domingo, 12 de abril de 2009

Trágica recordação: 15 anos do genocídio do Ruanda


Milhares de mortos numa reedição da guerra civil entre tutsis e hutus no Ruanda
Estados Unidos e Canadá decidem evacuar os seus compatriotas no país africano

LL. BASSETS / AGÊNCIAS – Bruxelas / Kigali – 09/04/1994

As Nações Unidas acabam de colher um novo e terrível fracasso no Ruanda, onde os 2.500 capacetes azuis desdobrados para impedir a reedição da guerra civil não conseguem evitar que se desate uma espiral enlouquecida de crimes e pilhagens. Dez soldados belgas, 22 religiosos, numerosos nativos que trabalhavam como cooperantes, toda a classe política ruandesa e quase todas as personalidades da oposição democrática foram assassinados. O país sumiu-se no caos mais absoluto. Segundo a Cruz Vermelha e os Médicos sem Fronteiras, os mortos são já vários milhares. Sem dúvida, o Conselho de Segurança anunciou ontem que conseguiu um cessar-fogo entre as facções em luta e o estabelecimento de um Governo interino.

Um acordo de paz de apenas oito meses

O Conselho de Segurança estudou ontem as propostas do secretário-geral da ONU, Butros Butros-Gali, de reforçar os capacetes azuis na zona e evacuar os estrangeiros. A força das Nações Unidas é composta por soldados do Gana, Bangladesh e Bélgica, estes últimos em número de 450, e desdobrou-se desde Março de 1993. Os Estados Unidos ordenaram ontem aos seus cidadãos que abandonem o Ruanda e pôs em prática planos para proceder à sua evacuação. Canadá adoptou a mesma medida. Bélgica, o país que conta com maior número de residentes estrangeiros no Ruanda, e França, preparavam-se também ontem para evacuar os civis, incluso mediante uma acção militar de urgência. Um Boeing 737 da Sabena, as linhas aéreas belgas, saiu ao meio-dia de Entebbe, no vizinho Uganda, com o objectivo de estabelecer uma ponte aérea para recolher a população civil. Oitocentos pára-quedistas estavam preparados para partirem, à espera de ordens do Governo belga, que manteve ontem uma sessão de urgência. Uns 1.500 belgas, na sua maioria cooperantes, vivem no pequeno país centro africano.

Um sub-oficial francês e a sua esposa foram assassinados ontem na sua casa em Kigali, segundo a Radio France Internacional. As suas mortes somam-se às de dez capacetes azuis belgas, que acompanhavam a também assassinada primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana, eliminados na quinta-feira nos primeiros enfrentamentos. Outro capacete azul encontra-se desaparecido.

Os combates, que começaram na capital depois do assassinato dos presidentes do Burundi e do Ruanda, na passada quarta-feira, estenderam-se a outras cidades. Ainda que os combates tenham como protagonistas as forças da Frente Patriótica do Ruanda (FPR), pertencentes à etnia tutsi, por um lado, e da guarda presidencial, da etnia hutu, por outro, acompanham-se de numerosos ajustes de contas e matanças de civis. Ambas as forças se encontram fortemente armadas e contam com artilharia pesada, que ontem esteve em acção na capital, Kigali. Um delegado local da Cruz Vermelha falou ontem de que os mortos "não são várias centenas, são vários milhares".

Desaparece a elite política

As forças rebeldes tutsis, 600 soldados muito bem apetrechados e treinados estavam acantonadas próximo do Parlamento, separadas do Exército governamental pelos capacetes azuis. Depois da morte do presidente, a sua guarda presidencial lançou-se à caça dos partidários da transição democrática, enquanto as forças tutsis se punham de novo em acção.

Toda a elite política do Ruanda desapareceu em poucas horas, vítima das execuções sumarias. Os assassinatos perpetraram-se sistematicamente, a partir de listas previamente preparadas pelos militares, que buscavam as vítimas nos seus domicílios. Numerosos cidadãos ruandeses que trabalhavam como colaboradores de organismos internacionais foram assassinados. A violência dirigiu-se também contra os religiosos locais, onde se contam já 22 vítimas.

Rádio Mil Colinas, inspirada nos sectores hutu mais autoritários, faz campanha contra a Bélgica desde há meses, respondendo aos pontos de vista da guarda presidencial, contrária à presença de capacetes azuis. Não é portanto estranho que o comandante do contingente belga, tenha dito ontem que não considera necessária a presença de mais tropas para assegurar a evacuação de civis.

Há calma total no Burundi, onde a população está aterrorizada pelos acontecimentos no Ruanda e pela desaparição do seu presidente, a segunda em meio ano. O anterior, Melchior Ndadaye, foi assassinado em 21 de Outubro passado e sucedeu-lhe o falecido Cyprien Ntaryamira.

EL PAÍS

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