Os profetas do Apocalipse. - Uma Comissão do Desespero. - A metralhadora de Luis XVI. - A Ciência não é uma vaca Sagrada. - O Senhor Despotopoulos quer ocultar o progresso. - A lenda dos Nove Desconhecidos.
Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL
Existiu, na segunda metade do século XIX, no despontar dos tempos modernos, uma plêiade de pensadores violentamente reacionários. Eles viam um logro na mística do progresso social, no progresso científico e técnico uma corrida para o abismo. Foi Philippe Lavastine, moderna encarnação do herói do Chef d'Oeuvre inconnu, de Balzac e discípulo de Gurdjieff, que mos fez conhecer.
Nessa época em que eu lia René Guénon, mestre do antiprogressismo, e convivia com Lanza del Vasto, que regressara das Índias, não estava longe de aderir às opiniões desses pensadores contra-a-corrente. Havia muito pouco tempo que a guerra terminara. Einstein acabava de mandar o seu famoso telegrama:
O nosso mundo está na iminência de uma crise de que ainda se não aperceberam aqueles que têm o poder de tomar as grandes decisões para o bem ou para o mal. O poder extraído do átomo alterou tudo, exceto o nosso hábito de pensar, e encaminhamo-nos para uma catástrofe sem precedentes. Nós, cientistas, que libertamos esse imenso poder, possuímos a esmagadora responsabilidade, nesta luta mundial de vida ou de morte, de forçar a sua utilização em benefício da humanidade e não da sua destruição. A federação dos sábios americanos adere a este meu apelo. Pedimos que apóiem os nossos esforços para levar a América a compreender que o destino da humanidade se decide hoje, agora, neste preciso minuto. Necessitamos imediatamente de duzentos mil dólares para uma campanha nacional destinada a dar a conhecer aos homens que é essencial uma nova forma de pensar, se a humanidade quer sobreviver e atingir níveis mais altos. Este apelo só vos é dirigido após longa meditação sobre a imensa crise que enfrentamos. Peço-vos com urgência um cheque imediato que me deve ser enviado a mim, presidente da Comissão de Desespero dos Sábios do Átomo, Princeton, New Jersey. Reclamamos o vosso auxílio neste instante fatal como prova de que nós, os homens de ciência, não estamos sós.
Tal catástrofe, pensava eu (e duzentos mil dólares nada alterarão), há muito que os meus mestres a tinham previsto. Deus oferecera ao homem o obstáculo da matéria e, como dizia Blanc de Saint-Bonnet, o homem é filho do obstáculo. Mas os modernos, libertos dos princípios, pretenderam fazer desaparecer os obstáculos. A matéria, que constituía um obstáculo, foi vencida. O caminho para o nada está aberto. Há dois mil anos, Orígenes escrevia que a matéria é o absorvente da iniqüidade. De futuro, a iniqüidade não mais será absorvida: antes se derramará em vagas destruidoras. Essa Comissão do Desespero não a conseguirá fazer desaparecer.
Os antigos eram sem dúvida tão maus como nós, mas sabiam-no. Essa sabedoria levava-os a criar obstáculos. Surge uma bula do Papa condenando o emprego da tripeça, destinada a tornar mais sólido o arco: esta máquina, aliada aos poderes normais do arqueiro, tornaria o combate desumano. A bula é discutida durante duzentos anos. Rolando de Roncevaux, ferido de morte pelas fundas moiras, exclama: Maldito seja o cobarde que inventou armas capazes de matar à distância! Mais recentemente, em 1775, um engenheiro francês, Du Perron, apresentou ao jovem Luís XVI um órgão militar que, acionado por uma manivela, lançava simultaneamente vinte e quatro balas. Um memorial acompanhava este instrumento, embrião das modernas metralhadoras. A máquina pareceu tão mortífera ao rei e aos ministros Malesherbes e Turgot que foi recusada e o seu inventor considerado um inimigo da humanidade.
Ao pretendermos emancipar tudo, emancipamos igualmente a guerra. Sendo outrora motivo de sacrifício e de salvação para alguns, transformou-se depois na condenação para todos. Tais eram pouco mais ou menos os meus pensamentos por volta de 1946, e sonhava publicar uma antologia dos pensadores reacionários cujas vozes foram abafadas, no seu tempo, pelo coro dos progressistas românticos. Esses escritores intratáveis, esses profetas do Apocalipse, que gritavam no deserto, chamavam-se Blanc de Saint-Bonnet, Emile Montagut, Albert Sorel, Donoso Cortês, etc. Foi num estado de espírito muito semelhante aos destes antepassados que elaborei um panfleto intitulado Le Temps des Assassins, no qual colaboraram especialmente Aldous Huxley e Albert Camus. A imprensa americana deu publicidade a esse panfleto em que sábios, militares e políticos eram muito maltratados, e no qual se pedia um processo de Nuremberg para todos os técnicos da destruição.
Creio que hoje as coisas não são tão simples e que é preciso ver com olhos diferentes, e mais de cima, a história irreversível. No entanto, em 1946, no inquietante após¬guerra, essa corrente de pensamento provocava um sulco resplandecente no oceano de angústias em que se afundavam os intelectuais que não queriam ser nem vítimas nem carrascos. E é verdade que, depois do telegrama de Einstein, as coisas pioraram. O que está dentro das pastas dos sábios é pavoroso, diz Khruchtchov em 1960.
Mas os espíritos acabaram por se aborrecer e, após inúmeros e inúteis protestos, dedicaram-se a outros motivos de reflexão. Aguardando, como o condenado à morte na sua cela, que seja ou não perdoado. Todavia, de hoje em diante, haverá em todas as consciências um fundo de revolta contra a ciência capaz de destruir o mundo, uma dúvida quanto à possibilidade salvadora do progresso técnico: Acabarão por fazer com que tudo vá pelos ares. Depois das furiosas críticas de Aldous Huxley em Contraponto e O Admirável Mundo Novo, o otimismo científico desapareceu. Em 1951, o químico americano Anthony Standen publicava um livro intitulado: A Ciência é uma vaca Sagrada, no qual protestava contra a admiração excessiva pela ciência. Em Outubro de 1953, um célebre professor de direito de Atenas, M.O.J. Despotopoulos, dirigia um manifesto à U.N.E.S.C.O. pedindo que interceptasse o desenvolvimento científico, ou então que o mantivesse secreto. A investigação, propunha ele, seria dali em diante confiada a um conselho de sábios mundialmente escolhidos e portanto com o direito de manter o silêncio. Esta idéia, por utópica que seja, não deixa de ter interesse.
Ela esboça uma possibilidade do futuro e, como mais adiante veremos, refere-se a um dos grandes temas das civilizações passadas. Numa carta que em 1955 nos dirigiu, Despotopoulos explicava com maior precisão a sua idéia: A ciência da natureza é sem dúvida um dos empreendimentos mais dignos da história humana. Mas a partir do momento em que desencadeia forças capazes de destruir a humanidade inteira, deixa de ser aquilo que era sob o ponto de vista moral.
A diferença entre ciência pura e as suas aplicações técnicas tornou-se praticamente impossível. Não se poderia portanto falar da ciência como de um valor em si. Ou antes, em certos sectores, e são os mais importantes, é atualmente um valor negativo, na medida em que escapa ao controlo da consciência para espalhar os seus perigos segundo o capricho e ânsia de poder dos responsáveis políticos. A idolatria do progresso e da liberdade em matéria de pesquisa científica é completamente perniciosa. A nossa proposta é esta: codificação das conquistas da ciência da natureza realizadas até agora e proibição total ou parcial do seu progresso futuro por meio de um conselho supremo mundial de sábios.
Tal medida é, sem dúvida alguma, tragicamente cruel, por o seu objetivo ir de encontro a um dos mais nobres impulsos da humanidade, e ninguém pode ignorar as dificuldades inerentes a tal medida. Mas não há outra suficientemente eficaz. As objeções fáceis: regresso à Idade Média, à barbárie, etc., não contém qualquer argumento importante. Não se trata de fazer retroceder a inteligência, mas sim de a defender. Não se trata de restrições em benefício de uma classe social: mas sim da proteção de toda a humanidade. Tal é o problema. O resto não passa de divisão e dispersão da atividade, dedicando-se a problemas menores.
Estas idéias tiveram um favorável acolhimento na imprensa inglesa e alemã, e foram amplamente comentadas no boletim dos sábios atomistas de Londres. Elas não se afastam muito de certas propostas formuladas nas conferências mundiais consagradas ao desarmamento.
Talvez seja lícito pensar que noutras civilizações não houve ausência de ciência, mas sim dissimulação da ciência. Tal parece ser a origem da maravilhosa lenda dos Nove Desconhecidos. A tradição dos Nove Desconhecidos remonta à época do imperadorAsoka, que governou as Índias a partir do ano 273 a.C. Era neto do Chandragunta, primeiro unificador da Índia. Cheio de ambição como o seu antepassado, cuja tarefa quis completar, empreendeu a conquista de Kalinga, que se estendia desde a atual Calcutá até Madras. Os kalinganeses resistiram e perderam cem mil homens na batalha.
O espetáculo dessa multidão massacrada transtornou Asoka. Ficou, para todo o sempre, com horror à guerra. Renunciou a prosseguir na integração dos países insubmissos, declarando que a verdadeira conquista consiste em captar a estima dos homens pela lei do dever e da piedade, pois a Majestade Sagrada deseja que todos os seres animados usufruam de segurança, liberdade, paz e felicidade.
Convertido ao budismo e devido à sua maneira de agir, Asoka espalhou esta religiãoatravés das Índias e do seu império, que ia até à Malásia, Ceilão e Indonésia. Depois o budismo chegou ao Nepal, Tibet, China e Mongólia. No entanto, Asoka respeitava todas as seitas religiosas. Aconselhava os homens a serem vegetarianos, aboliu o álcool e o sacrifício de animais. H. G. Wells, no seu sumário da história universal, escreve: Entre as dezenas de milhares de nomes de monarcas que se amontoam nos pilares da história, o de Asoka brilha quase isolado, como uma estrela.
Diz-se que, consciente dos horrores da guerra, o imperador Asoka quis proibir para sempre aos homens que utilizassem a inteligência de uma forma prejudicial. Sob o seu reinado, a ciência da natureza passou a ser secreta, tanto passada como futura.
Imagem: provafinal.net
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