quinta-feira, 10 de abril de 2014

'Não passámos de uma paz militar a uma paz civil" Nelson Pestana




(entrevista ao semanário Sol"

Nelson Pestana 'Bonavena', membro do Bloco Democrático, docente universitário e politólogo fala dos ganhos e recuos da paz - e destaca a necessidade de existir paz social.
Quais os avanços que tivemos com a paz?
A paz é por si só um grande ganho, permite uma dinâmica social que a guerra não permite. Permite que as pessoas sejam empreendedoras por elas próprias, independentemente do Governo, e permite que circulem, tal como as mercadorias produzidas, apesar das dificuldades nas vias de circulação. Mas ainda não conseguimos passar de uma paz militar a uma paz civil. Porque aqueles que venceram continuam numa lógica de guerra, a determinar e impor a sua vontade.
Porquê?
Porque sempre que um grupo de cidadãos reivindica um direito concreto - por exemplo o de manifestação que é um direito fundamental - a resposta do poder é truculenta para calar os cidadãos. Apropriam-se das riquezas de forma extremamente desigual, não investindo na alteração da estrutura de oportunidades do país e insistindo em índices de desenvolvimento muito baixos, embora o país tenha níveis médios de crescimento consideráveis.
Como avalia o processo de reconciliação nacional?
A reconciliação nacional não avançou muito mais porque há uma política deliberada para impedir o seu avanço. O poder percebeu que a reconciliação nacional é um agente de combate ao seu poder. Quanto mais avançarmos na reconciliação nacional, maiores serão as liberdades e menor será a capacidade de controlo autoritário. Por exemplo, a recente nomeação de Kundi Pahiama mostra que não há uma política para o Huambo, onde é preciso efectivamente uma política de reconciliação nacional e outra forma de exercício do poder, que permita a integração das pessoas que até há 12 anos apoiavam a oposição armada. E mostra que o Governo insiste numa governação de Polícia e não de política. A negação das autarquias é outro sinal de que não há vontade de reconciliação nacional.
A propósito das autarquias, as autoridades dizem que precisam de ser bem preparadas.
O caminho faz-se caminhando, ou seja, não vai haver nunca um momento ideal de realização de autarquias sem máculas. As autarquias serão sempre um processo de aprofundamento. É preciso começar numa base, tendo uma legislação própria que leve em consideração os aspectos orgânicos, os de eleição e os aspectos das finanças locais para que haja um bom funcionamento das autarquias. Essas duas funções são fundamentais e têm de estar num pacote de leis ou num código autárquico que agrupe e regule essas questões. Isto é possível fazer-se ao longo deste ano, princípio do próximo, e as eleições realizarem-se no segundo semestre de 2015.
Mas há também quem fale da falta de condições para a realização de autárquicas em todo o país.
O gradualismo geográfico é anticonstitucional. Não é possível, sem violar a Constituição, realizar eleições autárquicas numas províncias e noutras não. Isto levaria à violação do princípio da igualdade. Pode, sim, aceitar-se um gradualismo funcional, e isso não é contra a Constituição, embora esta determine já quais as áreas e as competências que devem ser transferidas do Estado central para as colectividades territoriais. Mas isso pode-se graduar em função das realidades diferenciadas dos municípios.
Como pensa que mudou o comportamento das pessoas na rua e nas instituições?
É um comportamento que nos desagrada, porque já fomos melhores, já tivemos um quadro moral com princípios muito observados. Mas não é um comportamento extremo; é um comportamento que demanda a nossa preocupação. O stress nacional, a depressão que sentimos e observamos não têm que ver com medidas de Polícia, têm que ver com medidas políticas. Se melhorarmos as políticas sociais e de solidariedade nacional, vamos claramente ter um quadro moral e um quadro de convivência pacífico.
Fala-se em resgate dos valores morais.
O resgate dos valores morais é uma parangona do poder sobretudo para limitar as liberdades das pessoas. Por debaixo desse discurso está, na verdade, o resgate do autoritarismo, não da autoridade partilhada, da autoridade que se faz respeitar, mas do autoritarismo que se impõe pela força.
Qual é o comportamento das pessoas em relação à política partidária?
A concepção da política no nosso país é que temos um campo que é o do Executivo e outro que se opõe. Entre estes dois campos não há possibilidade de diálogo porque o Governo quer submeter o outro. É por isso que temos essa defecção dos cidadãos em relação à política, porque a política corresponde a perigo, a problemas no dia-a-dia e a incerteza. Nas famílias, quando um membro se destaca como crítico do Executivo, dizem-lhe para não se meter em política. Porque o Governo, na concepção deles, é algo de natural que está aí e que vai continuar. É assim que a nossa televisão mostra o poder do Executivo. É algo que está na própria natureza das coisas, não é algo de contingente que pode ser mudado a qualquer momento.
felix.abias@sol.co.ao









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