Por Rafael Marques de Morais
O
Bureau Político (BP) do MPLA apreciou, a 31 de Março, o programa do seu governo
de aceleração da diversificação da economia nacional e produziu uma
recomendação especial: o governo deve formar os quadros necessários à sua
implementação. Há, no entanto, uma contradição que importa analisar.
Aceleração.
Comecemos por aqui. A 12 de Fevereiro de 2009, o presidente José Eduardo dos
Santos disse: “É necessário acelerar a diversificação económica, realizando e
promovendo investimentos noutros domínios da produção.”
Passados
quatro anos, a ideia da aceleração da política de promoção e diversificação da
economia foi integrada no Plano Nacional de Desenvolvimento de 2013 a 2017, que
se encontra já em execução desde o ano passado. Tem sido, ao que parece, uma
aceleração bastante lenta.
Como
prioridades para a diversificação da economia, o referido plano contempla a
promoção da competitividade e a coordenação entre investimentos públicos e
privados.
Para
o governo,
a viabilidade do referido programa de diversificação assenta na estruturação de
um sector privado e empresarial angolano forte. Por isso inclui no seu projecto
a “promoção do empreendedorismo e do desenvolvimento do sector privado
nacional”.
A
contradição fundamental assenta, em primeira instância, na centralização e
concentração cada vez maiores do poder. Essa centralização, conforme argumento
na minha tese sobre “A Transparência do Saque em Angola”, passou da esfera do
Estado para o domínio privado do presidente e do seu séquito preferencial. Como
consequência, produziu-se uma fusão dos interesses do Estado com os interesses
privados dos dirigentes, ao ponto de se tornarem indistintos entre si.
É
por via dessa fusão que se institucionalizou a duplicidade de funções dos
próprios dirigentes que, em simultâneo, assumem o papel de principais
empresários e investidores nacionais. Os interesses nacionais passaram a ser
governados pela agenda privada dos dirigentes/empresários.
A
separação entre os cofres do Estado e os bolsos dos dirigentes também foi
eliminada por via da unificação.
Essa
promiscuidade é avessa a qualquer tipo de competitividade. Caso paradigmático é
o sector das telecomunicações. A Movicel, que se afirmava como uma das maiores
empresas estatais, foi privatizada em 2009, a favor dos dirigentes. Hoje, a
UNITEL e a Movicel, cujos sócios são dirigentes, familiares e o próprio Estado,
formam um duopólio que lhes permite assaltar as bolsas dos cidadãos pelos
serviços deficitários de telefonia móvel que prestam a preços exorbitantes.
De
um modo geral, os cidadãos angolanos, fora da órbita do poder, não têm a
liberdade de iniciativa privada ao ponto de se constituírem numa mais-valia
para a economia nacional. A menos que sejam arregimentados, é-lhes tolhida a
criatividade, a ambição e a perspectiva de expansão de negócios.
Já
se tornou institucional, em sectores-chave da economia, como os petróleos, os
dirigentes impingirem as suas empresas de fachada, na qualidade de sócias, como
condição sine qua non para a abertura do mercado angolano a investidores
estrangeiros.
Outro
ponto interessante da nota do BP é o seu encorajamento ao executivo para
“implementar o referido programa com rigor e firmeza, de modo a diminuir a
dependência da economia nacional do sector petrolífero”.
Para
o efeito, o BP “recomendou uma atenção especial à formação de quadros para o
provimento de funcionários qualificados necessários ao programa”.
Na
sua declaração política, a bancada parlamentar do MPLA sustentou, em Novembro
passado, que a aprovação do Orçamento Geral do Estado de 2014 é a continuidade
do Plano Nacional de Desenvolvimento.
Aqui
reside a confusão. Primeiro, o chefe do governo, que apresentou o plano ao BP,
é o presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos. Quem pede rigor e firmeza a
quem? Ou é apenas uma questão de retórica? Dos Santos pede rigor e firmeza a si
próprio?
Segundo,
como se podem formar quadros em tempo útil para serem engajados num programa
acelerado de diversificação da economia? Os quadros a que o MPLA se refere, em
princípio, devem ser de formação superior. Um curso universitário tem um tempo
mínimo de quatro anos e não se pode esperar que, após a formação, esses quadros
estejam preparados, profissionalmente, para tão ingente desafio.
Outro
grande problema ao nível da profissionalização dos quadros tem a ver com os comités
de especialidade do MPLA. O cartão de militante desse partido e a venalidade
têm tido primazia sobre a capacidade profissional e de liderança dos quadros na
sua colocação ao nível da administração do Estado. Não se vislumbram quaisquer
iniciativas tendentes a despartidarizar a administração do Estado.
A
nomeação de Kundi Paihama para governador do Huambo é, aliás, prova bastante da
ideologia do presidente. O Huambo foi, em tempos, o segundo parque industrial
do país e, para além de instigar o terror e promover o açambarcamento, Paihama
não tem capacidade para revitalizar a província. Já devia ter sido reformado
aos 70 anos. Apesar de haver já muitos jovens bem formados, o MPLA continua a
apostar na velha guarda, despida de visão e de ideias inovadoras para o país.
Acima
de tudo, o MPLA e o seu presidente devem acelerar a moralização da
administração do Estado, aplicando, com rigor, a separação entre os seus
interesses privados e os do Estado.
De
seguida, também deve ser acelerada a devolução de poderes. A estrutura da
economia só mudará com a descentralização e desconcentração de poderes por via
de reformas profundas no aparelho de Estado. Só assim será possível estabelecer
a separação efectiva de poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial,
bem como o exercício dos freios e contrapesos para a garantia da fiscalização
dos actos do governo.
Na
realidade, tudo isto será apenas possível na era pós-Dos Santos. O presidente
José Eduardo dos Santos é o principal entrave às reformas que se impõem no
país.
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