A crise popular do Mundo Árabe, que tomou o nome de “Primavera Árabe”, em particular, no Norte de África, está a continuar a ter os seus efeitos.
Recordemos que os levantamentos sócio-populares, alicerçados em páginas e redes sociais da Internet, que ocorreram desde o início do ano – e que continuam – primeiro na Tunísia e que se alastraram, inexoravelmente, para ao Egipto e a Líbia, têm tido claras repercussões em outros Estados não só árabes como, e principalmente, em Estados africanos.
Se sempre houve – e persiste – crises sociais em África devidas não só à falta de alimentos, deficiente salubridade, ou à depreciação remuneração económica e financeira, as crises políticas essas estavam quase sempre na órbita castrense. Agora, constata-se que passaram dos silenciosos quartéis para as ruas e para as vagas de fundo populares.
Penso que todos se lembrarão da latente crise popular que emergiu na Cote d’Ivoire, em Novembro, após as eleições presidenciais, mas que só teve a sua explosão efectiva depois das revoltas populares árabes e teve o seu zénite no final do primeiro quartel deste ano quando o anterior e vencido presidente acabou por aceitar, na ponta de uma espingarda, o resultado das urnas.
Ou a contínua e latente crise social e popular que grassa no Zimbabué e que terá, por certo, desenvolvimentos exponenciais nas próximas eleições presidenciais e legislativas onde o senhor Mugabe persiste em se candidatar e fazer eleger para um novo mandato sob a capa de uma democraticidade que sabemos não existir.
E que dizer das manifestações populares ocorridas na Libéria durante as recentes eleições presidenciais, apesar destas serem escrutinadas por observadores internacionais que, parece, nada viram…
Tal como também não nos podemos esquecer que as eleições no Congo Democrático (RDC) continuam na ordem do dia com confrontos populares nas ruas em contestação de um acto que ainda não teve o seu desfecho nem se sabe, ainda, qual o resultado eleitoral final, mas que se antevê próximo das actuais autoridades, mesmo que sem maioria absoluta. Uma providencial emenda constitucional permite a vitória simples do mais votado.
E quem se esquece das manifestações que, periodicamente, vão surgindo em Angola, particularmente em Luanda, de contestação à manutenção no poder de Eduardo dos Santos – há 33 anos na presidência e a aguardar eleições – ou das políticas económicas do partido maioritário no poder, o MPLA, bem como de palavras de ordem contra a corrupção (um dos maiores e mais abjectos flagelos que grassam na maioria dos nossos Países).
Pois se as crises populares e políticas têm descido ao longo da costa ocidental africana, também não é menos verdade que começou, contornando o cone sul de África, a voltar ao ponto de partida, com alguns desenvolvimentos sociais e políticos contrários à actual policy establishment.
Já há um tempo que se vem constatando alguma contestação às políticas do ANC com críticas dentro deste partido hiper-maioritário sul-africano. As recentes eleições intercalares nas províncias do Cabo Norte, Mpumalanga e Free State permitiram ver o partido maioritário, e tradicionalmente vencedor naquelas três região provinciais, a observar os votos transitarem para as opositoras Aliança Democrática, no município de Thaba Chweu, Mpumalanga, para o Partido Dikwankwetla, no município de Qwa-Qwa, Free State, e para o independente – antigo militante do ANC, de onde foi expulso, – Danny Jonas, no município Thembelihle, no Cabo do Norte.
Mais acima, ligeiramente mais acima, voltando ao Norte comprovamos que em Moçambique as crises sociais, que sempre existiram – rememoremos as dos chapas e do pão –, voltam a estar na ordem do dia.
Ainda recentemente, também em três municípios moçambicanos, houveram eleições intercalares onde a Renamo pautou pela ausência e onde a Frelimo, partido maioritário no Poder, se confrontou com o MDM, em Quelimane e onde esta formação fez valer os seus pontos de vista, obtendo uma significativa vitória, e em Cuamba, onde o candidato da MDM recusou os resultados e os contestou. Só em Pemba parece não haver, até ao momento que escrevo estas linhas, qualquer contestação aos resultados provisórios. Tagir Ássimo Carimo, da Frelimo, estava com quase 89% dos votos – também bem Ali tinha percentagens destas… –, contra 9,62% de Assimo Tique, do MDM, e 1,45 % de Emiliano José Moçambique, do PAHUMO.
Talvez que estas contestações já fossem previsíveis. Ainda, ultimamente, a Renamo acusou o primeiro-ministro moçambicano, Aires Ali, de, num discurso recente, promover “a intolerância e exclusão social de todos os moçambicanos que não se identificam com o partido no poder, a Frelimo”.
Por outro lado não esqueçamos que, ainda recentemente, e temendo eventuais manifestações na linha das ocorridas no Norte de África e em Angola, nomeadamente, o Governo moçambicano mandou colocar a Polícia da República de Moçambique, apesar desta dizer que “nada [tem] a ver com os políticos”, de se colocar em prontidão “muito vigilante contra prováveis manifestações com que pretendem desestabilizar a boa governação do Governo”. Ainda assim, não terá deixado de afrontar a sede do MDM e de onde se terá retirado “envergonhada do ridículo a que o seu comando a sujeitou nestas eleições” depois dos resultados de Quelimane.
Tudo porque alguns movimentos femininos, dando voz a uma forte maioria silenciosa, desejava, entre outros problemas, que fossem validos os seus direitos de acesso à terra ou que os salários fossem pagos.
Tudo o que os contestatários do Norte exigiam. Um claro efeito “boomerang”…
©Publicado no semanário moçambicano “Canal de Moçambique”, edição 126, de 14/Dez./2011, página 11
Imagem: O efeito bumerangue é um fenômeno biológico bem mais freqüente e comum do ...
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1 comentário:
Grato meu caro
Cumprimentos e Boas Festas
Eugénio Almeida
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