alternativas da Frelimo, não há um sem história que se assemelhe ao tigre de papel que foi amachucado facilmente na Beira, nas últimas autárquicas. Se ao nível local, nas eleições municipais, por exemplo os candidatos propostos pela Frelimo para as eleições intercalares de 07 de Dezembro próximo se apresentam à primeira vista como fracos ou sem grande poder de mobilização do eleitorado a seu favor, ao nível nacional, para eleições presidenciais, o problema não difere. É aliás ainda mais grave.
A exaltação de Samora, conhecidas que são as divergências reais que existiam entre Machel e Guebuza, parece uma estratégia usada para aproveitar o eventual peso político da memória colectiva em relação a essa personalidade que foi Samora e utilizá-lo como “embalagem” para ornamentar as aspirações que na altura em que toda esta farsa cínica começou Guebuza ainda alimentava. E se é agora “arma” que ainda se imagine útil ao futuro candidato à Presidência da República pela Frelimo então ainda será pior a “castanha que o sorvete” – passe o humor…
No ainda maior partido da oposição parlamentar – Renamo – as coisas estão mais ou menos claras. Com a clivagem e desvinculação de membros que poderiam reunir características para substituir Afonso Dlakama como candidato, fica aberto o caminho para este continuar o eterno candidato pois na verdade ninguém mais possui exposição e carisma para arrastar votantes.
A tentativa de por exemplo colocar Manuel Pereira como candidato na Beira durante as últimas eleições autárquicas revelou-se um fracasso total do qual este candidato jamais recuperará. Levou a maior lição da sua vida, ele e os que acreditavam que figuras como ele seriam alguma vez capazes de apagar adversários com uma história familiar de grande significado político e de grande capacidade realizadora no presente.
Nos partidos extremamente centralizados existe um deficit de diálogo e de emergência de alternativas viáveis porque o ambiente não permite que surjam vozes pensantes e protagonistas.
Se a dita “experiência” e “maturidade” da Frelimo, o seu capital histórico e o facto de controlar o governo podem ser utilizados para engendrar situações que levem a que se mantenha no poder, isso também comporta seus riscos. Um dos riscos é exactamente a possibilidade de seus estrategas estarem-se agarrando em demasia a uma figura que embora apresente algum consenso não é de maneira nenhuma o “santo” que querem oferecer aos moçambicanos.
A pirataria de cassetes de vídeo e áudio, a venda em todos os cantos do país de vídeos de Samora é uma manobra de marketing e de propaganda política que se algum resultado está a dar é precisamente pôr ainda mais em evidência quão hipócritas são os que foram à tumba buscar Samora para tentarem salvar a sua pele chamuscada.
O bombardeamento televisivo nos canais público e privados com todas as marcas do regime bem vincadas; a campanha montada em que figuras de proa do partido Frelimo aparecem disseminando os feitos de Samora Machel mostra bem o que falta de argumentos a quem quer governar Moçambique – entenda-se continuar no poder no futuro próximo. Estão pendurados ao passado como primatas que saltaram de uma árvore para outra sem terem calculado bem a distância. Estão claramente atrapalhados a quererem misturar óleo com água quando sabem que os pobres que ainda se reviam na Frelimo já não se revêem mais nela por se ter tornado um partido de lambões que só se interessam pelos cidadãos quando se trata de usar o seu voto para se perpetuarem no Poder.
A postura da Frelimo é enganadora. Conseguiu enganar os moçambicanos até agora, mas daqui em diante já todos perceberam que só andam a vender “banha de cobra”.
É verdade que o discurso do primeiro presidente de Moçambique era declaradamente contra a corrupção galopante que teve o seu início sob presidência de Joaquim Chissano e continuidade e maturidade sob vigência da presidência de Armando Guebuza que cometeu o pior dos erros: usou o cargo para se tornar dono de tudo e de todos. Tornou-se um caso a resolver dentro da própria Frelimo.
O clientelismo, o nepotismo, o afastamento da liderança das bases, as falcatruas institucionalizadas, o jogo de “uma mão lava a outra e as duas lavam a cara”, encarregaram-se de minar e corroer o tecido social, promover a impunidade em larga escala e a todos os níveis.
Quando se espera que a liderança político-governamental se afaste de figuras chamuscadas pela corrupção e pelo roubo aberto dos recursos públicos, os prevaricadores continuaram a passear a sua “classe” pelos corredores do poder e a exibirem os seus fatos de marca nos banquetes de Estado. Conteúdo: ZERO. Melhoria de vida para o Povo: o índice de desenvolvimento humano do PNUD não podia ser mais explícito. Governados pela Frelimo tornámo-nos o 4.0 País mais pobre do Mundo. Que vergonha!....
Se “o exemplo vale mais do que mil palavras” e Samora era um dos que ensinava isso, os que o elogiam hoje estão mentindo. Esquecem-se que já todos perceberam que se Samora fosse vivo e a política de fuzilamentos e campos de reeducação continuasse, todos os que estão hoje no Poder ou já estavam na cripta ou à mercê de qualquer leão nas florestas do Niassa.
Não faz sentido que Mulembwé, ex-procurador geral da República, sem obra feita enquanto ocupava aquele cargo, venha hoje nos contar histórias como se não soubéssemos que com Samora vivo ele seria severamente punido por não ter abandonado a tempo e horas a casa que utilizava como presidente do Parlamento. O saque documentado de fundos para custear mobiliário não passaria invisível. Os dentes de elefante não continuariam em parte incerta. Mulembwé já teria voltado à sua terra natal ou com um casaco de madeira ou para ganhar calos nas mãos num tal campo de reeducação. Não haja dúvidas que seria isso que Samora lhe teria reservado.
E era Mulembwé o tal que se mostrava firme no combate contra a corrupção mas que depois cedeu a tudo ao ser promovido para novos cargos. Até ficou com o timbre de voz ainda mais fino…. Hoje ele ocupa uma posição na Comissão Política da Frelimo mais por força da distribuição étnico-tribal de cargos do que por mérito próprio. Aparece hoje vendendo “peixe podre” a partir do “pântano dos enganos e das bocas”. Fala de Samora Machel como se nós não soubéssemos do pontapé que Samora lhe teria dado se fosse vivo e continuasse coerente.
A eloquência de Mulembwé já não engana ninguém. A sua eloquência não substitui a virtude, a honestidade, a verticalidade.
Sem puritanismos falsos só deveria estar falando hoje quem ainda possui autoridade política e moral para fazê-lo…
Compreendemos que processos políticos são algo complexo que nem sempre o que se diz se pode fazer, em virtude de uma associação de factores que nem sempre são favoráveis. O empoderamento económico negro, praticado por Chissano e prosseguido por Guebuza, deve ser visto à luz da realidade actual. Corrigir desequilíbrios históricos tornou-se uma necessidade e também um cavalo de batalha. Se antes Chissano facilitava a aquisição de empresas nacionalizadas a pessoas da cúpula da Frelimo e do Governo, e à luz das recomendações do FMI/BM promovia joint-ventures lucrativas, em que os parceiros moçambicanos se limitavam a dar o seu nome e assinatura, esse processo ou estratégia, foi aprimorado na III República já com Armando Emílio Guebuza.
Hoje está como que definido que a palavra de ordem é recuperar o tempo perdido pelos que fazem parte da corte de AEG. Impedir que floresçam as actividades empresariais dos membros da anterior corte de Chissano faz parte desta estratégia e nisso já apareceram algumas vítimas. Nem é preciso consultar o Wikileaks para ver que é verdade.
Nada do que acontece nos dias de hoje deixaria Samora descansar. Estou em crer que ele teria uma postura próxima de seus mentores e uma vontade firme de combater excessos, nepotismo, corrupção. Que ele continuaria a defender e a proteger o seu poder por todos os meios ao seu alcance também não tenho dúvidas. Mas julgo que teríamos nele uma figura e pessoas com comportamento similar ao de Fidel Castro.
Promiscuidade e prostituição política, uma governação que se baseia na oferta de cargos governativos e nas empresas públicas de forma dúbia, que favorece um falso equilíbrio étnico, não são a solução para resolver os problemas de Moçambique.
A heroicidade pode ser colocada na agenda do dia mas isso não pode constituir mais uma forma de demagogicamente ludibriar os outros moçambicanos. Ninguém está interessado em questionar o que foi Samora Machel mas, por favor, poupem-se os escassos recursos públicos para aquilo que o exaltado se dedicaria a fazer de bem ao Povo em vez de com eles tentarem adormecer o Povo.
A dignidade e a honra de uma pessoa pode ser alvo de um qualquer manipulador, mas todos que isso tentaram acabaram mais cedo do que imaginavam. O último foi Kadhafi.
Se era fácil num ambiente monolítico como o de ontem, hoje os moçambicanos aprenderam a questionar e a raciocinar e se parecem enganados é apenas porque são bons em teatro.
Marchas pela Paz organizadas por quem tem três refeições-dia, quintas de lazer e 4x4 à conta do Estado, contas bancárias recheadas, não adormecem o Povo que já está de olhos bem abertos e já percebeu bem o filme.
Nem as ofensivas de uma comunicação social afecta ao regime do dia conseguirão contrapor-se aos ventos da mudança. O vento vai soprar do norte com muita força, mas seguramente que não fará os fantoches subirem. Os sentimentos prevalecentes não propiciam a continuidade dos figurões que têm vindo a encher-se e a engordar enganando o Povo.
Nem os escribas mercenários, nacionais e estrangeiros, nem toda a máquina instalada conseguirão continuar a atrasar o que os moçambicanos anseiam. O Povo já abriu os olhos. O Povo já percebeu que se aldrabarem mais eleições a solução terá de ser outra… (Noé Nhantumbo)
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