domingo, 31 de julho de 2011

O Livro de Job das Demolições


Conheci o Job nos terrenos e nas casas dele. Parecia-me homem sincero, recto e temente ao seu MPLA. Tinha fama de muito bondoso e afastava-se dos especuladores imobiliários e das suas negociatas. Proliferou sete filhos e três filhas, muitas lavras e muita gente condizente para o servir.

Costumavam radiodifundir que era o mais rico do reino. Os seus filhos ultrapassavam o tempo em grandes festas. Convidavam as suas irmãs a comerem e a beberem com eles. Job escolhia algumas cabeças de gado e enviava-as para o seu MPLA, como prova de gratidão, vassalagem.

Um dia o MPLA visitou-o para lhe agradecer as ofertas. Num repente aparece o General do Jardim Éden. O MPLA pergunta-lhe:
- Donde vem?
O General Jardim Éden respondeu.
- Ando a vigiar estas terras.
Disse o MPLA ao General Jardim Éden.
- Já viu o meu vassalo Job? Não há ninguém no reino que se lhe compare. Muito honesto, justo, mais que vertical e detesta os especuladores imobiliários.
Respondeu o General Jardim Éden ao MPLA.
- Hum! Acho que ele não faz isso em vão. O meu MPLA concede-lhe muito apoio. É um dos poucos vassalos protegidos. O seu gado, as suas casas e as suas terras não param de aumentar graças ao MPLA. Ele que fique na miséria, que passe fome, vai odiar o MPLA e demais camarilha.
Disse o MPLA ao General Jardim Éden.
- Parece-me que você anda com o olho nestas terras. Sei que alguns já espoliaram algumas… chegam, instalam-se… já está tudo feito.
O General Jardim Éden fez a saudação militar e saiu da presença do MPLA.

Um dia, a filharada de Job estava numa festa na casa do filho mais velho. Depois chegou um mensageiro e disse a Job:
- Os bois lavravam, as tropas do General Jardim Éden chegaram e levaram-nos. Disseram que estavam com fome. Feriram os empregados. Só eu escapei.

Chegou outro mensageiro que disse:
- Incendiaram, arrasaram tudo, nem as crianças escaparam. Os empregados morreram queimados. Só eu escapei.
Ainda outro mensageiro apareceu e disse:
- Eram pelo menos trezentos pelotões armados como na invasão do Iraque. Roubaram, reduziram tudo a pó… incluindo móveis e utensílios. Só eu escapei.

Mais um mensageiro chegou e disse:
- Estava a tua filharada numa festa em casa do filho mais velho. Como agora tudo acontece, o governo é o principal criminoso, os demolidores e espoliadores atacam às três, quatro da manhã… pareciam, vieram como um tufão que arrastou as casas e todos os que lá estavam. Ninguém ficou vivo. Só eu escapei para te contar o que se passou.

Job levantou-se muito chateado, rasgou a sua manta, atirou-se para o chão e clamou:
- O meu destino é igual ao dos outros espoliados. Trabalhamos nas nossas terras, edificamos as nossas casas a que o MPLA chama casebres. Chega o General Jardim Éden e rouba-nos tudo. Bendito seja o nome do MPLA!
Mesmo assim Job não se revoltou nem amaldiçoou o MPLA.
Noutro dia veio uma delegação de alto nível chefiada pelo MPLA. O General Jardim Éden estava presente. Então o MPLA disse ao General Jardim Éden:
- Onde tens andado? Porque não proteges os bens do meu vassalo Job?!
O General Jardim Éden respondeu:
- Estou sempre vigilante, está tudo sob controlo e não notei nada de anormal.
Disse o MPLA ao General jardim Éden:
- O vassalo Job merece a minha admiração. É a única pessoa honesta que resta no reino. Tomara que houvesse mais como ele. Confesso que os corruptos ganharam o campeonato da corrupção… e apuraram-se para o campeonato mundial. Facilmente obterão a vitória final.
O General Jardim Éden respondeu ao MPLA:
- A vitória é incerta. O terror da corrupção termina em assassinatos, ajustes de contas, até à vitória final do grande terramoto político. Parece que já sabemos como isto vai acabar.
O MPLA disse ao General Jardim Éden:
- A nossa secreta informou-me que você está envolvido no roubo das terras. Tratamos disso depois. Peço-lhe que não atente contra a vida de Job.

O General Jardim Éden baldou-se. Quando viu o luxuoso avião particular do MPLA desaparecer no céu mandou alguns dos seus matadores de confiança darem uma grande sova a Job, mas de maneira que não o matassem.
O corpo de Job ficou macadamizado. Job apanhou uma folha de bananeira para limpar as feridas. Tudo à sua volta parecia uma chuva de cinzas. Sentou-se nos restos de tijolos e na madeira queimada. A sua esposa disse-lhe:
- Ainda gostas do MPLA?! Depois do que o General Jardim Éden dele te fez?! És muito parvo!
- As mulheres não entendem nada destas coisas. Apesar do General Jardim Éden me espoliar e privatizar tudo o que tinha, devo obediência e lealdade ao MPLA.
- Eu é que trabalho na terra!.. o teu fanatismo é escravidão, não é lealdade! És um grande atraso de vida! Onde estão os teus amigos do MPLA, em quem tanto confiavas?
- Hão-de vir... Hão-de vir!

E chegaram alguns amigos do MPLA que confortaram Job. Um disse-lhe que a sua conta bancária estava em baixo. Os outros tristemente confessaram que também lhes espoliaram e demoliram tudo o que tinham. Que o mal era geral... um reino de demolições. Trabalhar de verdade não era possível, porque espoliar continua fácil. Ficaram uns dias a acalentá-lo e sentaram-se nas sobras de algumas cadeiras. Depois, cansados foram-se embora. Um deles ao despedir-se reafirmou:
- O reino da fome está combalido.

Apareceram alguns grupos de espoliados, esfomeados que aproveitaram as sobras. O local ficou igual a um deserto. Job bocejou, apetecia-lhe dormir. Falou para o vento cúmplice que arrastava as cinzas:
- Tantos e tantos anos de trabalho em vão. Não dá para trabalhar nesta terra, porque depois vem um General Jardim Éden e fica com ela, privatiza-a. Finge que a trabalha à espera que surja um sócio estrangeiro. Mas eles já não acreditam nisso e a terra abandona-se. Fica para acampamento de deslocados que na verdade são refugiados, e assim sucessivamente. As trevas dominam este reino. O MPLA está sempre lá em cima sentado no seu trono. Raramente desce, sobe, ou sai. Adora rodear-se de pessoas que mais parecem lâmpadas fundidas, que dão pouca luz, ou acendem de vez em quando. A minha terra, a minha Luanda, a minha Angola, contaminam-se, nunca mais nelas nada crescerá. Resta-me olhar para as nuvens e para os restos das árvores que parecem fantasmas ao luar. Tantos anos em vão que trabalhei. Agora tudo ficou igual às noites escuras. Nunca mais perderei anos, meses e dias nestas coisas.
E Job sente-se como o programa de arranque, o sistema operativo corrompido que não inicia o computador.
- Ah! Não vou ficar aqui toda a vida a olhar para a noite. Não me espoliaram este tocador de CD portátil. Vou ouvir umas músicas e dançar uns bons bocados. Chorar não adianta. Lembro-me que os colonos quando fugiram, preveniram-me que não valia a pena trabalhar na terra, porque depois de estar tudo bem, apareceria alguém que ma roubaria. Não acreditei, agora dou-lhes razão. Fui e continuo muito parvo. Pedir um empréstimo bancário (!). Nem pensar! Só se for para importar cerveja. Os bancos não arriscam fazer empréstimos a longo prazo. Consideram que investir na agricultura não dá lucros. Porque quando chegam as chuvas as culturas destroem-se. Depois há que fazer novo empréstimo. O lucro tem que ser imediato, caso contrário… não deixam nada.

E Job, cheio de contentamento pela miséria oferecida pelo seu MPLA, ainda crê que é um dom divino do MPLA do seu sol, da sua terra, da sua miserável vida. E reza para que o seu Comandante Real tenha longa vida. Mas o seu estômago desperta e aqui vê a verdade das verdades.
- Sinto-me muito cansado e com fome. Nem sei onde dormir… não me deixaram tenda, disseram-me que depois iria algures aí para algum estendal, tendal… vou apanhar um bocado de capim e fazer um casebre. Esses do MPLA nascem e querem tudo só para eles. Nascem infectados com a doença do dinheiro. Bom, vou ver se consigo vender alguma coisa no maior mercado do continente da fome. Ou carregar sacos às costas, ou vender água fresca para viver. Arranjar uns papelões para dormir… tenho que safar-me. O MPLA disse que não me abandonaria, mas já estou farto dessa conversa. Os seus conselheiros dão-lhes maus conselhos e só aparecem onde há dinheiro à vista. Os príncipes estão muito ocupados com os seus negócios, vivem num mundo distante. O reino é deles, por isso vivem-no e repartem-no. Além disso nada mais existe. Fazem por parecer cultos, mas estão ocultos… como se não existissem. Não gostam que os perturbem, a não ser que lhes levem um bom negócio. Eles são a lei e nela repousam. Ninguém tem coragem de os abordar, pois o seu poder é imenso. É um MPLA maior que o seu reino, que muitos reinos. Aqui não há pequenos, só grandes. E quem tenta lá entrar jamais sai. É que não existe porta das traseiras. Porque têm um cemitério particular muito mal iluminado, para que não se possam ver as inscrições das lápides. As amarguras dos miseráveis nunca são escutadas, mas os latidos dos cães escutam-nos com muita atenção.

E Job lembrou-se que o mais cansativo, o que cansa na realidade mais pura é a fome e a espoliação.
- Cavar, cavar de dia e de noite à procura de diamantes que depois de encontrados ocultam-nos. As minas são propriedade real do MPLA, disso ninguém duvida. Dançam, pulam, pululam de contentes porque já não há espaço nos cofres para colocarem as riquezas. Para viver neste reino é necessário matar, vigarizar e espoliar. São estas as leis que funcionam. Quem não as cumprir não sobrevive. Só o oculto permanece e não se pode desvendar. Tudo é permitido para obter o nosso pão. Os milhões de esfomeados em vão suspiram ao governo dos desgovernados. Nada temem e nada receiam, porque os seus exércitos não dormem, estão sempre de atalaia e reforçados no Orçamento Geral do Estado. Ai dos prevaricadores! Apesar disso não dormem descansados. Vivem na perturbação constante de um levante, porque duas malditas rádios e semanários democráticos atiram tudo para fora, não deixam passar nada. Acusam-nos de democratas malvados, de maldita democracia que denuncia constantemente os corruptos. É por isso que ninguém gosta dos democratas e da democracia.
O Ordens Superiores do MPLA foi em auxílio do seu vassalo, e disse a Job:
- Não sei se aguentas o que te vou dizer, mas digo-te algumas verdades. Comeste e bebeste com muitos. Emprestastes o teu dinheiro e agora não te querem saber. Só mesmo um Job!.. edificaram empresas com o teu dinheiro… ajudaste muita gente?! Pareces o Job da Bíblia. Nunca vi nem conheci um idiota como tu. E alguns ainda aparecem e levam algumas bananas que por milagre se salvaram. Quem te mandou confiar no MPLA? Milhões confiaram nele e vê como estão. A morrerem à fome!.. o MPLA disse que tens que esperar mais trinta, cinquenta anos para saíres da miséria… e que depois de morto ressuscitará e virá salvar-nos uma vez mais do imperialismo internacional. Morto ou vivo nunca desiste da luta anti-imperialista.

Entretanto o Ordens Superiores deu parecer aos arquitectos e engenheiros portugueses, brasileiros e chineses que construíam um bruto condomínio, brutas torres e prédios nas terras que já não eram de Job. Serviriam também para alegrar, para lazer da nobreza e do MPLA. Para passarem brutos fins-de-semana na fuga da agitação da cidade, da barulheira e da anarquia dos nobres súbditos sem lei.

Perto, algumas cobras oposicionistas, descontentes, rastejavam à procura de local mais aprazível para respirar. Sentiam-se deslocadas nas suas próprias tocas. Iam bem chateadas. O Ordens Superiores continua a desvendar os males do mundo ao grande idiota Job.
- A questão fundamental da vida é a utilidade pública. A grande descoberta de todos os tempos. A maldita invenção que os homens fizeram – o dinheiro –. Porra meu! Já viste a quanto está o metro quadrado de terreno... 2.500.00 dólares! Uma colossal fortuna. Ó meu não sei se tás a ver como se ganha dinheiro sem trabalhar! Aqui não há população, o que manda é o dólar. A negralhada que se lixe… que morram prá aí! O dinheiro dá muita satisfação a quem o possui e que nunca se satisfaz, quer sempre mais e mais. Fica obcecado… como uma ideia fixa… torna-se numa doença. A pessoa deixa de ser humana, vira uma desumanidade sem limites. É o vale-tudo. Daí não desmagnetiza o seu pensamento. No fim vem a loucura, a neurose a necessitar de urgente tratamento psiquiátrico. Provoca guerras para obter mais e mais até à destruição do planeta… da humanidade. Provoca uma grave contradição: O dinheiro resolve muitos problemas, mas quanto mais abundante mais problemas trás. É isto a origem da maldade.

O Ordens Superiores vai ao Hummer acabado de importar com o dinheiro do petróleo do povo, traz a caixa térmica, abre-a. Retira uma garrafa geladíssima de Dom Perignon com cinco anos de idade. Convida Job mas este recusa com a cabeça. Satisfaz-se com uma farta golada. Reconta a exercitação de Job.
- Sabes Job… o nosso MPLA é como um universo-ilha. Os ricos são fábricas de lixo. Os seus lares produzem-no em abundância porque consomem muito. E obrigam-se a consumir o que a sua ira produz. Nem as plantas e os animais lhes escapam, porque montanhas de resíduos lhes caiem em cima todos os dias. Quando a consciência da Natureza se revolta, chamam-lhe calamidade natural... e as vítimas são imensas… os seres humanos que escapam vivem dispersos, na fuga incerta, permanente. A Natureza sussurra os seus segredos, mas já ninguém os entende ou finge não entender. Aparece-nos em visões à noite e desaba em cima de nós, precisamente quando estamos no sono mais profundo. Acordamos espantados e estremecemos perante tal poder. Os espíritos vagueiam à nossa volta, poucos povos já os entendem. O vento fala-nos, previne-nos, mas os nossos olhos já nada vêem. Está tudo corrompido, somos todos corruptos!
Perto, talvez apelando aos antepassados, cantando a sua desdita, a negra-bantu demonstra, desmonta as coxas muito salientes e os seios fartos, muito dissidentes que equidistantes bamboleiam, falantes. O Ordens Superiores regozija-se com a beleza natural, espontânea da bantu.
- Job… explicar estas coisas não é nada fácil… tornámo-nos nós o MPLA, mais puros e justos que o Criador. Já não confiamos em ninguém. Nem em nós confiamos… tornámo-nos num metal cheio de ferrugem com os alicerces a desabarem a todo o momento. Resta-nos ainda o pó para respirar. Vivemos num imenso holocausto como as nossas fogueiras da Inquisição Bantu, onde assamos vivos os corpos dos nossos, e há felicidade nisso. Vivemos os últimos dias das tormentas tecnológicas, das promessas… que finalmente o ser humano alcançaria o bem-estar e a felicidade eternos.

As desgraças atingiram tal dimensão que os meios existentes já não satisfazem a demanda. Inventámos uma sociedade onde só existe a ira e a loucura. Tentamos lançar raízes mas as águas sobem e não as deixam viver. Chegam com tal força que despedaçam tudo o que encontram pelo caminho. E não há quem nos livre. Depois vêm os famintos… o instinto de sobrevivência que os transforma em salteadores, predadores. E da terra não vem mais trabalho porque dela só resta pó.

E sem trabalho que fará o homem? Espera que a fome chame a morte. Esta vem e anuncia a agonia. E quem se salvará? É por isso que necessitamos do nosso MPLA… de alguém que nos dirija. Só ele entende os nossos anseios e faz obras para nos contentar. Se a chuva é demais a culpa não é dele. Também não é culpado pela espoliação, inundação dos campos. Quando isso acontecer procurem um lugar alto para se salvarem. Estendam as mãos e aguardem que alguma coisa virá. Porque será que os ricos são ignorantes, e os pobres sempre sábios? Porque na pobreza se aprende a viver e na riqueza se aprende a destruir. O pobre conhece as veredas da escuridão e o rico nela anda às apalpadelas, sempre com a espada preparada para matar.

O pobre vive na esperança, o rico vive no desespero. O pobre vive com medo dos castigos do nosso MPLA, e nós os ricos recebemos prémios. Não dá ir na conversa das outras ideologias políticas e nos aventureiros que são muitos. É por isso que ficamos sem nada. Talvez esses da ajuda da paz te arranjem um bocado de sabão, óleo e arroz. Como o MPLA e os seus estrangeiros estão em todo o lado, eles também podem ajudar com qualquer coisa. Seja como for nunca te desvies do MPLA. Ele está no nosso coração. Vamos prolongar a vida das pessoas até às eleições. Depois podem correr como entenderem… da fome claro!

Job, ficou horas astronómicas, canónicas, a fitar o infinito cosmogónico. Job, sentiu eclipsar-se, não conseguia explicar-se o porquê do aparecimento do MPLA. O porquê de tanta trama que tal criatura produz tanto drama. Job, ficou com a cabeça em pantanas, no Paleozóico, não conseguia discorrer o pântano do comportamento andróide. Conseguiu absorver o álefe das borrascas humanas e tocou o céu.
- Os amigos do MPLA são como as ondas do mar. Quando chegam abraçam-nos, quando vão… não voltam mais. São como corvos que aguardam pacientes… como as silenciosas pirâmides egípcias. No alto dos seus templos esperam pela colheita de quem plantou. Posso firmar que a história da humanidade e deste MPLA, é a história de quadrilhas selvagens bem organizadas.
Foto: Franci Guedes

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