terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Se o “jacaré” acordar… por: Eugénio Costa Almeida*


A República Democrática do Congo (RDC) está na ressaca das votações presidencial e legislativa ocorridas na passada segunda-feira, 28 de Novembro. No momento que iniciei a escrita destas linhas ainda não se sabia quantos teriam votado e quem liderou a votação. Sabe-se, outrossim, que houveram distúrbios e boicotes em alguns círculos, nomeadamente em Lubumbashi, capital do Shaba/Katanga [, que estão confirmados a existência de, pelo menos, 9 vítimas mortais entre eleitores e simpatizantes dos candidatos e que um dos candidatos, Etienne Tshisekedi, viu a sua natural pretensão em votar ser impedida, numa primeira secção de voto – foi bloqueado pela polícia – e só numa segunda secção é que teve o privilégio de expressar sua preferência eleitoral.

Além de Joseph Kabila Júnior e de Tshisekedi, o já experiente candidato oposicionista, houve mais 9 candidatos à cadeira da presidência. As eleições tiveram o impacto e as incertezas que se conhecem. Da parte dos observadores há a ideia que tudo não correu tão mal que não fosse previsível. De acordo com uma ideia do observador internacional, John Stremlau há que esperar que além da paz que persistiu(?!)"(…) os candidatos devem aceitar os resultados das urnas". Sejam quais forem, talvez acrescente eu…

Ora a paz foi tão grande que a comissão eleitoral da RDC (CENI) decidiu prolongar por mais um dia as eleições. E estas já estão inquinadas não só com as vítimas mortais ocorridas durante o acto eleitoral como já haver candidatos, como o ainda presidente do Senado, Léon Kengo, a exigiram que o sufrágio seja considerado nulo devido às irregularidades constatadas e já assumidas pela CENI e por observadores independentes.]

Todavia, é ponto assente que Kabila Júnior, tem todas as condições para voltar a ser o escolhido como o “leopardo” da RDC à frente, bem a frente, de todos os seus adversários, por muito que estes sejam mais credíveis, estrebuchem ou tenham apelado a um boicote sectorial nestas últimas eleições.

E se Kabila parece estar na “pole position” para continuar como presidente da RDC, apesar da persistente concorrência eleitoral de Tshisekedi, essa é também a vontade de Luanda e do Governo angolano dado que, por um lado, já conhece a “peça” e por outro Luanda quer a manutenção da RDC estabilizada porque os dois países partilham uma longa fronteira comum (apesar desta estar a ser sujeita a um escrutínio feroz por parte dos congoleses na parte norte marítima angolana) onde as populações convivem há muitos séculos e pelo facto dessas eleições poderão ser determinantes para o futuro das relações entre os dois países.

Não esqueçamos que as relações Luanda/Kinshasa só melhoraram depois da geração Kabila (pai e filho) se ter implantado na vida política congolesa. Como reconhecia o meu colega David Zounmenou, cientista político do Instituto de Estudos de Segurança (ISS) em Pretória, África do Sul, à germânica rádio Deutsche Welle, é sabido que a reeleição de Kabila, significa “a continuidade das relações entre Angola e a RDC, que aliás conheceram no passado alguns momentos dolorosos, nomeadamente com as expulsões de refugiados de um país para o outro e que provocaram algum diferendo entre Luanda e Kinshasa” mas que nos últimos anos “foram desenvolvidos muitos esforços por ambos os lados para que essas relações se normalizem” como na já referida questão das fronteiras marítimas a Norte de Angola.

Ora uma inversão desta previsível situação poderia ser catastrófica para a actual potência regional da África Central, Angola. Um qualquer outro novo presidente na RDC poderia constituir um forte risco para todos os esforços realizados até agora. Este é um facto que condiciona as relações entre a RDC e Angola pelo que estes desejam, abertamente, que Kabila e o seu partido sejam – tenham sido – os vencedores do escrutínio da passada segunda-feira. A simples incerteza sobre um algum novo presidente que não seja Kabila poderá – e fará – cabalmente preocupar Luanda.

E para que este desígnio se torne realidade e Kabila se mantenha na cadeira do poder, houve por parte deste uma alteração à Constituição – já começa a ser usual, em alguns estados africanos (e não só, também na América Latina) esse tipo de propósito – para que a sua (re)eleição fosse (seja) efectiva. A nova disposição constitucional determina que agora basta uma maioria simples e uma única volta para se tornar – ou permanecer – como presidente da RDC.

E, não esqueçamos que Kabila, apesar de esta ser uma segunda caminhada para se manter no poder – em princípio e de acordo com a Constituição, segundo e último mandato – na verdade Kabila já se encontrava há cerca de 5 anos no poder antes de ser formalmente legitimado em 2006 nas suas primeiras eleições. Algo que, parece já conhecermos de mais perto…

Ora se a Luanda é interessante que Kabila seja o presidente (re)eleito também lhe interessa que o “grande jacaré”, como é conhecido a RDC em certos sectores da área político-estratégica e como também o provei numa conferência havida há cerca de 2 anos em Luanda, na Universidade Lusíada de Angola, e o provo no meu recente ensaio e já aqui tornado público no Novo Jornal, mantenha adormecido e não questione a posição geoestratégica de Angola no seio dos Estados africanos do Centro e Centro-meridional de África.

Porque, caso o “grande jacaré” acorde, a situação geopolítica, geomilitar e geoestratégica de Angola – e, de certa maneira, da África do Sul e para a Nigéria – na região e no Golfo serão fortemente questionadas.

Actualmente isso é algo que às duas potências austro-africanas menos interessa! Conquanto ele esteja adormecido melhor será para a região, em particular para os Grandes Lagos e para os Estados limítrofes.

Para Angola, há um facto que aumenta a necessidade de manter a actual estabilidade política e governativa na RDC e que o “jacaré” continue narcotizado: uma RDC volúvel tornaria o Enclave de Cabinda mais instável, com consequências imprevisíveis.

*Investigador e analista político
elcalmeida@gmail.com
http://elcalmeida.net

Publicado no semanário Novo Jornal, edição 202, de 2 de Dezembro de 2011, pág. 23
Imagem: A vida é muito curta para acordar com arrependimentos.
jmonteiro.flogbrasil.terra.com.br

1 comentário:

ELCAlmeida disse...

Obrigado meu caro
Brilhante e inequívoca imagem!
Abraços
Eugénio Almeida