OS PAÍSES DESENVOLVIDOS CONTINUAM A TER EMPRESAS PARAESTATAIS
Quem não cuida de si próprio vive em sobressaltos…
Beira (Canalmoz) – A economia mundial está em crise e os países com menos recursos aguentam ou suportam um fardo desproporcional. Num arranjo ou concerto de fortes regras do relacionamento político-económico estão de tal maneira elaboradas que ganha sempre o mesmo num combate completamente desigual.
Canal de Opinião
por Noé Nhantumbo
Os organismos multilaterais que dirigem as finanças internacionais são a cara da dominação mundial por um grupo de países que acontece serem os mesmos que venceram a última guerra mundial.
Com sistemas liberais económicos instalados estes países acordaram entre eles todo um conjunto de regras que lhes permitem aceder a recursos e utilizá-los em seu benefício.
Naquilo que é considerado de interesse estratégico todos estes países possuem acções do Estado em todas as esferas de produção. Desde ao fabrico de sistemas de armas ao aprovisionamento de petróleo e alimentos seus governos têm uma palavra a dizer. Muitas vezes as investigações e pesquisas de topo e que envolvem grandes concentrações de recursos são inteiramente pagas pelos governos e depois os resultados apropriados pelas corporações privadas. Existe um forte sentimento de que para se manterem à frente dos outros há que reservar fundos para a pesquisa e que sectores chaves para a defesa nacional têm de estar completamente sob controlo governamental.
Assim embora a Boeing seja uma corporação privada ela vive substancialmente dos contratos que possui com a Força Aérea americana e outros departamentos das forças armadas daquele país. Mesmo o seu ramo de produção de aeronaves civis conta com um amplo apoio do governo americano.
Na França os aviões de guerra são produzidos por um consórcio em que participa o governo francês.
Na Inglaterra e noutros países o mesmo acontece em diversas esferas da produção de bens julgados estratégicos e de interesse nacional.
Quando o governo dos EUA foi em socorro da General Motors e de bancos e outras empresas daquele país em plena crise financeira internacional não se ouviu nenhum executivo do Banco Mundial ou Fundo Monetário Internacional manifestar-se contra aquela intervenção.
Quando se sabe que a maior parte da produção chinesa comercializada internacionalmente desde brinquedos a veículos é feita por empresas estatais, do exército daquele país ninguém se manifesta contra.
Todo este historial tem a ver com a situação de países como Moçambique que à boleia do BM/FMI enveredaram por políticas de liberalização selvagem de suas economias e agora se vêem abraços com crises em todo o seu sistema produtivo. Mesmo naquilo em possuíam vantagens comparativas agora não passam de importadores ou vendedores de ‘comodidades’ minerais ou agrícolas em bruto. A apetência ou corrida aos créditos que as instituições multilaterais prometiam levou-lhes a hipotecar os fundamentos económicos de seus países. Ignorando as dinâmicas e as causas de seus problemas correram pelo dinheiro e agora estão simplesmente sufocados de dívidas e seu valor ou índice creditício não para de descer.
Enquanto seus conselheiros e assessores internacionais se preocupam com stocks de alimentos e procuram a todo o custo garantir que não haja dependência nos produtos essenciais da parte de governos como o de Moçambique só vêem lamentações e exclamações relacionadas com a provável subida dos preços do petróleo no mercado internacional e suas consequências para a economia nacional. Os governos não são proactivos nem possuem agendas que signifiquem disposição de encontrar soluções para os problemas de seus países.
Vamos utilizar Moçambique como exemplo sobre o que se passa no domínio agrário. Este país possui tudo para ser auto-suficiente e exportador de produtos agrícolas mas na actualidade é deficitário até em tomate e cebola. Cronicamente dependente de importação de trigo e cevada quando muito bem poderia produzir uma larga parte das suas necessidades. Onde está o obstáculo principal para que algo de interessante aconteça neste país? Porque não se aproveitam os recursos existentes? Pelo que tudo indica quem governa não conseguiu até aqui situar-se nesta área específica da economia e o que faz é por impulsos externos. Houve a febre do tabaco nalgumas províncias e destruíram-se pomares de citrinos para semear tabaco. Agora importam-se citrinos dos países vizinhos. Semeou-se jatropha numa corrida desenfreada contando com exportações fabulosas para os consumidores do primeiro mundo. E pelos vistos ainda ninguém ganhou um chavo com mais fruto de uma “revolução verde” de gabinete.
Quem se pretende governo deve possuir uma agenda estratégica e uma visão do mesmo tipo. O que é estratégico e vital para o país não pode ficar refém da especulação reinante no mercado de futuros tanto em alimentos como em energia. Quem governa com senso e transparência é capaz de aglutinar conhecimentos e experiência cruciais para a elaboração de planos que vão de encontro com a realidade e que ajudam a resolver os problemas existentes.
Não se pode dizer não à cooperação internacional nem as instituições de Bretton Woods mas pode-se construir capacidade interna de produção e armazenamento dos stocks vitais de que o país necessita. Se os outros constituem joint-ventures entre governo e privados porque não pode o governo de Moçambique juntar esforços e meios e estabelecer empreendimentos agrários de grande porte para intervir na produção e comercialização? Isso decerto que não está proibido. Não que o governo vá produzir. Ele só teria que fomentar de modo prático a produção envolvendo empresas de preparação de terras, empresas de assistência técnica que contariam com participação financeira do estado. Aqueles dinheiros que foram praticamente oferecidos pelo Tesouro a empresas detidas por “camaradas” poderiam muito bem ter sido utilizados para alavancar empresas moçambicanas de produção agrária e sem vínculos políticos com quem está no poder.
A produção, a batata ou o milho não tem partido nem são filiados em alguma organização democrática de massas. Agir assim é consentâneo com o interesse nacional pois os alimentos são estratégicos da mesma maneira que o petróleo. Os preços quando sobem sufocam os cidadãos e isso como se sabe é uma fonte de potenciais conflitos sociais.
Se toda a planificação que se faz no domínio da agricultura tem em vista pescar vantagens que resultem da participação deste ou daquele governante na autorização dos projectos de grande porte como o das bananas do Nampula ou alimentos de Vanduzi ou Chokwé, o país produzirá para a sua auto-suficiência. As empresas que se instalam no país com capital predominante estrangeiro tem agendas e objectivos próprios que passam por opções que nem sempre coincidem com aquilo de que o país carece.
É preciso encontrar formas diferentes de abordar a questão agrária e isso passa da vontade política de tratar de todo o dossier sem tabus nem pretensões de defesa de ideologias que já se mostram falidas, contra-produtivas e autênticos contra-sensos em relação ao sistema económico abraçado.
Produzir o suficiente para escapar às oscilações especulativas do mercado internacional requer a capacidade de juntar a experiência e conhecimentos de quem já provou que sabe, os recursos financeiros públicos e privados nacionais, a aquisição de tecnologia de ponta para o efeito, pois só assim se poderá alcançar os rendimentos que fazem a diferença nas melhores condições económicas. Já não se pode fazer intervenções na agricultura com a tecnologia dos tempos do petróleo barato.
Só um governo com integrantes que pensem todos os dias é que se poderá alterar o actual quadro… (Noé Nhantumbo)
Imagem: tvecologica.wordpress.com
Sem comentários:
Enviar um comentário