Capitalismo sem propriedade privada da terra é uma
incongruência. A alegada protecção do agricultor moçambicano face ao perigo que
existiria de venda da terra se esta fosse privada, é uma história mal contada.
Beira (Canalmoz) – As perguntas e os
questionamentos avolumam-se em torno das razões por detrás dos baixos ritmos de
desenvolvimento registados no país. Há casos que chegam a constituir uma
autêntica vergonha se tomarmos em conta os recursos naturais existentes.
Já não se consegue esconder que as causas do actual
estado de coisas estão intimamente relacionadas com quem detém as rédeas da
governação no país.
Há problemas orçamentais devidos a erros graves de
definição de prioridades. É preciso saber diferenciar entre aquilo que é
essencial e aquilo que é marginal. Entre um carro todo-o-terreno e um tractor
agrícola. Entre pesticidas topo de gama que vão garantir uma colheita e
aparelhos de ar-condicionado e mobiliário de escritório importado da Malásia
para equipar gabinetes ministeriais ou da Direcção Provincial de Agricultura
algures neste extenso país.
Já nem há sinais dos PROAGRI’S ‘e porque aquela
capacitação institucional que se advogava não surtiu efeitos.
Luxo e fausto difere de produção e criação de
condição para a optimização dos sistemas de produção.
Tome-se o exemplo da agricultura e nesta dediquemos
algum tempo a olhar para os rendimentos obtidos na cultura de Algodão em
Moçambique. Mil quilogramas por hectare são um rendimento longe da maioria dos
agricultores do sector familiar. Na ausência de plantações comerciais, são os
agricultores de pequena escala que constituem o grosso dos produtores. As
“famosas empresas concessionárias são mais esquemas de intervenção que se
dedicam a exploração de uma vertente do negócio através do aproveitamento da
política de fixação do preço e de acções de fomento com mérito muito relativo.
Muitos dos concessionários não passam de uma substituição de esquemas que no
passado eram denominados de “cultura forçada”. Alguns “empreendedores” ganham
muito dinheiro por via de créditos bancários que são aplicados no
aprovisionamento de insumos distribuídos aos agricultores do sistema familiar.
Ao invés dos concessionários se dedicarem ao
cultivo do algodão estabelecem engenharias financeiras que lhes garantem lucros
garantidos agraves da utilização de políticas de preços do algodão-caroço e
insumos que os colocam fora de qualquer risco. Quando as contas saem erradas e
os prejuízos se anunciam os concessionários simplesmente desaparecem.
Facilidades de acesso a terra e infra-estruturas tornaram-se factores de
atracção de investidores associados a figuras da nomenclatura num processo
muito pouco transparente.
O atraso em tecnologias básicas no domínio agrário
é tal que os rendimentos nacionais são escandalosamente mais baixos que na
maioria dos países que se dedicam ao cultivo do algodão.
Uma tentativa de estabelecimento de “parques de
tecnologia” ou “centros de transferência de tecnologia” com países como a China
e a Índia embora importante ainda está muito longe de se traduzir em benefícios
económicos que advenham de aumentos de produção e produtividade à escala
nacional.
Há perguntas legítimas que se podem fazer sobre a
actuação governamental. Será que não há conhecimento de experiências
tecnológicas produtoras de altos rendimentos em culturas agrícolas? Não há
possibilidade de estabelecer relações de cooperação direccionada ao sector
agrário de tal modo que os produtores nacionais se beneficiem rapidamente? Que
está o governo fazendo no sentido de fomentar culturas que tragam ganhos para o
país? Tomate, batata, trigo, cevada, arroz, milho, cebola, alho são cultivados
no país e seus rendimentos poderiam ser outros e não insignificantes como agora
acontece. Fórmulas pouco onerosas e já provadas em outros países poderiam ser
importadas e disseminadas. Os resultados não tardariam a aparecer.
Mas a burocracia ministerial trava iniciativas e
impede que os moçambicanos se empoderem. Fala-se da terra ser do Estado mas o
acesso a ela em termos comerciais é uma das maiores dificuldades.
Muita terra em pousio, altos custos de energia,
baixa produtividade, técnicas anacrónicas e obsoletas combinam-se para colocar
o país na cauda do desenvolvimento.
Dos milhões de hectares de terra arável e fértil
que estão em uso a sua larga maioria é utilizada através de técnicas que já há
décadas não são utilizadas em outros quadrantes mundiais.
Aquilo que era o espólio da agricultura
convencional em 1945-1970 continua a ser aquilo que guia a agricultura em
Moçambique.
Tanto os agricultores comerciais como o sistema de
ensino de ciências agrárias continuam a levar a cabo as suas actividades com
base naquilo que se fazia e se ensinava antes da independência nacional.
A sensibilidade de adopção de modelos de produção
mais avançados e produtivos, o cometimento de todo um governo numa autêntica
“revolução verde” ainda tardam a acontecer por vários factores. Por um lado
temos altos funcionários governamentais prontos a proclamações politicamente
correctas e mobilizadoras, mas essas mesmas pessoas, não possuem a bagagem
teórica nem prática para intervirem de maneira consentânea com a realidade
moçambicana. Fala-se de “revolução verde” mas não se tem um conhecimento sólido
sobre o que isso seja.
Existem acordos de cooperação bilateral e
multilateral que poderiam ser interessantes, de onde podem sair soluções
produtivas e inovadoras para a agricultura no país, mas tais acordos são
estabelecidos com intenções diferentes, seus signatários podem declarar que
querem fazer avançar as actividades agrárias nacionais mas na verdade perseguem
outros objectivos.
A FAO, Organização das Nações Unidas para a
Agricultura tornou-se num fóssil burocrático, dispendioso e de impactos reduzido.
Sua acção no terreno não se faz sentir. As trocas de tecnologia que deveria
estar assegurando não são visíveis. Parece que há um complô para tornar a
escassez de mercadorias agrícolas crónica em países como Moçambique. De outro
modo não se compreende como havendo tecnologia disponível ao nível de alguns
países do mundo não se procede a sua importação.
Chegou-se a conclusão de que as escolas a todos os
níveis deveriam estar ensinando conteúdos actualizados e tecnologicamente
avançados. Porque não recrutar os professores e modelos de disseminação
tecnológica apropriados? Da mesma maneira como o governo negoceia a explorarão
dos recursos minerais porque não adoptar modelos de posse e titularidade da
terra arável que promovam a agricultura comercial no país? Uma cooperação
renovada e consequente pode trazer agricultores estrangeiros para Moçambique
sem que haja uma intervenção tão pesada do governo.
Já é altura de compreender que um dos empecilhos no
desenvolvimento de uma agricultura forte e moderna se encontra na posição que
sucessivos governos tomam. Pretendem ser sujeitos de acções que não lhes dizem
respeito. Face a uma Lei de Terras que é factualmente um constrangimento não se
vê o governo avançando na sua análise e estudo. Há um travão político encabeçado
pelo partido que tem estado no poder (Frelimo) que impede que a Lei de Terras
seja tratada conforme o modelo político-económico adoptado. Capitalismo sem
propriedade privada da terra é uma incongruência. A alegada protecção do
agricultor moçambicano face ao perigo que existiria de venda da terra se esta
fosse privada é uma história mal contada. De facto quem detém a prerrogativa de
autorizar o uso e aproveitamento da terra está negociando a título privado com
ela. Do mesmo modo que é sabido que a terra urbana para fins de construção
civil, habitacional, hoteleiro, industrial e outros tornou-se num negócio
altamente rentável é de crer e existem evidências de que é o caso para a terra
agrícola.
Os casos de concessão de milhares de hectares para
corporações nórdicas, portuguesas, britânicas onde são estabelecidas plantações
de eucaliptos, pinheiros, bananas, coqueiros, produtos alimentares diversos,
fazem parte de esquemas não só pouco transparentes mas que desembocam em
promoção de corrupção e impactos negativos para o país. Pouco se fala disto mas
alguém deve estar tirando dividendos de posições ocupadas na esfera governativa
que lida com a emissão de direitos de uso e aproveitamento da terra.
Um país não pode ser sede contínua de falhanços e
de miséria crónica havendo toda uma gama de recursos para isso não ser a
característica predominante.
Uma intelectualidade comprometida com o país e seu
povo pode produzir soluções visíveis e abrangentes. Não há razão para as
queixas habituais sobre escassez de recursos financeiros e outros. A comida que
faz falta nos pratos da maioria dos moçambicanos já deveria estar sendo
produzida se os governantes nacionais tivessem aquela postura e atitude que se
exige.
A mão firme do governo na realização dos planos e
programas deve partir do topo e fazer-se sentir em toda a linha da cadeira
governativa. Não se pode governar um país com base em compadrios e supostas
teses de confiança política como tem sido prática. Os prejuízos que advêm de
posições dúbias, de práticas corruptoras, de vazios de autoridade e de
concepção desfasada da realidade nos diversos domínios da economia nacional são
pesados para os moçambicanos.
O PR não pode estar o tempo todo a experimentar
ministros e governadores mas está visto que algumas das suas escolhas são
contraproducentes na medida em que tais escolhas enterram-se na exploração de
seus cargos para enriquecimento privado, muitas vezes ilícito.
Nos partidos e na sociedade em geral já despontaram
muitos quadros que podem executar com sucesso as mais diferentes tarefas no
fórum governamental. Uma dose de clarividência é chamada e requerida para
inverter o quadro ilógico que caracteriza a esfera económica nacional.
Basta de lamentações e de continuarmos a depender
de importações insultuosas de tomate e batata sul-africana… (Noé Nhantumbo)
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