quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O brasileiro que é sinônimo de poder em Angola


Rio de Janeiro - Valdomiro Minoru Dondo, o empresário brasileiro que enriqueceu no socialismo de mercado angolano, não operou o milagre sozinho. Dono de um conglomerado de mais de 20 empresas, cujo cliente solitário é o próprio governo, ele é sócio de pelo menos cinco autoridades locais, incluindo dirigentes de pastas que fizeram contratos milionários com o empresário. Mas a relação com o poder vai além..

Fonte: Globo Club.k-net
No Brasil, Minoru negociou pelo menos três imóveis com dirigentes angolanos e seus parentes. Sua mulher, Agla Dondo, é amiga pessoal da primeira-dama Ana Paula dos Santos, mulher de José Eduardo dos Santos, o presidente que tem de poder em Angola as mesmas três décadas que Minoru tem de negócios.

Considerado mito naquele país, o empresário lucra ali oficialmente R$ 90 milhões anuais com contratos públicos. No Brasil, embora não tenha a mesma popularidade, é conhecido no circuito VIP pelas festas de aniversário da mulher — numa delas, mandou fazer um bolo gigante com o formato de uma bolsa Louis Vuitton. Importador e exportador, mantém um nicho de amigos na Polícia Federal, que lhe garante tratamento privilegiado na entrada e na saída do país, e circula discretamente pelo mundo do samba, onde já foi tido como patrono da escola de samba Unidos da Tijuca — o presidente da agremiação, Fernando Horta, nega.
 
Três mil ônibus para 1.500 motoristas habilitados

Nos negócios de Minoru, não há limites entre o público e o privado. Como pessoa física, é sócio de Pedro Sebastião Teta, vice-ministro da Ciência e Tecnologia, na Júpiter; do brigadeiro Leopoldino Fragoso, o Dino, na Supermar; da irmã da primeira-dama, Artemísia Cristina Cristóvão de Lemos, no Bob's; novamente de Leopoldino Fragoso, na Tilápia Psicultura; de Pitra Neto, ministro do Trabalho e Segurança Social, na 2000 Empreendimentos; do chefe da Casa Militar da Presidência e diretor do Gabinete de Reconstrução Nacional, general Manuel Hélder Vieira Dias, o Kopelipa, na Medicamentos e Cosméticos do Prenda; e ainda, como pessoa jurídica (pela Midras), do ex-ministro das Finanças José Pedro de Morais, na Gesa Health.

Minoru é também o terceiro maior acionista do BNI, banco que tem na composição societária novamente o ex-ministro José Pedro de Morais, o ex-chefe de Estado Maior e general do Exército João de Matos e o presidente da Assembleia Nacional, Paulo Kassoma, representado pela filha, Kanda.

Há oito anos, José Pedro de Morais e o ex-governador do Banco Nacional (o Banco Central daquele país) Amadeu de Jesus Castelhano Maurício (demitido em 2009) foram favorecidos com 21 remessas do Trade Link Bank (uma offshore nas Ilhas Cayman), procedentes do Brasil, no valor total de US$ 2,7 milhões.

Pelos extratos bancários obtidos com a quebra do sigilo bancário da Trade Link nos Estados Unidos, durante as investigações sobre o valerioduto, a offshore fez 20 remessas no valor aproximado de US$ 2,6 milhões para contas de Morais entre 2003 e 2005. As remessas variaram de US$ 76 mil a US$ 360 mil. Os documentos oficiais registram que, só em 2003, a Trade fez 12 transferências para o ex-ministro, no valor de US$ 1,4 milhão. Os recursos saíram de uma conta do Trade Link, no Banco Standard, em Nova York, e seguiram até uma conta em nome de Morais no Banco Internacional de Crédito (BIC), em Lisboa, Portugal.

Nos extratos da offshore, consta também uma remessa de US$ 176 mil para Amadeu Castelhano, então a mais alta autoridade monetária de Angola, no dia 12 de março de 2002. O dinheiro saiu da conta da Trade no Standard, passou pelo Banco Africano de Investimentos e, depois do giro, voltou a uma conta em nome de Amadeu, no Citibank, em Nova York.

Minoru é próximo de ambos. De Morais, é sócio em dois negócios. Já os cartórios de registro de imóveis do Rio revelam que, em 30 de janeiro de 2004, o empresário comprou de Antônio Jacinto Castelhano (parente de Amadeu) as sobrelojas 207 e 208 do edifício situado na Avenida Presidente Vargas 590, no Centro.

Nos anos 1990, revela ainda a pesquisa nos cartórios cariocas, Minoru fez dois negócios com Sebastião Basto Lavrador, outro ex-governador do Banco Nacional: em novembro de 1997, o empresário foi procurador de Maria Fernanda Noguera Alcântara Monteiro Lavrador (mulher de Lavrador) na compra do apartamento 301 da Praça Ataualpa 86; dois anos depois, em 9 de julho de 1999, o empresário vendeu para o próprio Lavrador a sala 201 do bloco 10 da Avenida das Américas 500, na Barra, com direito a quatro vagas de garagem.

Em Angola, Minoru já foi acusado de fazer negócios com o Ministério da Saúde, a Casa Militar, o Ministério das Finanças e vários governos provinciais, supostamente transferindo os recursos para empresas suas situadas em paraísos fiscais, como Ilha da Madeira, Ilhas Cayman, Suíça e Miami. Mas as investigações ordenadas pelas autoridades locais nada constataram até hoje.

O escândalo mais recente, divulgado pelos meios de comunicação independentes, atingiu a Midras, unidade do grupo VMD (a holding de Minoru) para a área de medicamentos. Para disfarçar a grande concentração de recursos e de contratos nas mãos de uma única empresa (a Midras), Minoru teria criado mais de uma dezena de filiais para receber os recursos federais, sustentou a denúncia.

Como ocorre com as empresas de Minoru no Brasil, que recebem recursos do BNDES para atender às encomendas do governo angolano, a Midras teria captado empréstimos em bancos de várias partes do mundo, especialmente da Europa, em nome do Ministério da Saúde, para fornecimento de medicamentos para a rede pública hospitalar.

De acordo com a denúncia, o empréstimo é originalmente concedido à Neofarma, do grupo VMD, começando assim um efeito cascata destinado a disfarçar o desvio de parte do empréstimo. Na etapa seguinte, a Neofarma encomenda a compra a outra empresa de Minoru, a Nova África, que ficaria com parte do lucro. Mais empresas completam essa cadeia, até garantir que uma fatia do empréstimo se perca no caminho.

A pioneira das mais de 20 empresas de Minoru em Angola é a Macon, criada para explorar os transportes coletivos no país, até então limitados a táxis (lotada) e caminhonetes. Em reportagem sobre os investimentos do governo central em grandes "elefantes brancos", cuja utilidade é duvidosa, a "The Economist" citou que foram comprados três mil ônibus, mas o país só tinha na ocasião 1.500 motoristas.

A última manobra de Minoru teria sido a aquisição da empresa DGM, que cuida do desenvolvimento de sistemas de pagamento de benefícios para o Instituto Nacional da Segurança Social. A DGM teria sido comprada pela Angola Prev em junho. Suspeita-se que o governo esteja preparando a compra da DGM por US$ 500 milhões, muitas vezes mais do que o seu real valor: a avaliação feita por uma empresa brasileira foi desqualificada por uma instituição financeira internacional.


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