segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

«Novela» do petroleiro desaparecido soma e segue. Entre a MGA e a armadora alguém nos estará a mentir





Desde o reaparecimen­to, já na Nigéria, do petroleiro MT Kerala, desaparecido a 7 mi­lhas náuticas da costa de Luan­da, vieram a lume duas versões de tal maneira contraditórias – a da Marinha de Guerra de Angola (MGA) e a da empresa dona do na­vio (a Dynacom Tankers, baseada na Grécia) - que não há como fu­gir à conclusão de que, entre elas, alguém está a mentir. E a mentir feio, de tal modo que a Interpol já tomou conta do caso. E que já veio a público queixar-se de falta de co­laboração nas investigações, tanto da tripulação como da Dynacom.

Celso Malavoloneke
SEMANÁRIO ANGOLENSE

A versão da Marinha de Guer­ra Angolana é de que, na fatídica noite de 18 de Janeiro de 2014, não houve nenhum ataque de piratas à embarcação, mas sim uma simu­lação da tripulação e da empresa armadora, em conluio com – pas­me-se – a Chevron Nigéria, com o objectivo de roubar as 60 tonela­das métricas de gasóleo refinado que transportava, propriedade da SONANGOL.
A empresa armadora, por seu lado, diz que houve ataque de piratas sim senhor, inclusive um dos seus tripulantes foi ferido. No comunicado de imprensa que emitiu no dia 26 de Janeiro, reto­mado pela Reuters, não dá, entre­tanto, quaisquer outros detalhes das circunstâncias em que se deu o referido ataque (veja íntegra em caixa separada). Quanto à carga, o aparente objectivo do hipotéti­co ataque apenas diz que «grande parte foi roubada». Ora, não po­dendo as duas instituições serem detentoras da verdade numa con­tradição dessas, uma delas está a atirar areia aos olhos da outra e a ser claramente caloteira.
Não se põe de parte a possibili­dade de as autoridades angolanas estarem a tentar sacudir a água do capote, como soe dizer-se cá na banda. É que a agência de in­teligência e segurança marítima britânica, a Dryad Internacional, vinha há vários dias alertando para a presença na costa angolana de um navio rebocador suspei­to. Sendo que a Dryad tem como clientes as maiores empresas pe­trolíferas que actuam no off sho­re angolano, incluindo a própria Sonangol, a informação chegou às altas patentes da Marinha de Guerra Angolana, como aliás confirmou ao SA uma delas, em­bora sob anonimato.
Segundo esta fonte, o Estado -Maior da Marinha não deu a devida importância aos avisos, convencido de que se tratava de um falso alarme. «Como outros que já se deram no passado e como um que se deu logo após o desaparecimento do MT Kerala», disse. É certamente por isso que, e conforme noticia a revista Áfri­ca 21 na sua edição de Fevereiro, o Presidente José Eduardo dos Santos, agastado com a situação, que consubstancia uma grave quebra do sistema de seguran­ça das águas territoriais do país (onde, por sinal, se situa grande parte das sondas petrolíferas que alimentam a sua economia) en­carregou a sua Casa de Seguran­ça, sob o comando do General Kopelipa para esclarecer o inci­dente. O que pode ser prenúncio de rolar de cabeças na superes­trutura da MGA.
Chevron no barulho
Poderá ser o receio do «rolar de cabeças» que levou o Chefe das Operações da MGA a cometer um erro crasso na conferência de imprensa que concedeu logo após a localização do navio. Falando à impren­sa no dia 26 de Janeiro, foi a primeira autoridade angolana a reportar o reapa­recimento do petroleiro, afirmando que o ataque tinha sido «simulado». E foi ele quem afirmou que o gasóleo tinha sido vendido à Chevron-Nigéria.
O que despoletou uma reacção vigo­rosa – se bem que discreta – desta mul­tinacional baseada nos Estados Unidos. É que qualquer envolvimento seu numa acção desta faria cair sobre si a mão pe­sada da justiça americana, que não brin­ca nestas coisas. Para além do facto de que um escândalo destes baixaria con­sideravelmente a sua reputação e, com ela, o valor das suas acções no mercado financeiro, com os prejuízos considerá­veis que isso acarretaria.
Daí que não tenha estado com meias medidas. Fontes altamente colocadas na Chevron confidenciaram ao SA, sob anonimato, que foram mobilizados os sofisticados meios tecnológicos ao dis­por dos americanos para provar que a multinacional não tinha tido nada a ver com o local onde o navio descarregou o gasóleo, a não ser o facto de isso ter acon­tecido perto de uma das suas sondas, ao largo da costa nigeriana. O que acabou tendo um efeito boomerang para os nos­sos «experts» em segurança marítima, já que a Chevron, com o apoio da embai­xada americana, apressou-se a endossar os dados às autoridades angolanas com­petentes. Ficou patente que o Chefe das Operações da nossa MGA não sabe que é quase impossível um navio esconder­-se dos sistemas de vigilância via satélite quando no alto-mar. Fontes da MGA disseram ao SA que a medi­da cautelar então tomada foi concentrar as intervenções na media apenas no porta-voz da MGA, o Capitão de Mar e Guerra Augusto Alfredo Lourenço.
Justificação nigeriana
Mas nem tudo o que o Chefe de Operações da MGA disse foi «politicamente incorrecto». Houve uma informação por ele pas­sada – inconfidência talvez – que a instituição castrense tentou depois «varrer para debaixo do tapete»: foi o dado segundo o qual as tripulações dos dois navios estavam detidas e sob investigação.
No dia 26 de Janeiro, a Marinha de Guerra da Nigéria confir­mou, em comunicado assinado pelo seu Director de Informações Navais, Comodoro Kabir Alyiu, que tinha localizado e detido o MT Kerala a 50 milhas náuticas a Sudoeste do Terminal Petrolífe­ro de Pennington. Informava ainda que dois navios, o MT IDRI e o rebocador GARE, estavam junto do Kerala a realizarem a trans­ferência do gasóleo em alto mar, o que é punível pelas leis nigeria­nas. Com base nisso, os três navios foram detidos, encontrando-se sob custódia no porto ganês de Tema, estando operativos da Inter­pol a investigarem o caso. O «petroleiro ladrão» foi seguido até à área de Lagos, onde seria também detido.
O comunicado não diz o que se passa com a carga roubada que levava, se ainda estava no navio ou fora. Termina dizendo que as investigações da Interpol, com a colaboração das autoridades do Gana, Angola e Nigéria, poderão ser «muito úteis» para «identifi­car colaboradores no alegado acto de pirataria», mas salienta que as tripulações têm colaborado pouco ou nada com as autoridades após a dita soltura do navio pelos «piratas».
Kerala Lda faz finca-pé
A direcção da Kerala Lda., baseada na Gré­cia, mantém-se firme na sua versão de que houve um acto de pirataria. Num comunicado de imprensa emiti­do no dia 26 de Janeiro, mantém essa versão, mas evita comentar as afirmações das autoridades an­golanas. Diz apenas que já pôde falar com o capitão do navio e que a tripulação está completa, se bem que haja um ferido, esfaque­ado nas costas, mas «grande parte da carga foi roubada». Acrescenta que não providenciou informa­ções à imprensa «enquanto a si­tuação se desenrolava», de acordo com as boas práticas nestas cir­cunstâncias, mas trabalhou com as autoridades competentes para a solução do incidente.
«Agradecemos as agências de inteligência da Europa e da Amé­rica do Norte, que nos ajudaram nesta situação, assim como os vá­rios países que destacaram navios para monitorarem os piratas e que nos concederam a assistência necessária», lê-se no comunicado. Finaliza dizendo que «represen­tantes de agências que têm expe­riência de lidar com este tipo de incidentes de pirataria vão estar a bordo do Kerala para recolher evidências, por formas a trazer à justiça aqueles que cometeram esse crime à nossa tripulação e ao nosso navio».
No entanto, sobre a carga é como se fosse nada…
O que diz o «Mujimbo Press»


Bem à moda mwangolé – a seriedade do assunto nunca bastou para os palpites das «bocas da funjada de sábado» -, vai corren­do a informação secreta (mas que nunca é secreta, como tudo de saboroso do «mujimbo press») de que a verdade verdadeira é que a SONANGOL foi vítima do supos­to golpe por dever um balúrdio à armadora pelos carregamentos anteriores que tinha feito. E a nossa petrolífera, (mal) habituada a pagar quando quer e muito bem entende, não dava garantias de que fosse honrar os compromis­sos financeiros, quando o contra­to terminava a 12 de Fevereiro. O resto, como consta, correu por conta da armadora: uma golpada daquelas.
O que, a ser verdade, teria sido de uma ingenuidade sem tama­nho, num mundo com a rigidez de procedimentos e sofisticação como tem o petrolífero. Além do facto de que um crime jamais se resolve com outro, há também a questão de que, a ser provada, esta empresa grega está certamente fa­dada à falência. Pois, não haverá mais concessionária que irá con­fiar a sua preciosa carga de deri­vado de petróleo a quem entra nestas manigâncias…
O bom que advirá disso é que, pela primeira vez, as autoridades dos países do Golfo da Guiné têm a chance de investigar, com­preender e actuar em relação aos incidentes de roubo de cargas de petróleo e derivado, quase sempre em suas águas territoriais. E se houver vontade política, esta pode ser uma oportunidade ímpar para desmantelar as redes, maiorita­riamente nigerianas, que se dedi­cam a estes actos marginais.
Para Angola, o bem que advirá disso é que fica a prova provada de que, se antes o mar era um ele­mento seguro de onde não vinha perigo algum, agora a situação é completamente diferente.
E os países dessa região, que investiram milhares de biliões de dólares na extracção do petróleo não mais se podem dar ao «luxo» de proteger esta fonte essencial da sua economia com umas «chatas» a que chamam de «navios-pa­trulha». As Marinhas de Guerra destes países – entre os quais se conta Angola, obviamente – pre­cisam urgentemente de ter este ramo das forças armadas com capacidade técnico-operacional e humana para impor o devido res­peito e impedir acções como esta do desaparecimento da carga da SONANGOL que vinha no MT Kerala.
In SEMANÁRIO ANGOLENSE. Edição 551 de 08 de Fevereiro de 2014
Imagem: www.publico.pt

Sem comentários: