quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A revolta dos escravos. Insistiram na posição de que mulatos e negros simplesmente não eram pessoas


Por Aloisio Milani
© AKG IMAGES/LATINSTOCK

BURGUESIA NO PODER Mirabeau, representante do Terceiro Estado, gritava que caso os latifundiários colonialistas não considerassem os negros como homens de direito seria equivalente à França ter de admitir, em sua representação política, também os “cavalos e as mulas”. Num golpe, a burguesia francesa conseguiu criar uma Assembléia Nacional, o que contrariava os interesses da monarquia. A revolução começava. Na visão do autor C.L. R James, que escreveu Os jacobinos negros, o mais importante registro daquelas revoltas, essa discussão atrelava, por fim, as fortunas de São Domingos à assembléia de um povo em revolução. “Dali em diante a história da liberdade na França e da emancipação em São Domingos seria una e indivisível.” O rei Luís XVI ordenou a dissolução da assembléia. As forças populares tomaram a Bastilha, símbolo do absolutismo. Na prática, o rei perderia poder. Em 1790, com o andar da revolução, foi permitida a formação de uma Assembléia Colonial. A sociedade de São Domingos mantinha uma divisão entre latifundiários, brancos pobres, mulatos livres e escravos. Nos debates na colônia, permanecia o conservadorismo do statu quo.

General Henri Chrsitophe, óleo sobre tela, autor desconhecido, século XIX, Consulado do Haiti, Rio de Janeiro

Henri Christophe se tornou presidente em 1807 e rei em 1811

A Assembléia Constituinte, na França, em 1791, aprovou a igualdade de direitos entre todas as pessoas em São Domingos. A medida permitia o voto dos mulatos, mas ainda não era a abolição da escravidão. Sua repercussão na colônia era questão de tempo, pois tinha se reconhecido o direito de “homens de cor”. O clima revolucionário contagiou as ruas de São Domingos. Muitos escravos, alguns mais próximos aos centros onde ocorriam os debates, começavam a entender a dimensão da oportunidade. Ricos fazendeiros viam a decisão da igualdade de direitos como uma ameaça brutal. Insistiram na posição de que mulatos e negros simplesmente não eram pessoas – uma rasura mal emendada da regra. Paralelamente aos protestos dos mulatos contra os brancos, os escravos começavam a se organizar. Não mais como o quilombola Mackland.

Na planície do norte de São Domingos, onde os canaviais se alastravam lado a lado por dezenas de quilômetros, um capataz (e também sacerdote do vodu) liderou uma rebelião. Boukman planejou atear fogo nas plantações, exterminar os brancos e tomar a colônia a partir de Lê Cap. Quando começou a revolta, os escravos destruíram completamente as fazendas. As plantações viraram cortinas de chamas e fumaça. Os latifundiários foram executados. O ódio dos negros aflorou e Boukman começou a revolução negra.

Os escravos da parte sul e do lado ocidental engrossaram o coro das revoltas. A repressão aumentou. Boukman foi morto em luta, mas o levante não parou. Os insurgentes passaram de 100 mil e ganharam adeptos. De uma onda de fúria, o movimento amadureceu e abraçou a bandeira da liberdade e da independência.

Ao lado dos primeiros líderes, como Jean François e Biassou, outro ex-escravo demonstrou excelência de planejamento militar e conhecimento de política: Toussaint L’Ouverture. Ele recebeu certa liberdade de seu senhor de engenho para tocar a fazenda, teve acesso a alguma literatura e não foi submetido aos suplícios dos maus-tratos. Possuía uma intuição política acima da média e logo se tornou um dos comandantes da revolta. Unificou e organizou um exército que poderia derrotar tropas européias.

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