Para quem gosta de observar mais atentamente as transformações que estão sendo operadas diariamente no chamado casco urbano desta cidade de Luanda que nos viu nascer já lá vai mais de meio século, o engarrafamento acaba por ser um grande aliado e um óptimo consultor, a quem não precisamos de pagar rigorosamente nada, para além do tempo que podia ser dinheiro, mas isso é mesmo conversa para inglês ouvir.
Para o angolano que se preze e que vive em Luanda, já
não é verdade que o “time” seja mesmo “money” e se for, deve ser apenas para
perder muito e nunca para tentar ganhar algum. Muito menos para fazer contas à
vida.
Seria efectivamente uma perda ainda maior de tempo,
com a qual neste momento ninguém parece realmente interessar-se, talvez por já
muito poucos de nós acreditarem que a actual tendência pode vir conhecer a
medio prazo alguma inversão.
São verdadeiramente estarrecedores os números
avançados por um recente estudo feito por alguém, cujo nome não me ocorre agora
(sorry!), sobre o impacto negativo do engarrafamento na nossa economia.
Em Angola do ponto de vista do seu valor económico,
este “produto” deixou de fazer qualquer sentido, particularmente para os
luandenses que há muito viram o seu dia reduzido a vinte horas ou mesmo menos,
por força do improdutivo tempo que são forçados a passar no interior das
viaturas, “através” dos trajectos obrigatórios que todos os dias percorrem
entre casa/serviço/escola/vadiagem/casa.
Felizmente que não estou pessoalmente afectado por
este corte draconiano no orçamento do meu tempo diário, o que me tem permitido
fazer uma grande economia das minhas reservas de stress.
Faço, entretanto, questão de aproveitar da melhor
forma o tempo que passo nos engarrafamentos, observando particularmente a
paisagem de betão armado que me rodeia, para além de outros “pormenores de
reportagem” que vão fazendo esta cidade acontecer, como muito gostam os
jornalistas de falar.
Gostar de observar a tal paisagem luandense não quer
dizer que goste, nem pouco mais ou menos, da forma como ela tem estado a ser
transformada a olhos vistos, pela mão e os interesses de alguns homens, que na
economia de mercado também são conhecidos por capitalistas ou investidores,
cujos valores orientadores nem sempre coincidem com os meus.
Foi num destes trajectos que faço pelos
engarrafamentos da “city”, que esta semana o meu radar foi atraído por um dos
muitos prédios novos que têm estado a alterar substancialmente a paisagem da
baixa luandense.
Terça-feira última dei de caras com o imponente
edifício que está a ser construído no local onde antes estava localizado o
“Teatro Avenida”, uma herança cultural do tempo colonial que, por força do
demolidor camartelo e dos interesses dos tais homens atrás referidos,
desapareceu subitamente do mapa da nossa urbe.
Pela primeira vez, devo confessar, reparei nos dizeres
do obrigatório placard que sinaliza a referida obra e vi que a torre que ali
vai nascer se irá chamar também “Edifício Teatro Avenida”.
Devia andar mesmo muito distraído, para só agora ter
reparado no nome do tal prédio, pois aquela artéria faz parte dos meus caminhos
habituais quase sempre que vou até à baixa ou no meu regresso do chamado
“passeio dos tristes”, que é aquele que se faz até à ponta da Ilha.
É pois com grande expectativa que aguardo pela
finalização desta obra, sobretudo para ver qual será o espaço nobre que será
consagrado às artes cénicas, no âmbito do que me parece ser uma parceria
publico-privada, tendo em conta que aquele terreno é (ou era) público.
Por alguma a razão, o edifício se vai continuar a
chamar “Teatro Avenida” e o financiamento (126 milhões de dólares) está a ser
feito por um banco público, o BPC.
Depois veio-me a memória, que na altura em que se
anunciou a demolição do Teatro Avenida houve efectivamente da parte das
autoridades do sector, o compromisso de incluírem no novo projecto imobiliário
um espaço substituto do teatro que acabava de ser “abatido” sem dó, nem
piedade.
Como sei que a palavra de honra neste país também tem
estado a ser desvalorizada a um ritmo preocupante para algumas referências mais
sólidas do passado (que já é para esquecer), resolvi pesquisar um bocado e
encontrei na Net o projecto do edifício que esta semana caiu no meu radar.
Efectivamente, esta lá tudo no papel conforme foi
prometido. Luanda vai ter naquele prédio de 21 andares um moderno teatro com
capacidade para mais de 500 pessoas sentadas.
Uma das preocupações que tenho manifestado em relação a demolição de edifícios em Luanda tem a ver exactamente com a salvaguarda do interesse público, sempre que haja cedência dos seus espaços para o investimento imobiliário.
Uma das preocupações que tenho manifestado em relação a demolição de edifícios em Luanda tem a ver exactamente com a salvaguarda do interesse público, sempre que haja cedência dos seus espaços para o investimento imobiliário.
Quando, usando o seu poder discricionário, o Governo
cede o espaço de uma escola pública para no seu lugar ser erguida uma torre
qualquer, tem de haver necessariamente uma troca vantajosa para o Estado ao
abrigo da qual essa mesma escola ou continua no mesmo local ou seja construída
num outro terreno, com todas as mais valias resultantes da sua
modernização/ampliação.
Sem dominar o que se passou com o negócio que envolveu
a construção do “Edifício Teatro Avenida”, estou em crer que ali está uma
referência menos problemática, a ter em conta neste tipo de gestão da
coisa pública.
O mais certo é que me falta neste momento a necessária
informação para tirar aqui outras conclusões mais definitivas, mas não me
lembro de ter visto nos últimos tempos uma “parceria” com os contornos do que
se passou com o aproveitamento do terreno onde estava aquele teatro que
herdamos do tempo da outra senhora e que, portanto, era de todos nós, enquanto
luandenses, de gema ou sem ela.
NA- Texto publicado no semanário “O País/Revista
Vida/Secos e Molhados/27-09-13″
http://morromaianga.com/o-futuro-teatro-avenida#.UkkzEIjutjw.blogger
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