quarta-feira, 6 de junho de 2012

Um pais só pode avançar com uma intelectualidade comprometida. Canal de Opinião por Noé Nhantumbo

  
Capitalismo sem propriedade privada da terra é uma incongruência. A alegada protecção do agricultor moçambicano face ao perigo que existiria de venda da terra se esta fosse privada, é uma história mal contada.

Beira (Canalmoz) – As perguntas e os questionamentos avolumam-se em torno das razões por detrás dos baixos ritmos de desenvolvimento registados no país. Há casos que chegam a constituir uma autêntica vergonha se tomarmos em conta os recursos naturais existentes.
Já não se consegue esconder que as causas do actual estado de coisas estão intimamente relacionadas com quem detém as rédeas da governação no país.
Há problemas orçamentais devidos a erros graves de definição de prioridades. É preciso saber diferenciar entre aquilo que é essencial e aquilo que é marginal. Entre um carro todo-o-terreno e um tractor agrícola. Entre pesticidas topo de gama que vão garantir uma colheita e aparelhos de ar-condicionado e mobiliário de escritório importado da Malásia para equipar gabinetes ministeriais ou da Direcção Provincial de Agricultura algures neste extenso país.
Já nem há sinais dos PROAGRI’S ‘e porque aquela capacitação institucional que se advogava não surtiu efeitos.
Luxo e fausto difere de produção e criação de condição para a optimização dos sistemas de produção.
Tome-se o exemplo da agricultura e nesta dediquemos algum tempo a olhar para os rendimentos obtidos na cultura de Algodão em Moçambique. Mil quilogramas por hectare são um rendimento longe da maioria dos agricultores do sector familiar. Na ausência de plantações comerciais, são os agricultores de pequena escala que constituem o grosso dos produtores. As “famosas empresas concessionárias são mais esquemas de intervenção que se dedicam a exploração de uma vertente do negócio através do aproveitamento da política de fixação do preço e de acções de fomento com mérito muito relativo. Muitos dos concessionários não passam de uma substituição de esquemas que no passado eram denominados de “cultura forçada”. Alguns “empreendedores” ganham muito dinheiro por via de créditos bancários que são aplicados no aprovisionamento de insumos distribuídos aos agricultores do sistema familiar.
Ao invés dos concessionários se dedicarem ao cultivo do algodão estabelecem engenharias financeiras que lhes garantem lucros garantidos agraves da utilização de políticas de preços do algodão-caroço e insumos que os colocam fora de qualquer risco. Quando as contas saem erradas e os prejuízos se anunciam os concessionários simplesmente desaparecem. Facilidades de acesso a terra e infra-estruturas tornaram-se factores de atracção de investidores associados a figuras da nomenclatura num processo muito pouco transparente.
O atraso em tecnologias básicas no domínio agrário é tal que os rendimentos nacionais são escandalosamente mais baixos que na maioria dos países que se dedicam ao cultivo do algodão.
Uma tentativa de estabelecimento de “parques de tecnologia” ou “centros de transferência de tecnologia” com países como a China e a Índia embora importante ainda está muito longe de se traduzir em benefícios económicos que advenham de aumentos de produção e produtividade à escala nacional.
Há perguntas legítimas que se podem fazer sobre a actuação governamental. Será que não há conhecimento de experiências tecnológicas produtoras de altos rendimentos em culturas agrícolas? Não há possibilidade de estabelecer relações de cooperação direccionada ao sector agrário de tal modo que os produtores nacionais se beneficiem rapidamente? Que está o governo fazendo no sentido de fomentar culturas que tragam ganhos para o país? Tomate, batata, trigo, cevada, arroz, milho, cebola, alho são cultivados no país e seus rendimentos poderiam ser outros e não insignificantes como agora acontece. Fórmulas pouco onerosas e já provadas em outros países poderiam ser importadas e disseminadas. Os resultados não tardariam a aparecer.
Mas a burocracia ministerial trava iniciativas e impede que os moçambicanos se empoderem. Fala-se da terra ser do Estado mas o acesso a ela em termos comerciais é uma das maiores dificuldades.
Muita terra em pousio, altos custos de energia, baixa produtividade, técnicas anacrónicas e obsoletas combinam-se para colocar o país na cauda do desenvolvimento.
Dos milhões de hectares de terra arável e fértil que estão em uso a sua larga maioria é utilizada através de técnicas que já há décadas não são utilizadas em outros quadrantes mundiais.
Aquilo que era o espólio da agricultura convencional em 1945-1970 continua a ser aquilo que guia a agricultura em Moçambique.
Tanto os agricultores comerciais como o sistema de ensino de ciências agrárias continuam a levar a cabo as suas actividades com base naquilo que se fazia e se ensinava antes da independência nacional.
A sensibilidade de adopção de modelos de produção mais avançados e produtivos, o cometimento de todo um governo numa autêntica “revolução verde” ainda tardam a acontecer por vários factores. Por um lado temos altos funcionários governamentais prontos a proclamações politicamente correctas e mobilizadoras, mas essas mesmas pessoas, não possuem a bagagem teórica nem prática para intervirem de maneira consentânea com a realidade moçambicana. Fala-se de “revolução verde” mas não se tem um conhecimento sólido sobre o que isso seja.
Existem acordos de cooperação bilateral e multilateral que poderiam ser interessantes, de onde podem sair soluções produtivas e inovadoras para a agricultura no país, mas tais acordos são estabelecidos com intenções diferentes, seus signatários podem declarar que querem fazer avançar as actividades agrárias nacionais mas na verdade perseguem outros objectivos.
A FAO, Organização das Nações Unidas para a Agricultura tornou-se num fóssil burocrático, dispendioso e de impactos reduzido. Sua acção no terreno não se faz sentir. As trocas de tecnologia que deveria estar assegurando não são visíveis. Parece que há um complô para tornar a escassez de mercadorias agrícolas crónica em países como Moçambique. De outro modo não se compreende como havendo tecnologia disponível ao nível de alguns países do mundo não se procede a sua importação.
Chegou-se a conclusão de que as escolas a todos os níveis deveriam estar ensinando conteúdos actualizados e tecnologicamente avançados. Porque não recrutar os professores e modelos de disseminação tecnológica apropriados? Da mesma maneira como o governo negoceia a explorarão dos recursos minerais porque não adoptar modelos de posse e titularidade da terra arável que promovam a agricultura comercial no país? Uma cooperação renovada e consequente pode trazer agricultores estrangeiros para Moçambique sem que haja uma intervenção tão pesada do governo.
Já é altura de compreender que um dos empecilhos no desenvolvimento de uma agricultura forte e moderna se encontra na posição que sucessivos governos tomam. Pretendem ser sujeitos de acções que não lhes dizem respeito. Face a uma Lei de Terras que é factualmente um constrangimento não se vê o governo avançando na sua análise e estudo. Há um travão político encabeçado pelo partido que tem estado no poder (Frelimo) que impede que a Lei de Terras seja tratada conforme o modelo político-económico adoptado. Capitalismo sem propriedade privada da terra é uma incongruência. A alegada protecção do agricultor moçambicano face ao perigo que existiria de venda da terra se esta fosse privada é uma história mal contada. De facto quem detém a prerrogativa de autorizar o uso e aproveitamento da terra está negociando a título privado com ela. Do mesmo modo que é sabido que a terra urbana para fins de construção civil, habitacional, hoteleiro, industrial e outros tornou-se num negócio altamente rentável é de crer e existem evidências de que é o caso para a terra agrícola.
Os casos de concessão de milhares de hectares para corporações nórdicas, portuguesas, britânicas onde são estabelecidas plantações de eucaliptos, pinheiros, bananas, coqueiros, produtos alimentares diversos, fazem parte de esquemas não só pouco transparentes mas que desembocam em promoção de corrupção e impactos negativos para o país. Pouco se fala disto mas alguém deve estar tirando dividendos de posições ocupadas na esfera governativa que lida com a emissão de direitos de uso e aproveitamento da terra.
Um país não pode ser sede contínua de falhanços e de miséria crónica havendo toda uma gama de recursos para isso não ser a característica predominante.
Uma intelectualidade comprometida com o país e seu povo pode produzir soluções visíveis e abrangentes. Não há razão para as queixas habituais sobre escassez de recursos financeiros e outros. A comida que faz falta nos pratos da maioria dos moçambicanos já deveria estar sendo produzida se os governantes nacionais tivessem aquela postura e atitude que se exige.
A mão firme do governo na realização dos planos e programas deve partir do topo e fazer-se sentir em toda a linha da cadeira governativa. Não se pode governar um país com base em compadrios e supostas teses de confiança política como tem sido prática. Os prejuízos que advêm de posições dúbias, de práticas corruptoras, de vazios de autoridade e de concepção desfasada da realidade nos diversos domínios da economia nacional são pesados para os moçambicanos.
O PR não pode estar o tempo todo a experimentar ministros e governadores mas está visto que algumas das suas escolhas são contraproducentes na medida em que tais escolhas enterram-se na exploração de seus cargos para enriquecimento privado, muitas vezes ilícito.
Nos partidos e na sociedade em geral já despontaram muitos quadros que podem executar com sucesso as mais diferentes tarefas no fórum governamental. Uma dose de clarividência é chamada e requerida para inverter o quadro ilógico que caracteriza a esfera económica nacional.
Basta de lamentações e de continuarmos a depender de importações insultuosas de tomate e batata sul-africana… (Noé Nhantumbo)

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