sexta-feira, 30 de março de 2012

Como afastar as nuvens de tormenta que vêm da China. Canal de Opinião por Martin Wolf


A China inicia uma transição difícil para um padrão de crescimento novo e mais lento. Eis a conclusão a que cheguei no final da edição deste ano do Fórum de Desenvolvimento da China, em Pequim.

Pretória (Canalmoz) – Tudo aponta para que seja também uma transição política e uma transição económica, cuja interação será particularmente complexa. O sucesso económico da história recente da China, sob a batuta do partido comunista, não garante igual êxito no futuro.
O leitor não tem de acreditar em mim, mas deve confiar nas palavras que o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, proferiu a 14 de Março: “A reforma na China chegou a um ponto crítico. Se a reforma política estrutural não for bem-sucedida, nunca poderemos instituir uma reforma económica estrutural. Os ganhos que obtivemos com a reforma e o desenvolvimento correm o risco de perder-se. Os novos problemas que surgiram na sociedade chinesa não serão solucionados e poderá repetir-se uma tragédia histórica como a Revolução Cultural”.
Estas questões políticas são extremamente importantes, mas a transição económica será, por si só, suficientemente difícil. A China está a chegar ao fim daquilo que os economistas designam por “crescimento extensivo”, estimulado pelo forte aumento dos fatores capital e trabalho. É tempo de avançar para o “crescimento intensivo”, que se caracteriza pelo desenvolvimento de competências e de tecnologias.
Entre outras consequências, assistiremos a uma descida abrupta da taxa de crescimento face à média anual, que rondou os 10% nos últimos 30 anos. O crescimento extensivo vai dificultar esta transição devido, em particular, à extraordinária taxa de investimento e ao facto de o país depender grandemente do investimento como fonte de procura.
A China deixará em breve de ser um país com excedente de mão-de-obra, tendo como referência o modelo de desenvolvimento de Sir Arthur Lewis, prémio Nobel de Economia em 1979, segundo o qual o rendimento de subsistência de mão-de-obra excedentária na agricultura definia um tecto salarial baixo no sector moderno, tornando-o extremamente rentável. Se os lucros elevados forem reinvestidos, como acontece na China, o crescimento do sector moderno e, consequentemente, da economia, será especialmente alto. Contudo, a dada altura haverá menos trabalho na agricultura, daí resultando um aumento nos custos do trabalho no sector moderno. A margem de lucro é esmagada e as poupanças e investimento registam uma forte quebra à medida que a economia se torna mais madura.
A China de há 35 anos era uma economia com excedente de mão-de-obra.
Hoje em dia já não é assim. Em parte porque o crescimento e a urbanização foram muito rápidos: desde o início da reforma, a economia chinesa cresceu 20 vezes em termos reais. Metade da população é urbana e a taxa de natalidade baixa, o que significa que a população em idade activa (15-64) vai atingir o pico de 996 milhões em 2015. Cai Fang, da Academia Chinesa de Ciências Sociais, assina um artigo onde diz que “a escassez de mão-de-obra é cada vez maior em todo o país desde o êxodo para as cidades costeiras, em 2004. No ano passado, a indústria transformadora deparou-se, pela primeira vez, com dificuldades universais e sem precedentes no recrutamento de mão-de-obra”. O artigo também realça as consequências deste fenómeno, como o aumento dos salários reais e o esmagamento das margens de lucro.
A China está neste momento no ponto de viragem Lewis. Uma das consequências deste estádio é que, a uma dada taxa de investimento, o rácio capital/trabalho aumenta mais rapidamente enquanto o retorno também diminui mais rapidamente. Com efeito, antes do ponto de viragem Lewis já havia sinais evidentes do aumento de intensidade do capital.
Na opinião de Louis Kuijs, ex-economista do Banco Mundial, o contributo da subida do rácio capital/trabalho para uma maior produtividade (por oposição ao contributo de uma maior “produtividade total dos fatores” (TFP), ou produtividade geral) passou de 45% entre 1978 e 1994 para 64% entre 1995 e 2009.
Isto tem de mudar. O crescimento da China tem de ter por base o aumento dos TFP, que irão sustentar os lucros, e não a subida do rácio capital/trabalho, que conduzirá a uma quebra nos lucros, em particular agora que os salários reais estão a aumentar rapidamente. É desejável que os lucros diminuam ligeiramente, dada a má distribuição do rendimento, no entanto, não é desejável uma redução excessiva sob pena de lesar o crescimento potencial.
A dificuldade da transição para o crescimento assente no progresso tecnológico é uma das razões pelas quais muitos países caíram na chamada “armadilha do rendimento médio”. A China, atualmente um país de rendimento médio, ambiciona tornar-se um país de rendimento elevado até 2030. Isso implica reformas profundas, as quais foram elencadas num relatório recente elaborado pelo Banco Mundial e pelo Development Research Center of the State Council(*). Essas reformas iriam afectar adversamente os direitos adquiridos, designadamente na administração local e nas empresas estatais. É por esta razão, entre outras, que Wen Jiabao considera as reformas políticas fundamentais.
O maior desafio a longo prazo da China é, precisamente, implementar reformas difíceis para sustentar o crescimento nas próximas duas décadas. Para lá chegar terá de confrontar-se com os riscos a curto prazo de um ‘hard landing’, como sublinhou Nouriel Roubini, da Stern School of Business, de Nova Iorque, por ocasião do já referido Fórum.
A meta de crescimento anual do governo chinês é de 7,5% para este ano e de 7% durante o período do actual plano quinquenal. O abrandamento parece inevitável, no entanto, à medida que o crescimento abranda, a necessidade de taxas de investimento extraordinários tenderá igualmente a diminuir.
Passar de uma taxa de investimento de 50% do PIB para uma taxa de 35% sem mergulhar numa recessão profunda implica um aumento substancial do consumo. Pequim não tem soluções fáceis para promover esse crescimento, daí que a resposta à crise passe por mais investimento.
Acresce que a China se tornou extremamente dependente de investimento na área da construção: nos últimos 13 anos, o investimento na habitação cresceu a uma taxa anual de 26%. Doravante, porém, não poderá manter-se nestes níveis.
É possível que Pequim consiga gerir a transição para um novo padrão de crescimento económico. O país tem potencial para isso, mas os desafios desse ajustamento serão gigantescos. Muitos países de rendimento médio fracassaram. Porém, os êxitos passados da China abonam a seu favor.
Tal como o facto de os líderes chineses não serem dados à auto-satisfação.

(*) China 2030, www.worldbank.org

(Martin Wolf, colunista do Financial Times, in Diário Económico, em 23 de Março, com a devida vénia do Canalmoz)

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