sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Editorial – 1. A maioria qualificada real desqualificou a “maioria qualificada” virtual


Maputo (Canalmoz) - Depois do 05 de Fevereiro de 2008, que abalou Maputo e outras grandes áreas urbanas do País, o Povo voltou a protestar. Falou, falou, falou, ninguém o quis ouvir, até que teve de dar nas vistas para os autistas não continuarem a ignorar quem já partiu o cinto de tanto o apertar. Não foram os “sem rosto”que se rebelaram. Foi o Povo! Foi a “Maravilhosa” maioria qualificada real que respondeu ao silêncio da chamada “maioria qualificada” – a virtual – que se esqueceu que há mais moçambicanos que não podem esperar mais por pão para a boca e estavam incapazes de se conterem.
Nós há muito que vínhamos avisando. Nem de propósito voltámos a avisar, em Editorial, na nossa última edição de quarta-feira 01 de Setembro (impressa de véspera), cuja distribuição foi afectada pelas manifestações e por isso só chegou às mãos dos leitores na sexta-feira 03 de Setembro.
Esses últimos acontecimentos violentos de 01 e 02 de Setembro, que paralisaram completamente as cidades de Maputo e Matola – o chamado ‘Grande Maputo’ – vieram mais uma vez provar a importância do diálogo como via privilegiada para se revolverem disputas.
O governo voltou a dar provas de que prefere o confronto. Assim abriu caminho para a violência se instalar. Mandou as forças policiais abrirem fogo sobre os manifestantes. Fizeram-no com balas reais. Vimos povo a matar povo. Vimos esfomeados a balear esfomeados. Ficou o luto, as feridas, os novos heróis. O Povo continua com fome. Mas parece que finalmente o Conselho de Ministro abriu os olhos e rendeu-se aos governados. Fez-se luz na cabeça dos senhores que precisaram de fomentar a desordem com o seu autismo para que as soluções fossem avaliadas e encontradas. Mais uma vez foi preciso o povo encostar o Governo à parede.
Até dentro da própria Frelimo, o partido no poder, havia muita gente a celebrar o entalão que o Povo deu ao seu presidente Armando Guebuza e seu governo. Imperava o cinismo. O Governo rendeu-se. Ficou uma vez mais provado que o Povo sempre vencerá.
Esqueceram-se mais uma vez, certos senhores que se julgavam donos e senhores absolutos de Moçambique, que o País não pode voltar a ser palco de violência.
Contudo, foi necessária violência para acordarem.
Defendíamos e defendemos que é preciso financiar o Povo e deixar funcionar a economia.
Entendemos que as medidas anunciadas são um bom começo, mas ainda não são a solução.
É preciso reduzir os impostos para se alargar efectivamente a base tributária.
É preciso acabar-se com o compadrio. É preciso pôr-se termo ao nepotismo.
É preciso acabar a protecção à fuga ao fisco pelos ‘empresários’ do regime.
É preciso mandar parar a compra desenfreada de viaturas de luxo para os senhores ministros, magistrados e quejandos do aparelho de Estado e institutos públicos.
É preciso acabar com os meninos do regime a alienarem bens do Estado a torto e a direito.
É preciso pagar melhor a quem trabalha.
É preciso que o trabalho dê para comer.
É preciso que se deixe de perseguir empresas que não pertencem aos que não são da ‘tal elite’.
A cegueira, a luta pelo poder, o autismo, está constantemente a levar-nos para o abismo. E foi isso que fez com que o Povo se revoltasse.
Pena que tivesse sido necessária a violência para o Governo aprender a ouvir. Só sabe ouvir à força. Porquê?
Os que só pensam nos seus próprios umbigos têm de reflectir. São eles os agitadores. Os malandros têm rosto. O povo tem rosto. Já todos sabemos quem é quem.
Como jovem nação, já pagámos um preço elevado pelo facto de uma certa formação política ter-se assumido, ao arredio dos fundamentais princípios democráticos, como força dirigente do Estado e da sociedade, vedando o acesso das demais sensibilidades políticas nacionais à coexistência e à harmonia. Reprimiram as vozes dissonantes. Suscitaram violência. Só ouviram com violência.
É preocupante que menos de duas décadas após uma tenebrosa guerra civil, voltemos a escutar vozes que fazem eco de clichés que ainda ressoam nos ouvidos de todos os moçambicanos em vários cantos desta Pátria de todos nós. São sempre as mesmas vozes do tempo em que irmãos se digladiavam pelo resgate da democracia amordaçada à nascença. São sempre os mesmos e seus pares.
Desta vez foi o ministro do Interior José Pacheco e o seu constante mau hábito de lançar achas na fogueira. Já o havia feito aquando dos tristemente célebres acontecimentos de Montepuez e de Mocimboa da Praia, quando era governador provincial de Cabo Delgado. Lá mandou matar gente. Agora voltou a mostrar a sua verdadeira face, porventura do regime e de toda uma pretensa ‘elite’ decadente, corrupta e completamente alienada, ao afirmar que os que estavam nas ruas a protestar contra a opulência e contra a carestia de vida são “bandidos, malfeitores e marginais”.
Esqueceu-se o ‘bom’ do ministro Pacheco que “pó seco” voa.
Esqueceu-se o ‘bom’ do ministro que é difícil os ‘sem pão’ entenderem os argumentos dos que esbanjam fundos do erário público com luxos extravagantes.
Esforçou-se o ‘bom’ do ministro por demonstrar a sua superioridade, mas saiu-se mal. Só deitou mais petróleo na fogueira. Tornou-se o principal responsável pelos prejuízos. Devia ter vergonha e demitir-se. Será que tem nível para isso?
A sua formação político-partidária voltou a exibir a sua mediocridade.
O país não é de um punhado de senhores.
O país somos todos nós.
Os moçambicanos são milhões.
O Povo tem face. Tem rosto e tem estômago. Tem fome.
Mais ainda: o Povo está farto de corruptos. Está cansado de quem finge que trabalha. Está farto de quem não tem soluções. Está farto de quem passa a vida a prometer coisas que nunca acontecem, que nunca se fazem.
Está farto daqueles que se esforçam por sufocar o desenvolvimento.
O Povo está farto de ver as mesmas estradas serem construídas várias vezes.
O Povo está farto de não ter estradas para escoar a produção.
O Povo está farto de ver as terras nas mãos de improdutivos.
O Povo está farto de ver serem construídas pontes sem estrada de um lado e do outro como acontece com a Ponte da Unidade recém inaugurada no Rovuma, entre Moçambique a Tanzania.
O Povo está farto de produzir para tudo depois apodrecer.
O Povo está farto de quem recorre ao fausto e à ostentação para intimidar os outros.
O Povo está farto de quem promove a exclusão.
O Povo está farta de ver o dinheiro dos impostos e dos doadores ser esbanjado em passeios político-partidários, de primeiras damas e quejandos.
Os miseráveis cansaram-se de ser ofendidos por hipócritas que vivem entranhados em alianças com o submundo do crime organizado.
Não se responde às barrigas vazias ou ao contar dos trocos quando o mês ainda vai novo, com argumentos vazios, acompanhados do estalar de mais escândalos reveladores do nepotismo implantado, desde Semlex’es aos Kundumba’s e outros pós.
Agora o Governo encontrou algumas soluções. Veremos que outras medidas mais vai tomar daqui em diante. O que se decidiu não chega. É um bom começo, mas não basta. É preciso que haja remodelações no governo. Menos ministérios. Há ministérios a mais que não servem para nada. Só servem para gastar dinheiro do Estado e acomodar incompetentes.
Por outro lado há mais Moçambique para além de Maputo à espera de outras soluções.
Faz falta também mais predisposição para o diálogo, menos obcecação pelo poder e mais democracia.

(Canal de Moçambique) 2010-09-09 07:16:00
Imagem: meiobit.com

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