quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Editorial. A solução é o caos? Quando os arautos dos Direitos Humanos preferem fazer-se de cegos


Escrito por Administrator

Maputo (Canalmoz) - Em Genebra decorreram sessões de Revisão Periódica Universal do estado dos direitos humanos nos países membros, em fórum dirigido pelo Conselho para os Direitos Humanos das Nações Unidas. Vários países submeteram os seus relatórios de acordo com o parágrafo 15.a) do anexo da Resolução 5/1 do Conselho dos Direitos Humanos que é formado por representantes oficiais dos aparelhos de cada país membro das Nações Unidas. Moçambique esteve lá a prestar contas mas mais uma vez esqueceu-se de que, como Estado praticou crimes que não prescrevem. E mais uma vez omitiu explicações ao mundo sobre o paradeiro de cidadãos que nunca participaram na guerra de “desestabilização” (como os sucessivos governos de Moçambique preferem designar a Guerra Civil) e desapareceram às ordens de uma entidade de direito privado que abocanhou o Estado e o subverteu, confinando-o aos seus critérios. Terão sido mortos algures na Província do Niassa de forma extra judicial. Tais crimes estão por esclarecer. E as autoridades moçambicanas continuam a fingir que não há nada a dizer. Até já houve um tribunal judicial que há poucos anos teve o descaramento de julgar à revelia uma das vítimas, Joana Simeão, alegando que se encontra em “parte incerta”. Até onde chega o descaramento!

Em Genebra, a semana passada, foi a primeira vez que o Governo se submeteu ao exercício de prestar contas sobre Direitos Humanos em Moçambique. Era de esperar que a ministra Benvinda Levi em Genebra não surpreendesse. Era de esperar que mais uma vez o Governo fingisse que não tem por esclarecer assassinatos de cidadãos a seu cargo, apenas porque se tratava de “reaccionários”. Fez um discurso completamente conveniente. E, nas Nações Unidas, como ninguém está muito interessado em Justiça, apesar do espectáculo, a credibilidade de organizações oficiais de direitos humanos, que nunca foi tida como muito séria, continuou como sempre, pelo menos no que respeita a Moçambique.

Consoante as conveniências e os interesses de momento, os violadores dos mais elementares direitos dos cidadãos são poupados em muitos dos fóruns (fora) de Direitos Humanos por quem tem meios e influência para induzir a que se corrija o que está errado.

As Nações Unidas são os países e como tal os governos. Quando os negócios vão mal por causa da política, discutir violações aos direitos humanos, convém. Os Direitos Humanos só interessam quando os negócios precisam de um álibi para tirar da frente alguém que com a sua forma de governar não esteja a deixar fluir o ‘business’.

O caso mais exemplar e recente é o do Egipto. Há quase 3 décadas, o direito do povo egípcio a um governo legitimamente democrático, foi sendo adiado por quem detém o poder no Cairo. Antes apoiado pelo bloco de Leste, hoje aliado do Ocidente, o Egipto nunca figurou na lista negra das poderosas democracias do nosso planeta. Foi preciso o povo egípcio ir para a rua e protestar contra um estado de coisas que se tornaram insustentáveis, para as potências democráticas se lembrarem de falar da necessidade de reformas democráticas no Egipto.

O caso do Egipto, e antes o da Tunísia, mostram bem que o respeito pelos Direitos Humanos é uma agenda adiada sempre que o regime de um determinado país é favorável aos negócios e à estratégia política de quem fecha os olhos às violações que ocorrem.

Quando se trata de amigos é diferente o ânimo de denúncia de crimes que certos governos impunemente praticam contra os seus povos.

Os ventos de mudança que sopram no norte do nosso continente e que se alastram às regiões vizinhas, com tendência para descer até ao Sul, começam a colocar os governos de países, com alegados regimes democráticos sólidos, na embaraçosa situação de terem, de repente, de colocar, nas respectivas agendas, questões tão elementares como o direito a eleições livres e justas, e/ou o fim de regimes totalitários ou autocráticos em países com constituições democráticas mas com práticas insanas.

Se os países que violam os Direitos Humanos são aliados das potências democráticas, estas fecham os olhos.

Esse comportamento leva a questionar a legitimidade e a seriedade da posição assumida por essas potências quando se insurgem contra regimes igualmente autoritários e totalitários, como o existente numa Líbia ou na Coreia do Norte.

Está assim em causa no Mundo a observância rigorosa de princípios.

Os Direitos Humanos não podem continuar sujeitos a dois pesos e duas medidas.

No que toca a nós – povos da região Austral do continente africano – aqueles que têm por dever e obrigação induzir a que se salvaguardem os mais elementares direitos dos cidadãos, com o seu silêncio cúmplice perante os mais infames abusos, estão a permitir a consolidação gradual, mas segura, de novas ditaduras. Basta olharmos para o Zimbabwe!

Pelo facto de se terem tornado o suporte financeiro de alguns dos governos no poder, como é o caso de Moçambique, quem tanto fala de Direitos Humanos – e ainda bem – não só tem o dever, mas também a responsabilidade acrescida de ser coerente.

Esses que se fazem passar por justos têm de se deixar de agir como estão a agir para que povos dos países que se apercebem da sua incoerência os deixem de ver como cúmplices de criminosos.

Para que os Povos os voltem a ver como honestos defensores dos Direitos Humanos, por que querem fazer-se passar, a cumplicidade tem de acabar.

No caso concreto de Moçambique, de eleição em eleição, o ténue tecido da nossa democracia conquistada a ferro e fogo, vai-se esfarrapando mercê de fraudes sistemáticas que têm como objectivo central a eternização no poder de uma verdadeira seita política que se confunde com o Estado.

Os arautos da Democracia e dos Direitos Humanos, com a sua incoerência facilmente constatada na prática, estão a destruir a oposição democrática em África, mediante a sua descredibilização perante os eleitorados.

Com processos eleitorais viciados em muitos países africanos, as “derrotas” das oposições não se registam à boca das urnas, mas nos centros de informática e de bases de dados criados e sustentados financeiramente pela chamada comunidade doadora. Até querem saber, bem antes dos cidadãos irem votar, quem é a alternativa aos poderes instalados, como se a democracia pelo sistema de um homem um voto não fosse precisamente para se apurar qual é a alternativa pela soma dos votos.

A benevolência perante a fraude está a desacreditar a democracia.

A democracia moçambicana, concretamente, está em perigo. Está desacreditada. É um dos muitos casos em África e no Mundo que está em perigo. Mas nos fóruns formais internacionais de Direitos Humanos não se escutam as vozes daqueles que, por princípio, deviam há muito ter-se colocado ao lado dos que são defraudados. Não o fazem hoje, como não o fizeram ontem, ao avalizar a legitimidade de um regime apoiado no desrespeito dos direitos sacrossantos dos cidadãos moçambicanos.

Em Moçambique ainda estão no Poder senhores de um regime que literalmente afogou a oposição em sangue, depois de ter conspurcado o conceito de Direito, organizando pseudo julgamentos em campos militares transformados em tribunais, em que senhores da guerra envergaram as vestes de procuradores e juízes – além de carrascos.

Os desaparecidos de Nachingwea, de M’telela, do Destacamento Namuli ou de outros redutos da morte, em que se incluem o Reverendo Uria Simango, Joana Simeão, Mateus Gwengere, e muitos outros, nunca causou espécie às organizações de Direitos Humanos, designadamente às Nações Unidas, não obstante os faustos orçamentos de que dispõem para periodicamente organizarem encontros, reuniões, conferências e fóruns (fora) e outras coisas mais, mas que traduzido na prática de nada valem para quem no terreno sofre e testemunha os abusos, o desrespeito e a prepotência dos que fizeram e querem continuar a viver com recurso à fraude política e aos crimes de Estado.

A palavra de ordem dos organismos de Direitos Humanos não é a garantia dos Direitos Humanos.

“Não fazer ondas” para não se por em “perigo o equilíbrio delicado” das “experiências de sucesso”, como é apresentado o caso Moçambique nesses fóruns (fora), tem sido o outro lado da moeda para os arautos do discurso da necessidade de se respeitarem os Direitos Humanos. Quando muito, dizem-nos em relatórios que “há ainda caminho a percorrer”, mas a alternativa é a burla, a vigarice e o jogo viciado dos plebiscitos. Acima de tudo não querem que se ponha em cheque a estabilidade e a ordem regionais, para que a trupe continue a poder falar em casos “de sucesso”.

As instituições de Direitos Humanos estão a perder a credibilidade, salvo raras e honrosas excepções. É urgente corrigir isso. A promoção da Paz virou uma indústria que compete com a indústria da guerra. Há hoje autênticas empresas e organizações sob os disfarces mais variados – designadamente sob a designação de fundações e organizações não governamentais. Mas, entretanto, os direitos humanos não estão a ser devidamente protegidos pela conspurcação a que hoje está submetida a Carta Universal dos Direitos Humanos e dos Povos.

O caminho que a discussão sobre os Direitos Humanos está a tomar, é perigoso.

Os povos estão a chegar à triste conclusão que o seu sofrimento não acabará se não protestarem.

Será que só a luta dos povos na rua, como está a empreender o Povo Egípcio, e como antes outros fizeram, designadamente na Tunísia, pode de facto inverter as coisas e por termo a esta enorme mentira em que a miséria e ofensas mais variadas à dignidade humana passaram a alimentar as confrarias mais infames por esse mundo afora?

A solução é o caos? (Canalmoz / Canal de Moçambique)

Sem comentários: