Lisboa - Leopoldino Fragoso do Nascimento é um
destacado general ligado à Casa Militar do Presidente de Angola e uma das
figuras do círculo mais restrito de José Eduardo dos Santos ainda sob
investigação pela Procuradoria-Geral da República portuguesa por suspeitas de
fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Fonte: Público
Club-k.net
Em Portugal, o seu nome começou a ser notado quando
surgiram as primeiras revelações em Novembro de 2012 sobre a abertura, meses
antes, dessa investigação resultante de um alerta bancário e de denúncias do
activista angolano Rafael Marques e do académico Adriano Parreira. (Desde
então, foi feita a separação de processos e arquivada apenas a parte que dizia
respeito ao vice-presidente Manuel Vicente e ao general Higino Carneiro.) Agora
o general Leopoldino do Nascimento, figura discreta até há alguns anos, aparece
como The 750 Million Dollar Man no título de um extenso trabalho de
investigação do jornalista Michael Weiss publicado na revista norte-americana
Foreign Policy na quinta-feira.
A história do Homem dos 750 Milhões começa com a
compra em 2010 de uma participação de 18,75% de uma empresa – Puma Energy
International – subsidiária da multinacional suíça Trafigura, terceiro maior
negociante privado de petróleo e metais, em todo o mundo, e descrita por
Michael Weiss como tendo multiplicado, nos últimos anos, interesses comerciais
lucrativos através da compra de acções em várias empresas de diferentes
sectores em Angola.
A maioria dos investimentos da Trafigura neste país,
escreve a Foreign Policy, são geridos por uma companhia registada em Singapura,
a DTS Holdings, de que o general Dino é um dos dois directores. O outro é o
multimilionário francês Claude Dauphin. A Trafigura controla hoje a importação
de derivados de petróleo para Angola e detém o monopólio da sua distribuição.
A empresa é conhecida mundialmente pelo peso que
representa mas também pelas acções judiciais de que foi alvo, como o processo
instaurado no Reino Unido e que resultou no pagamento de indemnizações de 33
mil euros a 31 vítimas do despejo de lixos tóxicos e letais em Abidjan, na
Costa do Marfim, em 2006.
Valores acrescidos
Muito mais do que esse valor está em jogo na compra das acções da Puma Energy International de que o general Dino é beneficiário e que ascendeu a 213 milhões de dólares (164 milhões de euros). Hoje as acções que detém (que entretanto foram diluídas e passaram a representar 15% do capital da empresa) valem 750 milhões de dólares (cerca de 580 milhões de euros) numa empresa que a Foreign Policy diz valer 5000 milhões de dólares (3850 milhões de euros).
O investimento (de 213 milhões) foi feito por uma
empresa, a Cochan, cujo único accionista é a Cochan Ltd, registada nas Bahamas,
paraíso fiscal procurado pela confidencialidade das leis relativas a empresas,
nota a Foreign Policy. Daí até à conclusão de que Leopoldino do Nascimento era
o detentor de 15% das acções da Puma Energy e, por essa via, detentor de uma
fortuna de 750 milhões de dólares, foi um passo. A revista teve acesso a uma
auditoria à Cochan, ficando a saber que o proprietário da Cochan das Bahamas é
o general Dino, sendo ele também o proprietário da Cochan registada em
Singapura e detentor de 15% da Puma Energy International (subsidiária da
Trafigura).
“Onde foi um general arranjar 213 milhões de dólares
para investir?”, questiona-se Michael Weiss, depois de escrever: “Os regimes
revolucionários comunistas têm um estranho hábito de se transformarem em
corruptos que praticam o capitalismo selvagem, e Angola – com as suas grandes
reservas de petróleo e profusão de multimilionários – tem provado não ser
excepção”. O autor também considera que o investimento na Puma Energy “elucida
sobre uma crescente e pouco escrutinada ligação entre a Trafigura (que teve lucros
de perto de mil milhões em 2012) e o regime autocrático de Presidente José
Eduardo dos Santos, no poder desde 1979.”
Aliás, nota a revista, muito mais do que esse valor –
750 milhões de dólares da empresa Puma Energy – estará nas mãos do regime
angolano. Já depois de vender participações ao general Dino, a Trafigura, em
2011, vendeu 20% da Puma Energy International à petrolífera estatal angolana
Sonangol; mais tarde vendeu-lhe outros 10% por 500 milhões de dólares (385
milhões de euros), como noticiou o Financial Times em Novembro de 2013. Conclui
pois a Foreign Policy que 45% de uma multinacional que vale 5000 milhões “ou
pertence ao regime de Eduardo dos Santos ou ao general Dino”.
Além disso, muito mais dos que 750 milhões valerá
Leopoldino do Nascimento, constata esta investigação: o general angolano, além
de ser o único listado como proprietário da Cochan Bahamas, também detém 50% da
DTS Holdings, outra subsidiária da Trafigura, cuja refinaria de petróleo valia
3,3 mil milhões de dólares em 2011, nota a revista norte-americana.
“Delfim e testa-de-ferro”
O jornalista e activista angolano Rafael Marques já vinha, no seu site Maka Angola, chamando a atenção para este general “bem conhecido em Angola como delfim e testa-de-ferro do Presidente José Eduardo dos Santos”. Este sábado escreveu: “Em Angola, com participações societárias qualificadas na UNITEL, na Biocom, na rede de supermercados Kero, no grupo Medianova (detentora da TV Zimbo, semanário O País, e outros), o general Dino ultrapassa largamente a fasquia de mil milhões de dólares”.
Antes, lembrara que a Lei da Probidade, aprovada em
2010, deveria impedir figuras com cargos públicos, como o general Leopoldino,
de enriquecer por via de investimentos em interesses privados ligados ao Estado
angolano.
O ex-chefe das Comunicações da Presidência da
República foi nomeado por despacho presidencial, de Setembro de 2010, para
“consultor do ministro de Estado e chefe da Casa Militar”, general Hélder
Vieira Dias Kopelipa, outras das figuras, entre os cerca de 20 angolanos e
portugueses sob investigação em Portugal. Fonte próxima do processo, contactada
pelo PÚBLICO, garante que o cargo de consultor, como o que ocupa o general
Leopoldino, mesmo que nomeado por despacho do Presidente José Eduardo dos
Santos, não é um cargo público.
Seja como for, uma das questões que se colocam – entre
muitas outras – para o jornalista da Foreign Policy é a de conflito de
interesses, quando se trata de uma empresa – a Trafigura – que vende uma parte
considerável de uma companhia petrolífera (sua subsidiária) a um alto
responsável angolano e ao mesmo tempo investe no sector energético, que é
detido pelo Estado. O autor cita um investigador da Berne Declaration,
organização não governamental suíça que investiga a transparência no mundo
empresarial, e que diz não ter conhecimento “de mais nenhum país onde uma
companhia tenha tal domínio nas importações de petróleo como a Trafigura em
Angola”. Esta situação “efectivamente corresponde a ter um monopólio da
distribuição dos derivados do petróleo no país [Angola]”. E questiona: “Que
sentido tem isso de um ponto de vista angolano?”.
Para Rafael Marques, que acrescenta que “as bombas de
combustível Pumangol [da Trafigura] têm registado uma expansão meteórica e, em
breve, deverão suplantar a rede da Sonangol” em Angola, a resposta “é muito
simples” e prende-se com os imensos interesses em jogo.
“Os acordos são firmados com a Sonangol”, explica,
“porque a Trafigura tem um acordo através da Puma Energy em que compra petróleo
à Sonangol para revender no mercado internacional”. Depois, “refinam o petróleo
e vendem-no à Sonangol” em “contratos opacos”, diz o activista e investigador
em questões de transparência, frisando que o dinheiro que circula entre a
multinacional suíça e o Estado angolano é “dinheiro proveniente da Sonangol”,
uma empresa pública.
As vantagens beneficiam a Trafigura, que acede ao
mercado “sem competição”, diz Rafael Marques, mas também as altas figuras do
Estado, “que não podendo fazer desvios […] de dólares directamente da Sonangol,
quebram o monopólio da Sonangol, transferindo os privilégios de uma empresa
estatal para uma privada da qual são accionistas.”
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