O campo de Hewa Bora (Ar Belo), a uma dezena de quilómetros de Goma, acaba de se formar. Está num solo pedregoso e vulcânico, de terra negra, e parece incrível que num lugar tão inóspito, as 675 pessoas que chegaram até aqui, faz um par de meses, desde Mushaki, fugindo das milícias de Laurent Nkunda, conseguiram fazer alguns cultivos, de mandioca e ervilhas.
Recebem-nos cantando e bailando à maneira de boas-vindas: pequenitos, fracos, enrugados, cobertos de farrapos, muitos deles descalços, com meninos que são puros olhos e ossos e as grandes barrigas que produzem os parasitas. Seu baile e seu canto, tão tristes como as sus caras, recordam as canções dos Andes com que se despedem dos mortos. Ainda que com alguma dificuldade, vários dos dirigentes falam francês. (É uma das poucas consequências positivas da colonização: uma língua geral que permite a comunicação da grande maioria dos congoleses, num país onde os idiomas e os dialectos regionais contam-se às dezenas).
Escaparam de Mushaki quando as milícias rebeldes atacaram a aldeia matando vários vizinhos. Pedem plásticos, pois as choças que levantaram -com varas flexíveis de bambu, atadas com lianas, de um metro de altura mais ou menos, sobre o solo desnudo e com tetos de folhas – inundam-se com as chuvas, que acabam de começar.
Pedem medicamentos, pedem uma escola, pedem comida, pedem trabalho, pedem segurança, pedem – sobretudo água. A água é muito cara, não têm dinheiro para pagar o que custam os bidões dos aguadeiros. É uma queixa que ouvirei sem cessar em todos os campos de refugiados do Congo em que ponho os pés: não há água, custa uma fortuna, rios e lagos estão contaminados e os que bebem, neles adoecem.
As pessoas que me acompanham, do ACNUR e dos Médicos Sem Fronteiras, tomam notas, pedem precisões, fazem cálculos. Depois, conversando com eles, comprovarei a sensação de impotência que às vezes os embarga. Como fazer frente às necessidades elementares desta multidão de vítimas? Quantos mais morrerão de inacção? A crise financeira que sacode o planeta, encolheu todavia mais os magros recursos com que contam.
No campo de Bulengo, que visito depois do Hewa Bora, vejo as rações de alimentos, mínimas, que distribuem aos refugiados. Um voluntário do Unicef diz-me com a voz transpassada: "Tal como vão as coisas com a crise, todavia teremos que diminui-las". Médicos, enfermeiros e ajudantes das organizações humanitárias são gentes jovens, idealistas, que fazem um trabalho difícil, em condições intoleráveis, a quem a magnitude da tragédia que tratam de aliviar por momentos, abruma-os.
O que mais os entristece é a indiferença quase geral, no mundo donde vêm, o dos países mais ricos e poderosos da Terra, pela sorte do Congo. Ninguém o diz, mas muitos têm chegado, com efeito, no Ocidente à conclusão de que os males do Congo não têm remédio.
EL PAÍS
Recebem-nos cantando e bailando à maneira de boas-vindas: pequenitos, fracos, enrugados, cobertos de farrapos, muitos deles descalços, com meninos que são puros olhos e ossos e as grandes barrigas que produzem os parasitas. Seu baile e seu canto, tão tristes como as sus caras, recordam as canções dos Andes com que se despedem dos mortos. Ainda que com alguma dificuldade, vários dos dirigentes falam francês. (É uma das poucas consequências positivas da colonização: uma língua geral que permite a comunicação da grande maioria dos congoleses, num país onde os idiomas e os dialectos regionais contam-se às dezenas).
Escaparam de Mushaki quando as milícias rebeldes atacaram a aldeia matando vários vizinhos. Pedem plásticos, pois as choças que levantaram -com varas flexíveis de bambu, atadas com lianas, de um metro de altura mais ou menos, sobre o solo desnudo e com tetos de folhas – inundam-se com as chuvas, que acabam de começar.
Pedem medicamentos, pedem uma escola, pedem comida, pedem trabalho, pedem segurança, pedem – sobretudo água. A água é muito cara, não têm dinheiro para pagar o que custam os bidões dos aguadeiros. É uma queixa que ouvirei sem cessar em todos os campos de refugiados do Congo em que ponho os pés: não há água, custa uma fortuna, rios e lagos estão contaminados e os que bebem, neles adoecem.
As pessoas que me acompanham, do ACNUR e dos Médicos Sem Fronteiras, tomam notas, pedem precisões, fazem cálculos. Depois, conversando com eles, comprovarei a sensação de impotência que às vezes os embarga. Como fazer frente às necessidades elementares desta multidão de vítimas? Quantos mais morrerão de inacção? A crise financeira que sacode o planeta, encolheu todavia mais os magros recursos com que contam.
No campo de Bulengo, que visito depois do Hewa Bora, vejo as rações de alimentos, mínimas, que distribuem aos refugiados. Um voluntário do Unicef diz-me com a voz transpassada: "Tal como vão as coisas com a crise, todavia teremos que diminui-las". Médicos, enfermeiros e ajudantes das organizações humanitárias são gentes jovens, idealistas, que fazem um trabalho difícil, em condições intoleráveis, a quem a magnitude da tragédia que tratam de aliviar por momentos, abruma-os.
O que mais os entristece é a indiferença quase geral, no mundo donde vêm, o dos países mais ricos e poderosos da Terra, pela sorte do Congo. Ninguém o diz, mas muitos têm chegado, com efeito, no Ocidente à conclusão de que os males do Congo não têm remédio.
EL PAÍS
Sem comentários:
Enviar um comentário