Tudo
o que hoje se passa em Luanda no que toca à informalização da actividade
comercial, com destaque para o que acontece com o comércio ambulante (vulgo zunga)
- cujo combate é a nova briga que o GPL/CACL comprou, mas ainda não pagou - só
pode ser o resultado de um impacto demográfico exponencial, que há muito
deixou de estar sob controlo das autoridades.
Reginaldo Silva (*)
SEMANÁRIO ANGOLENSE
As
causas desta progressão estão minimamente identificadas, pelo que, mesmo que
haja vontade política consequente para se inverter esta tendência, os
resultados só se farão sentir a médio prazo, caso a «luandização» do poder e da
distribuição do rendimento nacional seja substituída por uma estratégia mais
coerente de combate às profundas assimetrias regionais. De outra forma, não há
solução sustentável.
Penso
que esta conclusão já faz parte do domínio do óbvio, mas, num país como Angola,
nunca é demais revisitar estas evidências, pois, por vezes até parece que estamos
a ser atingidos por uma epidemia de «autismo institucional», com todo o
respeito que me merecem os portadores desta terrível doença sem aspas.
Estamos
a falar de uma cidade que, do ponto de vista do mercado de trabalho, está a
rebentar pelas costuras, que está saturada, que já não tem mais nada para
oferecer aos seus habitantes.
Estamos
a falar de uma cidade que continua, entretanto, a ser procurada por
compatriotas nossos que abandonam as suas zonas de origem, por terem chegado à
conclusão de que, mesmo sendo hoje um pequeno «inferno», a capital ainda
consegue ser melhor em matéria de oportunidades do que o «paraíso» onde
nasceram ou se encontram a viver.
Luanda
continua a ser um polo de «atracção fatal» para todos os angolanos que nas outras
regiões do país não conseguem encontrar soluções locais para os seus problemas
socioeconómicos.
É a
armadilha da capital.
É
uma constatação grave, mas que corresponde à realidade de um país que nas
décadas de 60/70 via as famílias, onde a minha estava incluída, a saírem de
Luanda à procura de melhores condições de vida no interior.
Tenho
para os meus botões que Angola só voltará a se reequilibrar, quando,
novamente, as pessoas sentirem esta necessidade de deixar Luanda
voluntariamente, à procura de outros mercados por este imenso país.
O
drama de Luanda, definitivamente, nunca será resolvido, dentro das fronteiras
da macrocéfala capital angolana, apenas com a construção de mercados municipais.
Há
que pensar em Angola na sua imensidão e nas suas potencialidades.
Há
que pensar em fazer outras Luandas, outras capitais, outras verdadeiras novas
centralidades, que não sejam apenas dormitórios periféricos da mesma e grande
cidade.
Definitivamente,
Luanda já não tem capacidade para, ao nível do mercado formal, absorver a crescente
procura existente, pelo que, ao excedente desta força de trabalho, só lhe
resta mesmo o recurso ao comércio de rua.
O
outro recurso é morrer de fome, pois, o terceiro que seria o regresso às suas
zonas de origens ou a procura de um modo de vida numa outra região do país, não
nos parece que já seja uma opção com relevância estatística para ser
considerada a nível nacional.
Todas as tentativas até
agora feitas em Luanda para acantonar «este povo» nos chamados «mercados municipais»
falharam redondamente, porque nas zonas onde eles foram implantados não existe
procura suficiente nem poder de compra, para garantir alguma rentabilidade
(por mínima que seja) à actividade comercial, como facilmente se pode constatar
no terreno, com as bancas vazias de clientes.
Antes de se pensar em atacar
as consequências de um determinado fenómeno socioeconómico, seja com que
medidas forem, qualquer Governo que se preze tem de fazer uma avaliação o mais
objectiva possível da realidade, para ver se a estratégia a adoptar tem alguma
possibilidade de surtir os efeitos desejados.
Mesmo que não seja coroada
de êxito total, o que é sempre difícil de se conseguir em qualquer conjuntura
onde as adversidades são predominantes, é preciso evitar que a estratégia seja
um completo fracasso, o que é sempre mau para credibilidade de quem está no
«poleiro».
Isto significa dizer que,
por vezes, é melhor não apostar tudo numa determinada direcção, sob o risco de
termos de recuar ainda mais, caso as coisas deem para o torto.
A aposta do GPL/CACL em mais
esta recente ofensiva contra a zunga, pois não é a primeira e pelos vistos não
será a última, tem os contornos do ou tudo ou nada, a traduzir mesmo alguma
transferência de tácticas militares para o domínio do confronto social que o
Executivo elegeu como método para tentar erradicar o problema do comércio de
rua informal.
A ideia que em tempos já
defendi, e que acho que continua a fazer todo o sentido, é que, neste combate,
os dois «beligerantes», quer a zunga, quer o governo, estão antecipadamente
derrotados.
A zunga está naturalmente
derrotada, porque a pobreza, enquanto for ela mesma, nunca há-de ganhar nada,
para além de alguns tostões e de algum tempo/ oxigénio para continuar a correr
e a fugir dos fiscais e dos polícias, rumo ao desespero permanente de uma
existência sem objectivos que ultrapassem a própria sobrevivência quotidiana
do ser humano.
Este é o problema maior da
zunga para quem a combate, o que faz dela um «projecto» particularmente
resistente a todo o tipo de ataques e ofensivas, seja de quem for.
De facto, quem já não tem
nada a perder, perdido está, sendo em consequência o seu comportamento muito
difícil de controlar com meios convencionais, como é fácil de comprovar pela progressão
que assistimos nas ruas de Luanda.
Qualquer avanço do seu combate
nas ruas de Luanda será apenas temporário.
Aqui não se trata bem de
estar contra ou a favor.
A coisa é muito mais
complicada e sensível.
É evidente que não podemos
estar de acordo com a transformação das ruas/passeios em mercados de levante,
mas também sabemos que ninguém fica em casa, se a tiver, à espera da morte por
inanição, sem lutar pela sua sobrevivência e dos seus filhos.
E a zunga é pura luta pela
sobrevivência.
A zunga (tal como as
favelas) só tem uma solução e todos nós sabemos qual é, como resultado de um
exercício simples, que tem a ver com a descoberta das razões que levam as
pessoas a procurarem a sua sobrevivência no comércio de rua. A conclusão é
evidente.
O que é particularmente
grave na cidade de Luanda é que a zunga está a aumentar a olhos vistos e de
forma absolutamente exponencial, a contrariar todas as outras «evidências»
oficiais de que se estará a registar uma redução na taxa de pobreza/miséria.
(*) Jornalista
In
SEMANÁRIO ANGOLENSE. Edição 551 de 08 de Fevereiro de 2014
Imagem: www.caoquefuma.com
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