Quinta, 02 Setembro 2010 06:25 Redacção
“Governo continuará a trabalhar para assegurar o retorno à normalidade”
Depois de várias horas de silêncio, enquanto os moçambicanos clamavam por uma explicação, o Chefe de Estado, Armando Guebuza, deu o rosto ao seu povo um pouco depois das 18h00, nos seguintes termos:
http://www.opais.co.mz/
“Nas primeiras horas e ao longo do dia registou-se uma agitação em algumas zonas da cidade de Maputo e Matola, o pretexto desta manifestação é a subida do custo de vida nestes dois municípios e no país. Lamentavelmente em vez de uma manifestação pacífica assistimos a manifestações que já se saldaram em óbitos e em ferimentos graves e que resvalaram para cenas de vandalismo e destruição e saque de bens.
Numa palavras aos nossos compatriotas que participam nesta manifestação estão a contribuir para trazer o luto e dor no seio da família moçambicana e para o agravamento das condições de vida dos nossos concidadãos. O governo está consciênte da situação em que vive o nosso maravilhoso povo, e situação agravada por factores externos que incluem a crise financeira e de alimentos e a subida do preço dos combustíveis.
Foi neste contexto que foram tomadas diversas medidas para conter o impacto destas crises na vida do cidadão com destaque para os subsídios aos combustíveis e para importação do trigo. Ainda neste plano o Governo tem estado a incrementar o plano de acção de produção de alimentos e de uma forma geral apertar as suas acções na luta contra a pobreza nos meios urbano e no campo, tendo registado progressos na implementação deste plano de produção de alimentos bem como no abastecimento de agua e saneamento do meio nos transportes e comunicações e na saúde e educação e na melhoria das vias de acesso.
Apraz-nos notar que estas conquistas foram resultado abnegado dos moçambicanos em particular, que também se empenham na melhoria da sua habitação e no abastecimento em produtos diversos aos seus compatriotas bem como na aquisição de viatura para uso pessoal ou para o transporte colectivo de passageiros.
Sabemos que ainda é pouco para o nível das necessidades do nosso maravilhoso povo, temos plena consciência disso, é por que continuamos empenhados na luta contra este flagelo chamado pobreza que aparece com grande destaque no programa quinquenal do governo incluíndo a sua componente urbana. É participando na implementação deste programa e não opondo-se ou destruíndo que o seu resultado que continuaremos a registar progressos na melhoria das nossas condições de vida. É por isso que é importante elevar e valorizar as nossas conquistas individuais e colectivas, neste contexto saquear uma barraca, loja ou armazém, vandalizar uma viatura ou uma residência pode parecer que represente um retrocesso apenas para o seu proprietário, meio da emoção porém, podemos esquecer que também representa um retrocesso para aqueles que dele dependiam para o abastecimento, transporte ao emprego uma lista de beneficiários que pode incluir alguns dos envolvidos nestes actos.
Destruindo mercados, estradas e outras infra estruturas sociais e económicas é atentar exactamente contra aquilo que nos tem estado a ajudar a combater a pobreza da nossa pátria amada. A observância da lei, ordem e tranquilidade públicas é também uma posição fundamental na criação de mais investimento nacional e estrangeiros que contribui para a geração de mais postos de trabalho e para dar a mais compatriotas nossos uma oportunidade para participarem de forma directa ou indirecta da luta contra a pobreza em Moçambique e para terem melhor qualidade de vida.
Compatriotas queremos exortar-vos para se manterem calmos e serenos e para não aderirem a qualquer tipo de agitação, exortamos ainda a todos os nossos compatriotas para dissuadirem os ingénios e manterem a vigilância e a denunciarem as autoridades os agitadores, e a preparação ou realização de actos que atentem conta a vida ou contra a ordem assim como contra a tranquilidade públicas. Empenhemo-nos todos no aumento da produtividade nos nossos sectores de actividade continuando assim a fazer da luta contra a pobreza a nossa agenda individual e colectiva.
Lamentamos profundamente a perda de preciosas vidas humanas e a destruição de bens públicos e privados. Apresentamos as nossas condolências as famílias enlutadas, por esta agitação que retirou do seu convivío os seus entes queridos. Estendemos a nossa solidariedade a todos os que foram afectados por estes actos”.
Sinto-me órfão... quando se chega a esta situação, nós já estamos a perder”
Quinta, 02 Setembro 2010 06:36 Redacção
O Governo devia dialogar com os manifestantes, com quem agora está na rua
Neste momento o que se pode dizer em relação ao que está acontecer?
Sinto uma certa impotência porque eu gostaria de fazer um apelo, mas quem sou eu para apelar. Apelo a quem? Que está este momento vandalizando que vai me escutar a mim, que vai deixar de fazer o que está a fazer porque algém como eu, que sou um simples escritor, vai dizer alguma coisa.
Meu sentimento é de uma grande fragilidade. Eu sinto-me órfão, no sentido em que acho que quando se chega a esta situação, nós já estamos a perder. A partir do momento em que ela inrrope, tudo o que fizemos já devíamos ter feito antes. Porque é muito difícil depois fazer a coisa certa quando ela já devia ter acontecido. O que eu quero dizer quando falo neste sentimento de orfandade, neste sentimento de desamparo, é que eu precisava como cidadão, de gente que queria sair de manhã para trabalhar ter alguma instrução, alguma orientação. Que alguém viesse das forças da ordem, da autoridade e me desse alguma instrução, como disse a doutora Alice Mabote. Sinto que existe uma ausência completa como se a greve fosse da parte do próprio Governo. Não há greve, isto que está a contecer, já disse há poucos, não é uma greve, são manifestações que depois, inevitavelmente, não só em Moçambique como também em todos os outros países é apropriado por gente marginal, por gente que nem sequer paga água e luz. Quer dizer, há muitos desses que estão a reclamar aumento de preços. É gente que vive desse lado informal do mundo, da economia. Esta situação agora é no sentido defensivo, já devíamos ter feito antes.
Neste momento, qual deveria ser o papel dos órgãos de informação?
Eu quero congratualar a STV, que mais uma vez esteve no momento certo no ar e substituiu aquilo que seriam as outras vozes, vozes do Governo, de alguém que me vai dizer a mim como cidadão. O Governo devia dialogar com os manifestantes, com quem agora está na rua... Mas eu também compreendo que haja uma certa dificuldade, mas quem é a cara quem é o rosto, quem representa esses rostos. Mas o que eu não aceito é que não haja diálogo com o cidadão comum, com este trabalhador que quer saber se pode ir ou não, porque se trabalha não sabe se volta para casa, que quer que isto se faça com segurança, (...). Essa despreparação é inaceitável.
Temos que encontrar soluções para a vida deixar de ser cara
Quinta, 02 Setembro 2010 06:34 Redacção
Ali apelou ao povo moçambicano, em particular a população da cidade e província de Maputo, muita calma
Falando a nossa equipe de reportagem que integra a sua comitiva na visita que desde esta terça-feira efectua à República Socialista do Vietname, o primeiro-ministro, Aires Bonifácio Ali, mesmo tendo sido encontrado de surpresa, mostrou se bastante preocupado com as manifestações e distúrbios que se registam desde ontem na cidade de Maputo. Ali apelou ao povo moçambicano, em particular a população da cidade e província de Maputo, muita calma. Pediu, igualmente, que este abandonasse ou não se envolvesse em manifestações e distúrbios que, na sua opinião, em nada ajudam na redução do custo de vida se não agravar a situação. “As pessoas que estão agir desta forma não estão a ajudar em nada o país, só complicam a situação. Neste momento, temos que estar com muita seriedade, muita calma e voltarmos aos nossos locais de trabalho, de residência de forma a encontrarmos soluções para os problemas. Se a vida está cara nós temos que encontrar soluções para a vida deixar de ser cara e todos temos que trabalhar e cada um assumir responsabilidades e não provocar desacatos e desordem”, apelou o primeiro-ministro, tendo acrescentado que as dificuldades que o país esta atravessar neste momento estão a registar-se um pouco por todo mundo, mas a sua solução não vem de manifestações mas sim de mais trabalho. Por outro lado Aires Ali disse que o Governo já esta a trabalhar com vista a encontrar soluções consistentes para combater a fome e o custo de vida no país, tendo referido que a sua visita ao Vietname é exemplo disso. O primeiro-ministro moçambicano encontra-se naquele país do Sudoeste asiático para prosseguir com as negociações já iniciadas pelo Presidente da República, Armando Guebuza, em Janeiro de 2007, para que os vietnamitas que actualmente ostentaram o título de segundo maior exportador mundial do arroz, possam investir em Moçambique para massificar a produção desta cultura em quantidades indústriais, para que o país deixe de depender das importações.
“A primeira medida tem que ser tomada pelo cidadão”
Quinta, 02 Setembro 2010 06:24 Redacção
"O combustível não vai baixar, nós não temos nenhum poço onde possamos ir ligar um camião cisterna para tirar petróleo"
Eu sinto-me órfão, no sentido em que acho que quando se chega a esta situação, nós já estamos a perder. A partir do momento em que ela inrrope, tudo o que fizemos já devíamos ter feito antes. Porque é muito difícil depois fazer a coisa certa quando ela já devia ter acontecido.
A minha primeira reacção é de repúdio, condenação a estes actos que em si são ilegais, violentos e que em nada contribuem para o esforço de todos os moçambicanos que estão empenhados na luta contra a pobreza. O Governo de Moçambique tem a luta contra pobreza como um objectivo a alcançar. A pobreza urbana é contemplada, tendo em conta aquilo que acontece no meio urbano e que se desenvolve no dia-a-dia, o governo tem mecanismos de interracção de diálogo com os cidadãos, este mecanismo que é liderado pela sua Excelência Presidente da República Armando Emílio Guebuza através da presidência aberta, por um lado, e através de vários fóruns consultivos que estão estabelecidos para o diálogo.
Que tipos de medidas o governo está a tomar para acabar com as manifestações?
A primeira medida tem que ser tomada pelo cidadão, não se deixar enganar por aventureiros, malfeitores e bandidos que não se apresentam, usam cidadãos inocentes, a grande maioria menores – aqui os pais e encarregados de educação têm uma grande responsabilidade. O Governo desde ontem, através do nosso porta-voz apela para não aderirem a este acto. O Governo através da Polícia da República de Moçambique está presente para defender as liberdades e direitos dos cidadãos que estão a ser vítimas, vendo os seus bens a serem usurpados, a serem destruídos. Paralelamente, há um pacote de medidas de carácter económico que o governo tem vindo a tomar no âmbito de controlo de preços, no âmbito de incentivos para que o cidadão possa se aguentar nesta grande preção de aumento de custo de vida, que tem que ver com o combustível. O combustível não vai baixar, nós não temos nenhum poço onde possamos ir ligar um camião sisterna para tirar petróleo.
Acha que há uma mão externa a incentivar a população a perturbar a ordem pública?
Alguém tomou a iniciativa de veicular a informação de incitação a manifestação. Esse alguém será a mão que desencadeou tudo.
Já foi identificado?
Estamos a trabalhar no sentido de identificar e sobretudo responsabilizá-lo pela instabilidade que ele criou à cidade de Maputo e cidade da Matola.
Manifestações em Maputo
Quinta, 02 Setembro 2010 06:44 Redacção
Manifestações denunciam afastamento do poder político em relação aos cidadãos
A contenção fictícia e administrativa da economia durante o período eleitoral só podia agora levar a um aumento generalizado dos preços dos produtos. Houve um certo menosprezo por parte do governo sobre a capacidade de manifestação da população e o que se evidencia é que há um sentimento por parte da população que estamos agora a testemunhar.
João Mosca Economista
Por muitas razões que eventualmente possam existir e reconhecidas as dificuldades que o país atravessa, de qualquer das formas qualquer situação de violência e de transgressão à ordem pública não são aceitáveis. Repudio este tipo de manifestações. As pessoas devem encarar a situação com a maior tranquilidade porque violência gera violência e as manifestações de força podem impulsionar os ímpetos de agressividade.
A contenção fictícia e administrativa da economia durante o período eleitoral só podia agora levar a um aumento generalizado dos preços dos produtos. Houve um certo menosprezo por parte do governo sobre a capacidade de manifestação da população e o que se evidencia é que há um sentimento por parte da população que estamos agora a testemunhar.
Com ou sem organização dos acontecimentos o que fica logo manifesto é que existe um sentimento alargado de insatisfação por parte da população devido ao aumento do custo de vida e com isto o agravamento da pobreza. Nenhuma análise séria poderia evitar chegar à conclusão de uma possibilidade deste tipo de acontecimentos. Quem pensava que esta era uma situação impossível só não conhecendo a realidade em que as pessoas vivem. Houve da parte de quem é de direito uma “menosprezação” dos antecedentes deste fenómeno.
Esta governação e outras dos últimos anos são governações completamente vazias de conteúdo, vazias em termos de políticas económicas e vazias de objectivos e ideais para a Nação. São governações viradas para as pessoas onde estas se servem e deixam de servir; são governações que atendem a interesses de grupos e não o país. Nós não vemos um discurso do país, o que se assiste é a existência de uma incompetência governativa.
O problema da corrupção é um dos problemas mais sérios deste país. E o principal ponto de corrupção é a forte promiscuidade que existe entre governantes, governação e negócios que capturam a capacidade do Estado de dirigir, regularizar e fiscalizar a economia e faz do Estado um instrumento para obtenção de interesses de particulares e de grupo que esquece depois aquilo que é a população. E o 1 de Setembro pode, neste caso, ser tido como o afastamento do poder político e da governação em relação aos cidadãos porque as agendas pessoais e as agendas do grupo estão acima daquilo que é a agenda nacional, a agenda de um projecto para o país. E este problema é um problema central que sem o resolvermos devidamente não haverá solução para este país.
O cinto já se apertou e chegou a um momento de exaustão
João Colaço Sociólogo
Os nossos problemas jamais serão resolvidos pela violência e a verdade disto é que as pessoas mais atingidas são inocentes. O direito à manifestação e a greve são princípios consagrados na Constituição mas em momento algum a Constituição nos atribui o direito à violência. Portanto, gostaria de apelar a todas pessoas envolvidas neste processo para que mantenham a calma uma vez que ainda há muito tempo para se dialogar com as autoridades para que se possa resolver da melhor maneira os problemas da população.
Esta situação espelha uma ruptura do contracto social entre o Estado e a sociedade. Estamos diante de um fenómeno que agora se repete pela segunda vez depois de ter sido registado algo de género há dois anos e parece que as motivações são similares. O cinto já se apertou e chegou a um momento de exaustão, uma vez que os preços dos produtos básicos estão a aumentar. Esta frustração já está a atingir também extractos sociais mais estáveis, ou seja, pessoas da classe média. Temos assistido manifestações por parte de jovens de universidades privadas e agora são os populares que se amotinam e não sei exactamente se são contra o governo ou o Estado.
Há uma lógica de organização dos sectores populares que muitas vezes não é compreendida por quem não faz parte deste mesmo círculo. O governo não terá tomado muito a peito o cinco de Fevereiro, houve um menosprezo às manifestações que naquele dia se revelaram espontâneas. O dia 1 de Setembro confirmou que há na verdade uma estrutura realmente arquitectada.
Temos que reflectir que a acção governativa virada à cidade é nova e não tem ainda um ano sequer, o que significa que os problemas da governação anterior prevalecem na governação de hoje. Penso que de 5 de Fevereiro a 1 de Setembro de 2010 pouco se fez na cidade para alterar este quadro social e económico enfrentado pela grande maioria da população moçambicana. Quero acreditar que paralelamente ao possível crescimento de alguns sectores da economia moçambicana assiste-se também a uma acumulação elevada que ao invés de socializar a riqueza e oportunidades para todos aumenta as nossas desigualdades sobretudo nas cidades, e quando nós falamos do centro urbano isto é gravíssimo. Significa na verdade que estamos muito longe de podermos afirmar de viva voz que há desenvolvimento.
Será importante que haja mais diálogo, inclusão, participação, investimento, emprego, moderação e mais democracia que possam trazer estabilidade e o desenvolvimento e tudo o que os moçambicanos anseiam.
“Este é um momento oportuno para diálogo”
Dom Dinis Sengulane
É uma situação extremamente preocupante e nós queríamos apelar uma vez mais ao bom estilo do povo moçambicano para que continuem a manifestar o seu estilo normal da valorizaçãzo do diálogo e que recorram a meios pacíficos para manifestar qualquer sentimento que vai na alma. É muito triste assistir à destruição de infra-estruturas que de singulares. Isto não é típico dos moçambicanos. Apelamos a uma atitude de civismo porque o país é nosso, e destruindo o que é nosso estamos a nos destruir a nós mesmos. Paz é o nosso grande apelo neste momento. O que pedimos a Deus é que Dê aos moçambicanos um coração mole e não um coração endurecido. Não podemos aderir a actos de violência que só nos fazem ficarmos mais pobres e desgraçados.
Os moçambicanos já deram provas da sua capacidade de resolver situações adversas usando da sua capacidade de diálogo, meios pacíficos de manifestar o que lhes vai na alma. Este é um momento oportuno de manifestar mais uma vez essa capacidade. O nosso apelo é de que manifestemos que de facto temos esta capacidade.
O tipo de estragos registados fazem-nos retroceder cada vez mais na nossa pobreza, de tal maneira que a capacidade de avançarmos está a ser posta em causa. Sejamos aqueles moçambicanos próprios e dignos do nome, que já manifestaram que mesmo coisas dolorosas e chocantes sabem manifestar-se pacificamente.
“Era preferível procurarmos resolver o problema através do diálogo”
Sheik Aminuddin
Acompanhei a situação com muita tristeza e mágoa. Solidarizo-me com a população pela situação difícil porque estamos a passar e que certamente afecta a todos nós. Mas queria também apelar à calma porque os momentos de que estamos a passar é uma crise internacional que afecta todo o mundo. Esta atitude não é prudente uma vez que a violência só traz destruição e muitas perdas e não constitui a melhor forma de resolução de problemas. Era preferível procurarmos resolver o problema com as autoridades através do diálogo porque já estávamos a sofrer as consequências da pobreza e para acabarmos com a mesma precisamos de um projecto a longo prazo, o que não se resolve de um dia para o outro. Trata-se da repercussão de um problema vivido internacionalmente.
O governo podia até contratar vietnamitas para virem plantar o arroz dadas as condições naturais do país e assim aprenderíamos a suprir as nossas dificuldades com a experiência de outros países que já passaram por elas. Queria também apelar a população à calma para evitar muito luto e destruição.
O país precisava de viver a sua própria pobreza
Lourenço de Rosario, reitor da Apolitécnica
É de lamentar que se tenha chegado a este ponto de crise. No seio das famílias, a distribuição de renda é algo que nós temos vindo a viver nos últimos tempos não só pela subida de preços, mas também pela depreciação da nossa moeda, são dois factores que se conjugam e qualquer cidadão tinha admitido a sensação de que seria algum ponto de ruptura.
Lamento imenso que não tenha havido a prevenção necessária, do ponto de vista de trabalho junto das comunidades, de modo a que as pessoas tivessem a serenidade suficiente para poderem enfrentar a crise. Não basta utilizar apenas meios de comunicação social, etc. É preciso ir até às pessoas, porque estas estão preparadas para viver com pouco. O problema é que preciso perceber por que é que estamos a viver com pouco. De facto está a se viver com muitas dificuldades e isso gera conflitos em qualquer parte do mundo. Se calhar todos nós, agentes de educação, governantes, sociedade civil, privilegiamos se calhar um olhar crítico do ponto de vista das falhas que têm acontecido no seio da nação porque também prefere privilegiar esse olhar crítico. Agora, quando acontece isto, não prevenimos, então temos que remediar. Portanto, não poderíamos ficar parados e assistir aquilo que nós chamaríamos de leite derramado. Nós não podemos dizer que quem está na rua são os agitadores, bandidos, e etc., porque seria uma falha de análise e eu como académico, não me envolvo neste tipo de facilitismo. Também estão nas ruas, os cidadãos que clamam por uma justiça social. Agora, não sei se eu apoio o irmos à rua. Acho que não. Eu não apoio, porque a rua traz-nos aquilo que se chama caos, e o caos não ajuda a serenar os ânimos. É preciso encontrar os interlocutores para isto. Ninguém pode ir para a rua conversar com as pessoas que estão agitadas. É muito difícil, não há diálogo possível. Agora, é preciso que com serenidade, se faça um trabalho sobre como nós devemos encarar esta crise económica e social, porque não vale a pena estarmos a disfarçar.
Estamos a viver grandes dificuldades de distribuição de renda porque o país está a viver grandes dificuldades económicas. Nós ouvimos os governantes a dizerem que a economia do país não está lá muito bem como nós esperávamos, naturalmente que a crise internacional também nos atingiu, o que contraria um pouco as mensagens que recebemos há um tempo atrás, que se dizia euforicamente que a crise não nos iria atingir. Se calhar isso nos distraiu um pouco e não nos preparamos devidamente para podermos prevenir estas situações, e neste momento está tudo a cair assim. É bom que hajam analistas que continuam a colocar todos estes cenários, mas é também bom que, as igrejas, as escolas, etc, consigam chegar às comunidades de modo a passar uma mensagem de serenidade, para podermos enfrentar esta crise. Eu sempre disse que, se calhar, o país precisava de empobrecer, viver a sua própria realidade.
Nós verificamos que estamos a viver uma situação ilusória. Esta realidade virtual que nós estamos a viver mostra que tudo tem que mudar, e se calhar vamos enfrentar maiores sacrifícios. Tem que haver alguém com coragem, que pode explicar que o futuro é este mesmo, e vamos viver com dificuldades e temos que encarar isto com alguma serenidade. Se calhar é mais realista isso do que, por exemplo, ouvir dizer que vão para casa, amanhã nós vamos conter o preço do pão, vamos baixar o preço do combustível. Se nós tivéssemos encontrado uma outra forma de enfrentar isto, explicando as pessoas, deixando de aumentar os preços, subsidiar os transportadores, agricultores, provavelmente hoje estávamos numa outra situação.
As subidas criaram um impacto psicologicamente negativo
Brazão Mazula reitor do ISTEG
Trata-se de uma questão complexa uma vez que a população está a manifestar-se em relação ao custo de vida que realmente é alto, sobretudo agora com o agravamento dos preços. Por um lado a população tem uma lógica e o governo e o Estado têm outra lógica e no meio temos um elemento que poucas vezes nos referimos a ele, que é a globalização. Neste caso, a crise económica internacional mais cedo ou mais tarde se manifestaria muito mais grave nos países pobres e o governo se viu obrigado a aumentar os preços, o que dá a entender que o salário é muito baixo.
O que se quer é uma maior aproximação entre a população e o Estado, por isso eu apelo aos cidadãos para se manterem calmos e voltarmos à serenidade que caracteriza o povo moçambicano e desta forma encontramos a devida solução para pelo menos minimizarmos este custo de vida. As autoridades também devem ter uma calma para se aproximarem e ver quais são os impactos antes de anunciar as medidas que, tal como podemos ver, são cumulativas. Esta acumulação de anúncios de subidas de preços criou um impacto psicologicamente negativo para todo o cidadão. Também apelo para um diálogo entre o consumidor e o Estado.
Nós temos que trabalhar mais na prevenção de crises mais do que na solução das mesmas e também compreendermos que não são muitas alternativas que o Estado tem de, em pouco tempo, minimizar este tipo de crise dada a nossa dependência que é muito forte. Enquanto os outros países ricos encontram formas alternativas de estabilizar ou controlar as suas crises nós não temos. E o controle desta crise não é simplesmente político mas sim é a produção, as exportações nacionais estão muito abaixo daquilo que são as importações. Temos que caminhar com políticas económicas de sustentabilidade de modo a que a médio e longo prazos possamos aumentar a produção. E talvez, se for necessário, adoptar-se medidas económicas corajosas porque penso que as manifestações significam descontentamento e o país não pode caminhar descontente.
Manifestações em Maputo
Quinta, 02 Setembro 2010 07:12 Redacção
“A população deve discernir o que quer das manifestações”
Dra Alice Mabote, LDH
O governo que saiu das eleições tem o dever de quando tiver informação de qualquer situação tomar as devidas precauções para que as pessoas possam se posicionar. O governo devia ter negociado com os empresários para ver de que modo podiam aumentar os preços com vista a fazer face a esta crise económica para podermos encontrar uma solução. Aquando das eleições tomaram medidas para não subirem os preços para alcançar os seus intentos.
Nos outros países, assim como aqui noutro período, as coisas básicas eram eleitas para fazer face à vida difícil dos cidadãos, nomeadamente o pão, sabão, água, luz e os trabalhadores e estudantes tinham cartões e isso aliviava as pessoas. Hoje, o rico, o corrupto, o pobre, e quem ganha honestamente compram ao mesmo preço. Mas não quero com isto incitar as pessoas às manifestações, antes pelo contrário, apelo à população para que tenha calma e saiba discernir o que quer das manifestações.
“Os trabalhadores perderam a confiança nos sindicatos”
Daviz Simango MDM
As pessoas de direito que deviam ter ido ao público promover o diálogo não o fizeram e fica manifesto que não há diálogo e há muita arrogância, o que leva à criação deste tipo de violência. O factor de partidarização, que não permite a criação ou o surgimento de sindicatos mais dedicados aos interesses dos trabalhadores cria esta inexistência de um interlocutor claro do povo para dialogar com o governo. Os sindicatos não funcionam e os mesmos estão sob ordens. Com quem vai dialogar o governo? Isto dificulta qualquer tipo de diálogo e complica o processo neste tipo de greves. O governo deve apostar no diálogo e conversar com pessoas de direito e estas pessoas que deviam estar nos sindicatos não existem, o que existe são pessoas que são braços-direitos do partido no poder, pessoas que vivem à custa do comando do partido no poder, portanto, o diálogo deixa de existir. Os trabalhadores perderam a confiança nos sindicatos e não espaço para o diálogo. Se existissem os sindicatos e os mesmos estivessem organizados haveriam procedimentos criados de diálogo com o governo e eventualmente evitar-se-ia esta situação.
“Neste momento é importante que o governo saiba ouvir”
Raul Domingos, PDD
Queria manifestar a minha solidariedade para com os manifestantes, mas ao mesmo tempo manifestar a minha preocupação com atitudes de vandalismo que estão a caracterizar esta manifestação. A manifestação é um direito constitucional mas a mesma deve ser ordeira para fazer sentir a quem de direito aquelas que são as reivindicações. A minha solidariedade para com a população que reivindica o alto custo de vida porque os aumentos que foram anunciados não estão dentro das possibilidades de custo do cidadão comum. Neste momento é importante que o governo saiba ouvir. Estamos num momento de crise em que a população sai a rua. É importante que o governo se pronuncie. Quanto às medidas nós sabemos que o nosso país é cheio de recursos que não estão a ser devidamente distribuídos e por isso esses desequilíbrios originam a carestia de vida. Gostaria de apelar ao governo a aparecer em público e dizer algo que possa tranquilizar a população de modo a que tudo quanto é a preocupação do cidadão seja tratado através do diálogo.
“A elite de hoje é pior que a do tempo colonial”
Fernando Mazanga, Porta-voz da Renamo
Em reacção as manifestações que paralisaram a cidade e província de Maputo, Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo, diz que as manifestações resultam de uma dor social dos moçambicanos, devido a subida do custo de vida. Existe uma desgovernação que vai dando azo para que haja aumento do fosso entre os cidadãos pacatos e uma elite que está a surgir, e que é pior da era colonial. Esta elite domina tudo e todos. Os meios de produção estão confinados a uma minoria que é esta que manipula a opinião politica, económica e social. O que aconteceu ontem é o calcamento daquilo que são as vontades da população, sobretudo daquilo que lhe vem a alma. Esta é uma replica de 5 de Fevereiro de 2008, é uma pressão para fazer com que o governo do dia, defina acções claras de governação que tem como base o bem estar da população. Tem que haver uma nova ordem social que passa necessariamente pelo respeito da vontade popular.
“Trata-se de uma situação com tendências para se agravar”
Carlos Serra, Socioólogo
Estou extremamente preocupado devido a esta situação grave. Verifica-se uma ordem de ordem emocional e uma situação grave que pode ser vista de várias maneiras. Em primeiro lugar como um tributo de um cansaço social de muito tempo que se expressa de forma anárquica e com tendência para aumentar. Este tipo de problemas sociais que se geram de qualquer maneira pode ser a reflexão o que está a acontecer na África do Sul há bastantes dias. O que é necessário notar é que estão a se fazer disparos com balas reais, e assim a situação é triste e ter muito cuidado com o que se está a passar porque podem se tornar bem mais graves e complexas.
Por outro lado é preciso encarar o papel da polícia, uma vez que estes estão muitas vezes isolados e tentam fugir enquanto a multidão avança. Isto significa também que é preciso ver o lado social da polícia que tem família e quando chega a casa também encontra o arroz e o pão mais caros assim como a água e a luz. Portanto, trata-se de uma situação extremamente complexa com tendências para se agravar e que requer do governo uma reflexão muito rápida e profunda sobre o que fazer.
Acho que devia haver uma intervenção do Presidente da República neste campo. Eu creio que é preciso reatar a maneira dos governantes aparecerem e falarem com o seu povo e eventualmente uma reunião do Conselho de Estado ou qualquer coisa deste género. As pessoas devem ter a capacidade de diálogo e de uma forma simples sem humilhar os outros e sem chamá-los vândalos e marginais porque pode aumentar a raiva e o ódio do lado contrário.
Sem comentários:
Enviar um comentário