Desde o
reaparecimento, já na Nigéria, do petroleiro MT Kerala, desaparecido a 7 milhas
náuticas da costa de Luanda, vieram a lume duas versões de tal maneira
contraditórias – a da Marinha de Guerra de Angola (MGA) e a da empresa dona do
navio (a Dynacom Tankers, baseada na Grécia) - que não há como fugir à
conclusão de que, entre elas, alguém está a mentir. E a mentir feio, de tal modo
que a Interpol já tomou conta do caso. E que já veio a público queixar-se de
falta de colaboração nas investigações, tanto da tripulação como da Dynacom.
Celso
Malavoloneke
SEMANÁRIO ANGOLENSE
A versão da
Marinha de Guerra Angolana é de que, na fatídica noite de 18 de Janeiro de
2014, não houve nenhum ataque de piratas à embarcação, mas sim uma simulação
da tripulação e da empresa armadora, em conluio com – pasme-se – a Chevron
Nigéria, com o objectivo de roubar as 60 toneladas métricas de gasóleo
refinado que transportava, propriedade da SONANGOL.
A empresa
armadora, por seu lado, diz que houve ataque de piratas sim senhor, inclusive
um dos seus tripulantes foi ferido. No comunicado de imprensa que emitiu no dia
26 de Janeiro, retomado pela Reuters, não dá, entretanto, quaisquer outros
detalhes das circunstâncias em que se deu o referido ataque (veja íntegra em
caixa separada). Quanto à carga, o aparente objectivo do hipotético ataque
apenas diz que «grande parte foi roubada». Ora, não podendo as duas
instituições serem detentoras da verdade numa contradição dessas, uma delas
está a atirar areia aos olhos da outra e a ser claramente caloteira.
Não se põe de parte a possibilidade de
as autoridades angolanas estarem a tentar sacudir a água do capote, como soe
dizer-se cá na banda. É que a agência de inteligência e segurança marítima
britânica, a Dryad Internacional, vinha há vários dias alertando para a
presença na costa angolana de um navio rebocador suspeito. Sendo que a Dryad
tem como clientes as maiores empresas petrolíferas que actuam no off shore
angolano, incluindo a própria Sonangol, a informação chegou às altas patentes
da Marinha de Guerra Angolana, como aliás confirmou ao SA uma delas, embora
sob anonimato.
Segundo esta fonte, o
Estado -Maior da Marinha não deu a devida importância aos avisos, convencido de
que se tratava de um falso alarme. «Como outros que já se deram no passado e
como um que se deu logo após o desaparecimento do MT Kerala», disse. É
certamente por isso que, e conforme noticia a revista África 21 na sua edição
de Fevereiro, o Presidente José Eduardo dos Santos, agastado com a situação,
que consubstancia uma grave quebra do sistema de segurança das águas
territoriais do país (onde, por sinal, se situa grande parte das sondas
petrolíferas que alimentam a sua economia) encarregou a sua Casa de Segurança,
sob o comando do General Kopelipa para esclarecer o incidente. O que pode ser
prenúncio de rolar de cabeças na superestrutura da
MGA.
Chevron
no barulho
Poderá ser o receio do «rolar de cabeças» que levou o Chefe das
Operações da MGA a cometer um erro crasso na conferência de imprensa que
concedeu logo após a localização do navio. Falando à imprensa no dia 26 de
Janeiro, foi a primeira autoridade angolana a reportar o reaparecimento do
petroleiro, afirmando que o ataque tinha sido «simulado». E foi ele quem
afirmou que o gasóleo tinha sido vendido à Chevron-Nigéria.
O que despoletou uma reacção vigorosa – se bem que discreta –
desta multinacional baseada nos Estados Unidos. É que qualquer envolvimento
seu numa acção desta faria cair sobre si a mão pesada da justiça americana,
que não brinca nestas coisas. Para além do facto de que um escândalo destes
baixaria consideravelmente a sua reputação e, com ela, o valor das suas acções
no mercado financeiro, com os prejuízos consideráveis que isso acarretaria.
Daí
que não tenha estado com meias medidas. Fontes altamente colocadas na Chevron
confidenciaram ao SA, sob anonimato, que foram mobilizados os sofisticados
meios tecnológicos ao dispor dos americanos para provar que a multinacional
não tinha tido nada a ver com o local onde o navio descarregou o gasóleo, a não
ser o facto de isso ter acontecido perto de uma das suas sondas, ao largo da
costa nigeriana. O que acabou tendo um efeito boomerang para os nossos
«experts» em segurança marítima, já que a Chevron, com o apoio da embaixada
americana, apressou-se a endossar os dados às autoridades angolanas competentes.
Ficou patente que o Chefe das Operações da nossa MGA não sabe que é quase
impossível um navio esconder-se dos sistemas de vigilância via satélite quando
no alto-mar. Fontes da MGA disseram ao SA que a medida cautelar então tomada
foi concentrar as intervenções na media apenas no porta-voz da MGA, o Capitão
de Mar e Guerra Augusto Alfredo Lourenço.
Justificação nigeriana
Mas nem tudo o que o Chefe de Operações da MGA disse foi
«politicamente incorrecto». Houve uma informação por ele passada –
inconfidência talvez – que a instituição castrense tentou depois «varrer para
debaixo do tapete»: foi o dado segundo o qual as tripulações dos dois navios
estavam detidas e sob investigação.
No dia 26 de Janeiro, a Marinha de Guerra da Nigéria confirmou,
em comunicado assinado pelo seu Director de Informações Navais, Comodoro Kabir
Alyiu, que tinha localizado e detido o MT Kerala a 50 milhas náuticas a
Sudoeste do Terminal Petrolífero de Pennington. Informava ainda que dois
navios, o MT IDRI e o rebocador GARE, estavam junto do Kerala a realizarem a
transferência do gasóleo em alto mar, o que é punível pelas leis nigerianas.
Com base nisso, os três navios foram detidos, encontrando-se sob custódia no
porto ganês de Tema, estando operativos da Interpol a investigarem o caso. O
«petroleiro ladrão» foi seguido até à área de Lagos, onde seria também detido.
O
comunicado não diz o que se passa com a carga roubada que levava, se ainda
estava no navio ou fora. Termina dizendo que as investigações da Interpol, com
a colaboração das autoridades do Gana, Angola e Nigéria, poderão ser «muito
úteis» para «identificar colaboradores no alegado acto de pirataria», mas
salienta que as tripulações têm colaborado pouco ou nada com as autoridades
após a dita soltura do navio pelos «piratas».
Kerala Lda
faz finca-pé
A direcção
da Kerala Lda., baseada na Grécia, mantém-se firme na sua versão de que houve
um acto de pirataria. Num comunicado de imprensa emitido no dia 26 de Janeiro,
mantém essa versão, mas evita comentar as afirmações das autoridades angolanas.
Diz apenas que já pôde falar com o capitão do navio e que a tripulação está
completa, se bem que haja um ferido, esfaqueado nas costas, mas «grande parte
da carga foi roubada». Acrescenta que não providenciou informações à imprensa
«enquanto a situação se desenrolava», de acordo com as boas práticas nestas
circunstâncias, mas trabalhou com as autoridades competentes para a solução do
incidente.
«Agradecemos as agências de
inteligência da Europa e da América do Norte, que nos ajudaram nesta situação,
assim como os vários países que destacaram navios para monitorarem os piratas
e que nos concederam a assistência necessária», lê-se no comunicado. Finaliza
dizendo que «representantes de agências que têm experiência de lidar com este
tipo de incidentes de pirataria vão estar a bordo do Kerala para recolher
evidências, por formas a trazer à justiça aqueles que cometeram esse crime à
nossa tripulação e ao nosso navio».
No entanto,
sobre a carga é como se fosse nada…
O que diz o
«Mujimbo Press»
Bem à moda mwangolé – a seriedade do
assunto nunca bastou para os palpites das «bocas da funjada de sábado» -, vai
correndo a informação secreta (mas que nunca é secreta, como tudo de saboroso
do «mujimbo press») de que a verdade verdadeira é que a SONANGOL foi vítima do
suposto golpe por dever um balúrdio à armadora pelos carregamentos anteriores
que tinha feito. E a nossa petrolífera, (mal) habituada a pagar quando quer e
muito bem entende, não dava garantias de que fosse honrar os compromissos
financeiros, quando o contrato terminava a 12 de Fevereiro. O resto, como
consta, correu por conta da armadora: uma golpada daquelas.
O que, a ser
verdade, teria sido de uma ingenuidade sem tamanho, num mundo com a rigidez de
procedimentos e sofisticação como tem o petrolífero. Além do facto de que um
crime jamais se resolve com outro, há também a questão de que, a ser provada,
esta empresa grega está certamente fadada à falência. Pois, não haverá mais
concessionária que irá confiar a sua preciosa carga de derivado de petróleo a
quem entra nestas manigâncias…
O bom que advirá
disso é que, pela primeira vez, as autoridades dos países do Golfo da Guiné têm
a chance de investigar, compreender e actuar em relação aos incidentes de
roubo de cargas de petróleo e derivado, quase sempre em suas águas
territoriais. E se houver vontade política, esta pode ser uma oportunidade
ímpar para desmantelar as redes, maioritariamente nigerianas, que se dedicam
a estes actos marginais.
Para Angola, o bem que advirá disso é
que fica a prova provada de que, se antes o mar era um elemento seguro de onde
não vinha perigo algum, agora a situação é completamente diferente.
E os países dessa
região, que investiram milhares de biliões de dólares na extracção do petróleo
não mais se podem dar ao «luxo» de proteger esta fonte essencial da sua
economia com umas «chatas» a que chamam de «navios-patrulha». As Marinhas de
Guerra destes países – entre os quais se conta Angola, obviamente – precisam
urgentemente de ter este ramo das forças armadas com capacidade
técnico-operacional e humana para impor o devido respeito e impedir acções
como esta do desaparecimento da carga da SONANGOL que vinha no MT Kerala.
In SEMANÁRIO
ANGOLENSE. Edição 551 de 08 de Fevereiro de 2014
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