quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

DINO SÁURIO


Os ditadores ao levantar e ao deitar tomam banhos de sangue. As suas vidas, as suas vestes e as suas famílias andam surpreendentemente tingidas pelo rio sangrento, vermelho de sangue. Até os palácios são decorados com o sangue das suas vítimas inocentes.
Há muitos e muitos milhões de anos quando os dinossauros instituíram a primeira ditadura, que não diferia muito da dos tempos actuais. Pois que ao longo da história e dos tempos, os ditadores são todos iguais.
Claro que o descontentamento era permanente, presente. E a nossa personagem, o Dino Saúrio, já ostentava bruta luxúria enquanto milhões de dinossauros viviam na estrema penúria. Dino Sáurio tinha um magnífico palácio construído no cimo de uma montanha. Para isso, destacou a desafortunada população que durante mais de uma vida escavou, esculpiu na dura rocha as instalações palacianas. Então, Dino Sáurio alterou as regras do estádio de futebol. Queria ficar ele e a sua família no poder, uma dinastia dourada pelo sol terno e eterno. Já não havia população, apenas um mar de escravidão. E quando contestado, Dino Sáurio dava lição de mestre saurisquiano: «Há que se ter cuidado para ninguém confundir as coisas».
O tempo passava, quase que não existia, porque Dino Sáurio o corrompeu. E quase trinta e dois anos amargurados, perdidos, perecidos no poder, onde apenas se destacavam as trevas do Além, que acenavam vitoriosas por tanta miséria circundante. Até que as populações dinossauras cansadas, fartas de aturar tanta injustiça, corrupção, brutalidade policial, e outros infindáveis roles, gritaram basta, e decidiram seguir os trilhos de uma manifestação. Mas Dino Sáurio foi rapidamente alertado pelos serviços da sua polícia dos documentos de lagarto. E no alto da fortaleza do seu palácio comunicou, amedrontou: «Alerto os dinossaurianos, quanto a não confundirem o que se passa nos países da Gonduana, com a realidade sáuriana».
E alguns conselhos e garantias foram jogados pelo governo de Dino Sáurio: «O povo dinossauriano já sofreu uma guerra que durou cerca de 30 anos, e há ainda os 14 anos de luta para a libertação do jugo colonial. Sabemos o que é que aconteceu, perdemos vidas, muitas infra-estruturas foram destruídas quase que não havia empregos para as pessoas e as famílias estavam desavindas. E neste momento estamos a trabalhar para a estabilidade do país». Mas os acontecimentos precipitavam-se, já ninguém acreditava numa palavra discursada pela ditadura. Havia um frenesi, um cheiro a perfume jasmináceo. E os sem futuro marcharam para a manifestação enquanto Dino Sáurio em pânico ameaçava nas alturas de uma sinistra falésia juncada de caveiras: «Nestas circunstâncias podem ser tomadas medidas sérias, porque o poder não pode estar nas ruas. Nós temos uma nova Constituição pedrada, e temos Leis, e é com base na Nova Constituição e nas Leis que temos no país que vamos agir. Quem se manifestar vai apanhar».
E de imediato Dino Sáurio ordenou aos seus comités de defesa da revolução, que os pterodáctilos da sua força aérea levantassem voo e atacassem os manifestantes com os seus bicos mortais e os devorassem. Era por isso que as lúgubres falésias estavam amontoadas de milhares de esqueletos. Mas já com muitas baixas e não tendo nada a perder, pois as suas vidas há muito que estavam nas mãos do Inferno, os manifestantes não recuavam até à vitória final. Mesmo atacados por um esquadrão especial de pterodáctilos que voavam a grande velocidade com os bicos em formação de míssil, os heróicos manifestantes gritavam: «Fora com o ditador!!! Fora com o ditador!!!». E em pouco mais de duas semanas, como numa antecipação do quadro pintado por Delacroix, onde a Liberdade conduz o seu povo para a vitória, as massas populares do socialismo científico preferiram a democracia de Péricles. O ditador e a sua família finalmente derrotados refugiaram-se num local secreto algures no Golfo da Gonduana. Entretanto os seus bens foram confiscados, o que prova que ditador é profissão sem futuro. E outra Ode à Alegria nasceu, cantou-se, e imortalizou-se a nobreza de um povo renascida e da sua identidade cultural reconduzida.

Imagem: bg4bg.wordpress.com



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