segunda-feira, 14 de março de 2011

Quando mais depressa os portugueses abandonassem Moçambique mais rapidamente os “moscovitas” tomariam controlo da situação como se verificou.


Canal de Opinião. por Noé Nhantumbo. Assaltaram o Estado, esgalharam o seu aparelho,desvirtuaram a sua natureza. Agora criaram mais um apêndice, a “Associação 8 de Março”…

Beira (Canalmoz) - Não tenhamos peneiras em afirmá-lo pois não passa da verdade. A ‘Associação 8 de Março’ recentemente criada é mais uma daquelas organizações democráticas de massas filiadas e superiormente geridas pela Frelimo. Um esforço de moçambicanos que até nem tinham ideologia alguma foi mais uma vez apropriado por um partido que se pretende omnipresente e omnipotente. As manobras do passado estão sendo recuperadas na actualidade embora com uma nova pintura. Clama-se por inclusão para esta nova associação mas sabe-se à partida que só os que alinham abertamente com as directrizes e directivas do partido no poder é que terão espaço de manifestação nela. Ao dizermos isto não estamos inventando nada. É o modus vivendi e o modus operandi de todas as organizações criadas nos “sovacos” da Frelimo.
Só quem se esquece rapidamente ou sofre de amnésia grave é que pode acreditar numa Associação como a “8 de Março” como forma democrática de manifestação. Aqueles que constituem a sua direcção sabem e tem a experiência de que para qualquer coisa é preciso consultar os órgãos apropriados do partido. O centralismo democrático de ontem ainda não é defunto.
Não se pode negar a necessidade de um “chamamento da pátria” para que jovens e outras camadas sociais se entreguem e realizem determinadas tarefas num contexto histórico determinado. Só que uma coisa é chamamento da pátria e outra bem diferente é criar as condições para que haja um abandono repentino e estrategicamente organizado de uma grande parte da força de trabalho existente num país para dar lugar a implantação de um sistema de organização do aparelho do estado que não sofresse oposição. A tese de que forças anti-independência eram fortes e que se impunha estabelecer um controle total de tudo e todos para assegurar que a independência não sofresse percalços está em sintonia directa com o que os “controladores” dos países socialistas e de orientação marxista-leninista queriam e desejavam em Moçambique independente. Quando mais depressa os portugueses abandonassem Moçambique mais rapidamente os “moscovitas” tomariam controlo da situação como se verificou. Devido a uma cooperação profunda com os comunistas e socialistas portugueses que negociaram o Acordo de Lusaka foi relativamente fácil impor uma situação que facilitasse a instalação de fortes contingentes de cooperantes provenientes da ex-URSS e seus satélites europeus e cubanos. Era efectivamente uma situação de transferência de teatro operacional da Guerra-Fria para as costas do Índico. A ex-URSS alargava de maneira efectiva sua zona de influência.
Os portugueses largavam o peso do fardo das colónias e em contrapartida a URSS implantava-se. Era necessário proceder à limpeza do terreno e isso significava que Portugal tinha que se preparar para receber uma avalanche de portugueses que residiam e trabalhavam em Moçambique.
Falar de estatísticas que realmente são verdadeiras não explica completamente as razões para o êxodo dos portugueses que se verificou. Se foram embora os portugueses também moçambicanos que haviam trabalhado como funcionários no aparelho de estado colonial caíram na desgraça e se viram reprimidos e catalogados de saudosistas, agentes do imperialismo e exploradores do povo. Era fácil e conveniente desmontar toda a máquina administrativa existente naqueles dias para abrir campo para a implantação do que consideravam um modelo superior de organização do Estado.
Mas nem a ofensiva de cooperação e de assistência técnica prestada pelos países ditos socialistas se revelou suficiente para tapar os buracos e conferir aquela dinâmica burocrática que caracteriza os países com estabilidade governativa. Moçambique que antes era relativamente desenvolvido nas áreas económicas viu-se reduzido a país recipiente de tecnologias obsoletas e de consumidor de importações provenientes dos países do COMECOM.
Foi naqueles dias que nasceu a crise na Educação pois o vazio de professores qualificados se mostrou fatal para o sistema de ensino. A qualidade dos alunos e seu aproveitamento académico deixou de ser considerado o mais importante e começaram a aceitar-se estatísticas quantitativas no lugar de qualidade. Adoptou-se uma reforma curricular que nunca mais teve tempo de amadurecer e ganhar raízes. Promoveu-se a incompetência em muitos sectores vitais e como consequência a regressão económica tornou-se uma realidade indisfarçável. Qualquer moçambicano que tivesse conotação com o partido no poder se sentia com direitos especiais e podia muito bem determinar o presente e futuro de seu compatriota. Foram tempos muito difíceis e triste memória. O estado policiado tornou-se realidade e alguns dos “palestrantes” de hoje eram activos dirigentes das máquinas postas a funcionar para controlar os moçambicanos.
O desprezo pela experiência e conhecimentos detidos por pessoas que não fugiram ou abandonaram o país revelou o tipo de postura que a nova administração possuía.
Se agora aparecem proclamando aos quatro ventos de que a história exigiu certas decisões e que muito do que foi feito realizou-se em estrita observância de preceitos para aquela situação específica, somos parte daqueles que consideram fundamental analisar friamente as coisas e não aceitar tudo no mesmo saco.
O cinismo e arrogância sempre demonstrados por certos “camaradas dirigentes” não podem ser entendidos como parte de uma decisão apropriada para lidar com uma situação como a de 1977 ou de 1984. A limitação do direito de opinião e expressão a que se tiveram de submeter milhões de moçambicanos não pode ser interpretada como uma forma de defender a pátria recentemente liberta. A privação de liberdade, o encarceramento e condução para os chamados campos de reeducação de milhares de moçambicanos porque alegadamente eram reaccionários, desempregados ou prostitutas não explica porque os quadros portugueses abandonaram o país. Nem a tese de que “não queriam ser governados por pretos” é para aqui chamada ou de alguma verdade.
É preciso reconhecer que é de louvar o papel desempenhado pelos “jovens do 25 de Setembro” na sua entrega à luta anti-colonial mas por outro lado não deixa de ser verdade que esses mesmos jovens foram estrategicamente utilizados pelos seus “mentores” para a realização de agendas que jamais imaginaram ou que talvez muito poucos dentre eles algum vez souberam. É preciso prestar atenção a vozes como as de Marcelino dos Santos quando por vezes diz que “ele” é a Frelimo. Dá para entender que nem todos os que se dizem membros da Frelimo tem um conhecimento pleno da sua história e de alguns contornos que a sua luta teve. Quando Mariano Matshinha avança que alguns aspectos do Acordo de Lusaka permanecem secretos por decisão dos negociadores de ambas as partes, estamos em presença de elementos que permitem concluir que há muita coisa efectivamente escondida. Ao público, aos cidadãos, como se de crianças se tratasse e por considerações alegadamente relacionadas com a segurança e estabilidade, não se permite que saiba de determinadas combinações efectuadas em seu nome. Que isso é perigoso já todos tivemos a oportunidade de sentir. Essa mania de catalogar como segredo é a maneira mais fácil de controlar os outros e os recursos dos outros ou de todos. Assim se torna possível negociar com vantagens e com conhecimento prévio das coisas e das agendas na mesa. Assim se explicam as facilidades que são dadas a alguns portugueses e não a outros na implantação de seus projectos de investimento em Moçambique nos dias de hoje.
Não é por acaso que Almeida Santos é o chefe do looby português em Moçambique. Afinal ele foi um dos participantes nas negociações de Lusaka e depois desempenhou a pasta de ministro para a Coordenação Inter-Territorial de Portugal naqueles anos de crise, se não estou em erro.
Nada é linear e nem tudo se faz como possamos pretender. A correlação de forças, factores endógenos e exógenos interferem nas políticas e decisões que se tomem. A história não é imaculada ou feita por puristas ou puritanos. Não se pede que os “palestrantes” de ontem e de hoje abrigados em seu partido mudem a sua maneira de ser ou que se rebelem contra seu partido. Só queremos manifestar o nosso firme desacordo na utilização abusiva de fundos do erário público para a criação de mais uma organização para defender a supremacia da Frelimo em Moçambique.
Quanto aos corpos directivos eleitos ou nomeados auguramos e desejamos bom trabalho e que sobretudo saibam ganhar a confiança dos jovens do 8 de Março. Dependerá de vós distanciarem dos ditames partidários e tornarem-se numa organização abrangente e de interesse nacional ou serem uma “mascarada” de organização determinada em “dividir para reinar”.
A agenda nacional de hoje como a de ontem ultrapassa os meros objectivos partidários e importa que se abandonem aquelas pretensões de pureza de intenções e procedimentos que alguns dos “mentores” de organizações como a de 8 de Março se arvoram possuírem.
Humildade, responsabilidade e verdadeiro amor à pátria superam falsos protagonismos e mania de aparecer em “todas”.
Compreender as circunstâncias daqueles tenebrosos dias de “8 de Março” exige que se estude e se analisem os factos de maneira desapaixonada.
Foi uma emergência nacional ou foi antes uma conspiração e maquinação dos agentes de Moscovo para dominarem definitivamente a situação em Moçambique? Foi simplesmente mais uma intervenção de uma liderança que tinha exagerado nos seus esforços de normalização governativa de seu país ou foi um reconhecimento tácito de que se havia falhado no modelo adoptado e aconselhado? De repente se viram confrontados com uma situação que não tinham meios humanos para controlar e decidiram que o caminho era recrutar os jovens e colocá-los sob o controlo directo dos seus homens de confiança? O que realmente foi aquela declaração do 8 de Março?
Espero que não me apareça alguém catalogando minha posição de saudosista ou de um adepto da teoria de conspiração. Sou simplesmente um moçambicano que já foi enganado pelos “palestrantes” de ontem e que não vai concerteza aceitar que o obriguem a repetir a dose… (Noé Nhantumbo)

Imagem: rotamogiana.blogspot.com

1 comentário:

Calcinhas de Luanda disse...

Pois!
Ah! Mas em Angola foi diferente!
Era só boa gente, pelo menos quando comparados com os colonos, é claro!
A História está cá para confirmar.