sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A rua do sol nascente


Estou com as catorze horas da tarde no vulcão solar da terra. É que o ar não está quente, está ardente, como se o inferno adquirisse morada, e daqui não mais desejasse sair.
Desloco-me na rua dos cidadãos sem pátria, onde qualquer automóvel depois de a passar, deixa um rasto de pó vermelho da cor da miséria. A azáfama é a habitual. Bebés que passeiam nas costas das mães, enquanto elas se esforçam na magnetização de alguém, a maioria utiliza o feitiço, que lhes compre algo da escravidão da sua sobrevivência.
A ronda dos ditadores faz-se omnipresente com exército, guarda presidencial, forças de segurança especiais, polícia anti-terror, polícia secreta, e outras tantas forças apenas para carregarem sobre as populações se ousarem manifestar o seu descontentamento. Vida de ditadura é repressão permanente de canhão.
As desgraçadas estão na rua porque lhes espoliaram as lavras, as terras, destruíram-lhes as casas, a que lhes chamam de casebres, e onde antes vendiam edificaram palácios pagos com dinheiros ilícitos. Aliás, tudo se compõe de ilicitude. Mas não é por demais evidente que casa de espoliado é casebre? Os maridos, os idiotas que acreditaram na tal luta de libertação, esperam pela mesada em vão. Só a tudo têm direito quem é eleito do partido da família sem restrição.
Os ataques dos polícias são constantes, esvoaçantes, verdejantes como as moscas de bojos possantes. Os cumpridores da lei ficam contentíssimos quando lhes ordenam executar a lei nas zungueiras e similares, que é o que existe demais. E atiram-se desumanamente sobre as infelizes que nasceram por muito azar num Golfo da Guiné onde o petróleo transpira por todos os poros. Aqui já não existe terra, nação, pátria, população, mas apenas o martírio diário dos barris de petróleo. Mas os polícias não vão policiar as empresas e os empresários da corrupção, não. Apenas policiam a estrema pobreza da expiação. E carregam à Khadaffi sobre as miseráveis que totalmente indefesas, são tratadas, injustiçadas, queimadas como feiticeiras. E os barris de petróleo sucedem-se, enquanto nos palácios da ditadura se festeja mais um acontecimento importante: o preço do petróleo sobe, sobe… dá e sobra para pagar a mercenários.
Frequentemente como se acompanhadas de nuvens de pó, passam desabridas escoltas de dirigentes fingindo que resolvem os problemas do povo, quando na verdade, resolvem os seus interesses pessoais e das suas famílias. Porque ainda existe a teimosia que governar é colocar toda a família no poder, para que se mantenham os negócios, os palácios, e a miséria das populações seja sempre abrangente. O povo é um jardim zoológico, com a diferença, de que no zoo é habitual darem comida nos animais, neste zoo humano não. Cada um que assalte o seu pão de cada dia.
A actividade da especulação imobiliária progride como coelhos que se multiplicam extraordinariamente: o único trabalho é alimentá-los e nascem, reproduzem-me epidémicos como os mosquitos do paludismo. De tal modo que dentro de pouco tempo não existirá nenhum local livre, porque tudo se destruiu com novos... estruturantes.
E dos muitos carros luxuosos pagos astronomicamente com as contas da contabilidade que não existe, descem novas-ricas na anedótica tentativa de imitação de figuras famosas do cinema e musicais, com reluzentes pulseiras de diamantes pagas a cento e cinquenta mil dólares. Enquanto na rua do sol nascente morre-se facilmente porque não se tem dinheiro para comprar coartem para curar a malária.
O nosso futuro é inevitavelmente revolucionário.
Assim não, porque a revolução é inevitável. Pode-se colmatar por agora, mas ela acontecerá, infelizmente com extrema violência porque ninguém está interessado em travá-la. Os milhões, biliões de dólares do petróleo são muito mais importantes que qualquer ser humano, cidadão angolano perdido na rua do sol nascente.

Imagem: flickr.com

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