(entrevista
ao semanário Sol"
Nelson
Pestana 'Bonavena', membro do Bloco Democrático, docente universitário e politólogo fala dos ganhos e recuos da paz - e destaca a
necessidade de existir paz social.
Quais os avanços que tivemos com a paz?
Quais os avanços que tivemos com a paz?
A
paz é por si só um grande ganho, permite uma dinâmica social que a guerra não
permite. Permite que as pessoas sejam empreendedoras por elas próprias,
independentemente do Governo, e permite que circulem, tal como as mercadorias
produzidas, apesar das dificuldades nas vias de circulação. Mas ainda não
conseguimos passar de uma paz militar a uma paz civil. Porque aqueles que
venceram continuam numa lógica de guerra, a determinar e impor a sua vontade.
Porquê?
Porque
sempre que um grupo de cidadãos reivindica um direito concreto - por exemplo o
de manifestação que é um direito fundamental - a resposta do poder é truculenta
para calar os cidadãos. Apropriam-se das riquezas de forma extremamente
desigual, não investindo na alteração da estrutura de oportunidades do país e
insistindo em índices de desenvolvimento muito baixos, embora o país tenha
níveis médios de crescimento consideráveis.
Como
avalia o processo de reconciliação nacional?
A
reconciliação nacional não avançou muito mais porque há uma política deliberada
para impedir o seu avanço. O poder percebeu que a reconciliação nacional é um
agente de combate ao seu poder. Quanto mais avançarmos na reconciliação
nacional, maiores serão as liberdades e menor será a capacidade de controlo
autoritário. Por exemplo, a recente nomeação de Kundi Pahiama mostra que não há
uma política para o Huambo, onde é preciso efectivamente uma política de
reconciliação nacional e outra forma de exercício do poder, que permita a
integração das pessoas que até há 12 anos apoiavam a oposição armada. E mostra
que o Governo insiste numa governação de Polícia e não de política. A negação
das autarquias é outro sinal de que não há vontade de reconciliação nacional.
A
propósito das autarquias, as autoridades dizem que precisam de ser bem
preparadas.
O
caminho faz-se caminhando, ou seja, não vai haver nunca um momento ideal de
realização de autarquias sem máculas. As autarquias serão sempre um processo de
aprofundamento. É preciso começar numa base, tendo uma legislação própria que
leve em consideração os aspectos orgânicos, os de eleição e os aspectos das
finanças locais para que haja um bom funcionamento das autarquias. Essas duas
funções são fundamentais e têm de estar num pacote de leis ou num código
autárquico que agrupe e regule essas questões. Isto é possível fazer-se ao
longo deste ano, princípio do próximo, e as eleições realizarem-se no segundo
semestre de 2015.
Mas
há também quem fale da falta de condições para a realização de autárquicas em
todo o país.
O
gradualismo geográfico é anticonstitucional. Não é possível, sem violar a
Constituição, realizar eleições autárquicas numas províncias e noutras não.
Isto levaria à violação do princípio da igualdade. Pode, sim, aceitar-se um
gradualismo funcional, e isso não é contra a Constituição, embora esta
determine já quais as áreas e as competências que devem ser transferidas do
Estado central para as colectividades territoriais. Mas isso pode-se graduar em
função das realidades diferenciadas dos municípios.
Como
pensa que mudou o comportamento das pessoas na rua e nas instituições?
É
um comportamento que nos desagrada, porque já fomos melhores, já tivemos um
quadro moral com princípios muito observados. Mas não é um comportamento extremo;
é um comportamento que demanda a nossa preocupação. O stress nacional, a
depressão que sentimos e observamos não têm que ver com medidas de Polícia, têm
que ver com medidas políticas. Se melhorarmos as políticas sociais e de
solidariedade nacional, vamos claramente ter um quadro moral e um quadro de
convivência pacífico.
Fala-se
em resgate dos valores morais.
O
resgate dos valores morais é uma parangona do poder sobretudo para limitar as
liberdades das pessoas. Por debaixo desse discurso está, na verdade, o resgate
do autoritarismo, não da autoridade partilhada, da autoridade que se faz
respeitar, mas do autoritarismo que se impõe pela força.
Qual
é o comportamento das pessoas em relação à política partidária?
A
concepção da política no nosso país é que temos um campo que é o do Executivo e
outro que se opõe. Entre estes dois campos não há possibilidade de diálogo
porque o Governo quer submeter o outro. É por isso que temos essa defecção dos
cidadãos em relação à política, porque a política corresponde a perigo, a
problemas no dia-a-dia e a incerteza. Nas famílias, quando um membro se destaca
como crítico do Executivo, dizem-lhe para não se meter em política. Porque o
Governo, na concepção deles, é algo de natural que está aí e que vai continuar.
É assim que a nossa televisão mostra o poder do Executivo. É algo que está na
própria natureza das coisas, não é algo de contingente que pode ser mudado a
qualquer momento.
felix.abias@sol.co.ao
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