quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Numa, o mártir da democracia


Em Angola, a vida decorria normalmente. Nas ruas, jovens vendedores e zungueiras fogem depois das espoliações e surra da polícia. Os geradores, ninguém confia na ditadura da electricidade, lançam fumo tóxico mortal, o único país do mundo onde isto é normal, e a barulheira intencional para encher o saco do vizinho. Tudo o que é ilegal valoriza-se. Parece que ninguém tem noção do que é lei. Os novos-ricos então, ainda sob a protecção da ditadura, mas já com o peso da síndroma Tunísia, não querem saber se os vizinhos estão a morrer ou não, com as suas tropelias há quarenta anos legalizadas. E teimosamente dizem que é uma antiga ditadura democrática, logo, quem não é da ditadura, é contra ela. Nada mais fácil do que isso. A bandidagem já incontrolável, pois são mais que as mães, e apesar de Angola estar infestada de petróleo por todo o lado, e isto justifica a deportação dos sem futuro para os rincões, pois o petróleo é incompatível com o povo. Este, ao pé do perfume petrolífero, apresenta um valor exíguo. E onde há petróleo, há dinheiro, e o resto não interessa.
Os corruptos continuam com a justificação, de que não senhor, o dinheiro que ganharam, foi com muito suor, esforço e lágrimas. Claro que isto não convence ninguém, e eles parecem fingir que em Angola está tudo numa boa. Os políticos sempre com as mesmas políticas de quarentena já quarentona, quando abrem as bocas, é de fugir, tipo, salve-se quem puder. Nada mais insuportável, do que ouvir sempre os mesmos com o mesmo dicionário.
Entretanto, Angola atingiu um tal desenvolvimento tecnológico, que até para cortar uma chapa de zinco, ou serrar um vulgar tubo de ferro, é necessário um chinês e um português. E o tuga recorda-nos muito cioso, os regulamentos dos tempos coloniais. E afirma sem pejo: «Na minha empresa, negro não pensa, executa.» Provando com isto, que Angola ainda não é independente, e que o angolano ainda não se libertou da escravatura.
Os problemas do povo subsistem na intolerância política, como se Angola fosse uma prisão cercada de grades de Kabinda ao Kunene.
No Bailundo, localidade da província do Huambo, apesar da proclamação da independência e de uma nova constituição, a intolerância política revive os bons velhos tempos da intransigência revolucionária. É necessário alimentar o facho e o forno da revolução, e quem nela não se enquadrar, a pena de morte é de se esperar.
António Kaputu é um vulgar militante da UNITA, e como tal tem o direito de hastear a bandeira do seu partido na aldeia do seu coração. E assim o fez, mas há sempre alguém que espia, que diz sempre sim. A polícia política é como a Igreja, só acredita num Deus. E claro, prenderam o professor António Kaputu. E ele pergunta aos novos mentores do campo de concentração angolano, aqui dignamente representados por um chefe da polícia:
- Mas afinal, estou preso, porquê?
- Prontos! Já te estás a fazer de parvo. Então não sabes porque é que foste preso?
- Absolutamente que não!
- Estás preso… porque és da UNITA!
- Ah! Essa está muito boa, então como é, Angola é só para vocês?
- Evidentemente, aqui não há lugar para mais ninguém. Vais ser julgado e condenado sumariamente.
- Então serei julgado por ser militante de outro partido político?!
- Correcto e afirmativo!
Numa, secretário-geral da UNITA, entra em cena e peremptoriamente afirma:
- Farei uma greve de fome em defesa desse militante. Esse homem é-me mais valioso que todos os vossos poços de petróleo.
- Ai é?! Que bom, faz lá a tua greve de fome. Junta-te aos nossos exércitos de esfomeados... e esperamos que morras, será menos um que chateia. Até porque temos instruções para acabar com todos vocês, pois parece que não, mas ainda são muito perigosos, e estão implantados em todos os recantos. Numa, serás lembrado: Numa, o mártir da liberdade, é isso que queres, não é? A tua morte será certa.
- Ah! Pelo que vi, até os vossos sobas prendem gente?
- Claro, ó Numa! Temos orientações superiores para prendermos quem quisermos. Angola é nossa, porra!!!
- Absolutamente, e quando a síndroma Tunísia lhes bater às portas, vão fazer mais como então?!
- Essas coisas aqui nunca chegam. Temos órgãos policiais e de defesa suficientes, espalhados por todo o lado... os olhos e ouvidos da nossa revolução que é imparável. O nosso poder é eterno e abençoado pelas potências internacionais. O petróleo dita as regras do jogo.

Numa, preferiu o silêncio. Meditou, que o fim de qualquer ditadura é sempre igual. Como se os problemas de um país se resolvessem na continua prisão e repressão. Quanto mais o poder diariamente e arbitrariamente inflige ferocidade sobre o seu melhor bem que é a população, o dia fatal chegará. E tudo e todos se erguerão, e a ditadura varrerão. E Numa, o mártir confesso da democracia, preparou-se física e mentalmente para enfrentar os caminhos da greve de fome. Os caminhos da vitória gloriosa, da libertação, contra a opressão.

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