Maputo (Canalmoz) - Num relativamente curto espaço temporal de duas décadas, dois acontecimentos de extraordinária importância marcarão a história da humanidade: o desmoronamento do império soviético, em 1991, e os levantamentos dos povos árabes em curso no norte de África e no Médio Oriente. Ambos com um denominador comum: regimes totalitários no poder que caem pelas bases. Os tiranos que já tombaram – ou que estão em vias de saltar do poder – têm também algo em comum. Reclamam governar em nome das bases e alegam sistematicamente que vão às bases para se inspirarem na acção governativa. Oprimem, roubam e vigarizam em nome das bases. Quem os contesta é descrito como não possuindo base social de apoio, de estar a soldo de interesses estrangeiros – “mãozinha externa”; não terem ideologia e agirem sob a influência de substâncias psicotrópicas como alega o coronel-terrorista líbio, Muammar Kadhafi. Essa não é uma linguagem desconhecida no nosso país. Testemunhámo-la quando patriotas moçambicanos se batiam pelo fim de uma cópia fiel do que por essas paragens a Norte ainda prevalece ou prevaleceu a Leste. Cá dentro, entre nós, também não existia oposição – apenas “instrumentalizados” ou “saudosistas” do colonialismo. Linguagem de algozes!...
Ainda por cá andam esses que agora vêem, assustados, os seus camaradas de outras latitudes serem varridos pelos ditos seus “maravilhosos povos”.
A par da repressão violenta que neste momento ocorre na Líbia, os levantamentos dos povos árabes deixam também transparecer outras amargas realidades. Assistimos a uma comunidade internacional manietada por interesses de ocasião e a uma atitude passiva de instituições mundiais que, por regra, deviam intervir atempada e decididamente se a sua prática fosse coerente com o que passam a vida a repetir: Democracia, Direitos Humanos.
Quando muito, acenam-nos com paliativos, como ficou demonstrado numa recente sessão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou com medidas cosméticas enunciadas pelo líder da mais poderosa democracia do planeta e que era a esperança dos povos oprimidos. No fundo, uns e outros preocupam-se mais com a segurança dos seus interesses estratégicos, financeiros e económicos. Os povos que aguardem, que morram… é a cínica mensagem que fica!
Em vez de cortarem todas as saídas ao tirano líbio, encostando-o à parede com um simples fechar da torneira que jorra petróleo para os mercados internacionais, ameaçam-no com cortes nos fornecimentos de armas – depois de lhas terem fornecido. São essas mesmas armas que estão a ser usadas na repressão de manifestantes pacíficos em Misrata, Sabrath ou Sabha, na Líbia.
Isto é apenas uma parte das incongruências do Ocidente do dito mundo livre. Acaba por ser com armas compradas pelos ditadores, a quem defende os Direitos Humanos, que os Direitos Humanos de povos que se querem libertar estão a ser espezinhados.
É petróleo a ser trocado pelo direito de oprimir.
Vêm depois dizer ao mundo que congelaram as contas bancárias do ditador, como se a oligarquia corrupta acoitada sob uma tenda em Bab al-Aziziyah tivesse tido a leviandade de esconder o produto do saque nos cofres da polícia.
Kadhafi já tinha dado sinais da sua índole, mas começaram por reabilitar aquele que havia mandado assassinar friamente cidadãos de quase todos os países membros do Conselho de Segurança que seguiam a bordo de uma aeronave civil.
Pela mão desses mesmos círculos que hoje querem fazer-nos crer que só agora se aperceberam da têmpera de Kadhafi, perante o olhar incrédulo de familiares e amigos dos que tombaram em Lockerbie, o pirata do ar entrou pelos salões da Zona Euro, exibiu-se na New York Plaza, no meio de calorosos abraços de Blairs & Berlusconis, enquanto outros estendiam-lhe a mão. Como aqui se diz, “estamos juntos!”
Este comportamento cínico dos políticos do Ocidente que se pretendem defensores da liberdade, é um mau sinal para os povos da África mais a Sul que continuam à mercê de regimes que nunca primaram pela transparência e pela decência, nem pelos direitos humanos e muito menos por eleições que legitimam mesmo sabendo que foram um “esterco” de desrespeito pelos mais elementares princípios democráticos.
Em Abidjan, na Costa do Marfim, um político batoteiro recusa aceitar o veredicto popular, mesmo que isso signifique lançar o país no caos e na miséria, com o inevitável cortejo de mortos e estropiados. É este o cenário que temos de enfrentar no nosso continente? Será que continuaremos a assistir aos mesmos paliativos quando novos plebiscitos se realizarem sob a aparência de jogo limpo?
Os povos estão a chegar à conclusão, felizmente, que devem agir para mudar. E infelizmente chegaram à conclusão que é mesmo preciso empurrar para que o Mundo mude e avance, e a Liberdade com responsabilidade chegue finalmente.
Moçambique e as parecenças com a Líbia, Tunísia, Egipto & Company
Da mesma maneira que as lideranças de vários países do Magreb e Médio Oriente se apoderam ou apoderaram da riqueza dos respectivos territórios para proveito próprio, fingindo governar, mas subtilmente mantendo o nível de educação formal muito baixo e evitando a todo o transe a profissionalização dos cidadãos, os povos entenderam perfeitamente que a sua primeira grande opção de luta era auto-formarem-se para depois assumirem o poder. Ainda que formados têm estado continuamente a serem atirados para o desemprego e a serem subalternizados por quem tem armas numa mão e a cátedra de analfabetos na outra.
Em Moçambique os sucessivos governos têm estado a iludir o povo. Promessas não cumpridas enquanto as elites engordam é o que se tem visto.
As elites enriquecem cada vez mais, não só em termos de controlo das riquezas minerais, do controlo de amplas áreas de terra arável fértil e da manipulação da pobreza, como bem constatou o professor doutor Castel-Branco quando alertava há dias que “a pobreza é rentável em Moçambique”, como agora até o FMI já o admite.
É afinal a elite política a fazer dinheiro à custa dos doadores que dão para os pobres mas acaba tudo nos bolsos dessa mesma pequena elite arrogante e predadora. É a tal elite que de “PARPA” (Plano de Acção para Redução da Pobreza Absoluta) em “PARP” (Plano de Acção para Redução da Pobreza) vai-nos PA(R)PANDO como fizeram as elites do Magreb e do Médio Oriente com os recursos naturais. Os povos daqueles territórios estão a por fim ao PA(R)PANÇO com manifestações e está-se a ver quem falando todos os dias de paz, na hora da verdade perde o verniz e ataca com grande potencial bélico os seus próprios compatriotas. Lá como cá a música para entreter e manter os povos distraídos é sempre a mesma: “o nosso maravilhoso Povo”… Lá como cá a mesma treta: sistemático impedimento de manifestações cívicas, controlo de internet e de sms, balas reais em cima do Povo para depois cantarem: “o povo gosta de mim”… (Canalmoz / Canal de Moçambique)
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