O Juventus, castigado com uma partida à porta fechada por gritos racistas contra o interista Balotelli, internacional 'azzurro'
MIGUEL MORA – Roma – 21/04/2009
EL PAÍS
"Negro de merda, és só um negro de merda!". "Não existem italianos negros!". "Morre, Balotelli!". Desta vez não era um grupito de descerebrados que gritava. Desta vez era todo o estádio. Ou quase todo. E ninguém fez nada para calar os gritos. O árbitro não parou a partida. O Juventus não moveu um dedo para aplacar o disparate. O Inter não defendeu o seu jogador dirigindo-se para o vestuário. Ocorreu no sábado, no Olímpico de Turim.
Itália capital: Roma. Governo: República. População: 58,145,321 (Est. 2008)
Uma família lombarda adoptou o jogador, nascido na Sicília de pais ganenses.
Ontem, o juiz desportivo italiano, Gianpaolo Tosel, fechou o campo da Juve por uma partida. O seu relato do que ocorreu é este: "No curso da partida, em múltiplas ocasiões (e com particular referência nos minutos 4, 26, 35, 41 e 42 do primeiro tempo e 11, 19, 22, 25 e 30 do segundo), aficionados da equipa local, em vários sectores, entoaram coros que constituem expressão de discriminação racial contra um jogador da equipa contrária".
Durante esses "coros de especial gravidade", anota o juiz, "repetidos com pertinaz reiteração", foi manifesta "a ausência de qualquer manifestação dissociativa por parte de outros aficionados" e "não se deu tampouco nenhuma intervenção dissuasora por parte do clube".
Ironicamente, o objecto dos cantos racistas dos adeptos Juventinos era o maior talento jovem do futebol italiano. Chama-se Mario Ballotelli, tem 18 anos, mede 1,88 metros, nasceu em Palermo em 12 de Agosto de 1990 e calça 45. É internacional sub 21 e titular indiscutível para José Mourinho no Inter. Desde a sua etapa juvenil, todos diziam que seria um crack. E o é. Ainda que os tifosi da Juve gritavam que não existem italianos negros, é a excepção que confirma a regra. Negro e italiano de pleno direito. Mas, realmente, trata-se de um caso quase único.
A sua história é conhecida e remonta ao princípio da imigração africana para a Itália. Os seus pais chegaram à Sicília desde o Gana em 1988. Mario nasceu pouco depois. Estava enfermo, tinha uma malformação no intestino, foi operado e passou o seu primeiro ano no hospital. A família trasladou-se então desde Palermo até Bagolo Mella, uma cidade lombarda próxima de Brescia, mas as coisas não melhoraram. Compartilhavam uma habitação húmida com outra família africana e seguiam tão pobres como na África. Aconselhado pelos serviços sociais, o seu pai, Thomas Barwuah, decidiu dar o pequeno Mario para adopção à família Balotelli.
Em 12 de Agosto de 2008, Balotelli cumpriu 18 anos. Nesse mesmo dia, o prefeito da cidade onde vive a família fez a foto com ele e entregou-lhe o certificado de nacionalidade italiana. Realmente, um privilegio, já que outro meio milhão de extra comunitários nascidos em Itália não têm direito à cidadania italiana. Segundo a lei em vigor, só são italianos os que têm sangue italiano, e não sempre, porque também há distinção entre homens e mulheres na hora de aplicar o princípio do ius sanguinis.
Os estrangeiros que nascem na Itália, segundo a Lei de Imigração Bossi-Fini, só podem ficar no país ao cumprirem os 18 anos por razões de reagrupamento familiar ou se têm uma autorização de trabalho ou de estudos. Os demais, em teoria, não podem ficar porque não são italianos. Estão no limbo e são tratados como cidadãos de segunda no país onde nasceram, estudaram e cresceram.
Mas já se sabe que os futebolistas são diferentes e por isso Balotelli, igual que Stefano Okaka, dianteiro centro do Roma, foi nacionalizado de forma automática.
A muitos italianos que não são do Inter deve-lhes parecer mal. Os gritos racistas contra ele são frequentes quando a equipa, que lidera a Liga à vontade, joga fora de casa. Balotelli tem fama de não se enrugar e de responder com golos e um ponto de chulearia às provocações do público e dos jogadores contrários.
No sábado, quando já tinha explorado o fervor racista, marcou o golo do Inter. Ontem, Massimo Moratti, petroleiro e presidente do clube, disse que, se ele tivesse estado em Turim, teria retirado a equipa. O Juventus já pediu desculpas. O árbitro estava desculpado porque o regulamento só obriga a deter as partidas se há pancadarias racistas, não quando há gritos.
A federação disse ontem que cambiará o regulamento e que desde agora as partidas se poderão parar não só por pancadarias, senão também por gritos. O seu presidente, Giancarlo Abete, expressou a sua firme condenação pelo sucedido, deixou cair que Balotelli não respeita suficientemente os contrários e concluiu: "A Itália não é a espuma do mundo".
EL PAÍS
MIGUEL MORA – Roma – 21/04/2009
EL PAÍS
"Negro de merda, és só um negro de merda!". "Não existem italianos negros!". "Morre, Balotelli!". Desta vez não era um grupito de descerebrados que gritava. Desta vez era todo o estádio. Ou quase todo. E ninguém fez nada para calar os gritos. O árbitro não parou a partida. O Juventus não moveu um dedo para aplacar o disparate. O Inter não defendeu o seu jogador dirigindo-se para o vestuário. Ocorreu no sábado, no Olímpico de Turim.
Itália capital: Roma. Governo: República. População: 58,145,321 (Est. 2008)
Uma família lombarda adoptou o jogador, nascido na Sicília de pais ganenses.
Ontem, o juiz desportivo italiano, Gianpaolo Tosel, fechou o campo da Juve por uma partida. O seu relato do que ocorreu é este: "No curso da partida, em múltiplas ocasiões (e com particular referência nos minutos 4, 26, 35, 41 e 42 do primeiro tempo e 11, 19, 22, 25 e 30 do segundo), aficionados da equipa local, em vários sectores, entoaram coros que constituem expressão de discriminação racial contra um jogador da equipa contrária".
Durante esses "coros de especial gravidade", anota o juiz, "repetidos com pertinaz reiteração", foi manifesta "a ausência de qualquer manifestação dissociativa por parte de outros aficionados" e "não se deu tampouco nenhuma intervenção dissuasora por parte do clube".
Ironicamente, o objecto dos cantos racistas dos adeptos Juventinos era o maior talento jovem do futebol italiano. Chama-se Mario Ballotelli, tem 18 anos, mede 1,88 metros, nasceu em Palermo em 12 de Agosto de 1990 e calça 45. É internacional sub 21 e titular indiscutível para José Mourinho no Inter. Desde a sua etapa juvenil, todos diziam que seria um crack. E o é. Ainda que os tifosi da Juve gritavam que não existem italianos negros, é a excepção que confirma a regra. Negro e italiano de pleno direito. Mas, realmente, trata-se de um caso quase único.
A sua história é conhecida e remonta ao princípio da imigração africana para a Itália. Os seus pais chegaram à Sicília desde o Gana em 1988. Mario nasceu pouco depois. Estava enfermo, tinha uma malformação no intestino, foi operado e passou o seu primeiro ano no hospital. A família trasladou-se então desde Palermo até Bagolo Mella, uma cidade lombarda próxima de Brescia, mas as coisas não melhoraram. Compartilhavam uma habitação húmida com outra família africana e seguiam tão pobres como na África. Aconselhado pelos serviços sociais, o seu pai, Thomas Barwuah, decidiu dar o pequeno Mario para adopção à família Balotelli.
Em 12 de Agosto de 2008, Balotelli cumpriu 18 anos. Nesse mesmo dia, o prefeito da cidade onde vive a família fez a foto com ele e entregou-lhe o certificado de nacionalidade italiana. Realmente, um privilegio, já que outro meio milhão de extra comunitários nascidos em Itália não têm direito à cidadania italiana. Segundo a lei em vigor, só são italianos os que têm sangue italiano, e não sempre, porque também há distinção entre homens e mulheres na hora de aplicar o princípio do ius sanguinis.
Os estrangeiros que nascem na Itália, segundo a Lei de Imigração Bossi-Fini, só podem ficar no país ao cumprirem os 18 anos por razões de reagrupamento familiar ou se têm uma autorização de trabalho ou de estudos. Os demais, em teoria, não podem ficar porque não são italianos. Estão no limbo e são tratados como cidadãos de segunda no país onde nasceram, estudaram e cresceram.
Mas já se sabe que os futebolistas são diferentes e por isso Balotelli, igual que Stefano Okaka, dianteiro centro do Roma, foi nacionalizado de forma automática.
A muitos italianos que não são do Inter deve-lhes parecer mal. Os gritos racistas contra ele são frequentes quando a equipa, que lidera a Liga à vontade, joga fora de casa. Balotelli tem fama de não se enrugar e de responder com golos e um ponto de chulearia às provocações do público e dos jogadores contrários.
No sábado, quando já tinha explorado o fervor racista, marcou o golo do Inter. Ontem, Massimo Moratti, petroleiro e presidente do clube, disse que, se ele tivesse estado em Turim, teria retirado a equipa. O Juventus já pediu desculpas. O árbitro estava desculpado porque o regulamento só obriga a deter as partidas se há pancadarias racistas, não quando há gritos.
A federação disse ontem que cambiará o regulamento e que desde agora as partidas se poderão parar não só por pancadarias, senão também por gritos. O seu presidente, Giancarlo Abete, expressou a sua firme condenação pelo sucedido, deixou cair que Balotelli não respeita suficientemente os contrários e concluiu: "A Itália não é a espuma do mundo".
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