Mesmo
que não se tenha feito um balanço geral por um órgão oficial, o nível de
desemprego no país está a atingir níveis astronómicos. Há ainda em várias
províncias de Angola muitos cidadãos desempregados e principalmente em Luanda,
a capital do país, onde se verifica maior aglomeração de pessoas. Muitas
vítimas desta realidade apontam o facto de que o Estado não tem cumprido com
certas obrigações como é o caso da criação de políticas de emprego que possam
inserir de forma imediata os jovens no mercado de trabalho. Os concursos
públicos têm sido um verdadeiro «negócio da China» na opinião daqueles que
concorrem, procurando obter uma vaga no aparelho do Estado e não só.
SEMANÁRIO ANGOLENSE.
Baldino Miranda
O
nível de desemprego em Angola cresceu de forma assustadora nos
últimos anos e, por este motivo, é notória a preocupação da juventude que
reclama a forma como algumas empresas do sector privado e inclusive do próprio
aparelho de Estado recruta o pessoal.
As
faixas etárias mergulhadas no desemprego variam dos 18 aos 40 anos de idade. A
maioria não possui uma formação técnico-profissional que permite uma inserção
imediata no mercado de trabalho. Mesmo na ausência de um censo populacional, ou
seja, não existindo exatamente um número determinado de quantos são os angolanos
actualmente, dá para perceber o sofrimento dos cidadãos que não conseguem pôr
um pão na mesa devido a falta de emprego.
Não
se sabe realmente quantos são os angolanos, mas, pesquisas feitas por empresas
vocacionadas a trabalhos do género, mostrando quantos fazem uso de certos serviços
sociais como a banca, serviços de telefonia móvel ou mesmo fixo, quantos fazem
uso dos cartões bancários electrónicos ou outros serviços sociais, conclui-se
em função destas consultas que pessoas empregadas como tal existem num número
bastante reduzido e percebe-se através dos centros de emprego que o fluxo de
desempregados é maior.
Uma
outra prova de que o nível de desemprego está cada vez mais alto, é o número de
candidatos que se inscrevem nos concursos públicos quando qualquer instituição
do aparelho do Estado o promove. É indubitavelmente assustador, pois chega-se
mesmo a atingir uma cifra de 30 a 40 mil candidatos para apenas 100 ou 300
vagas para esta ou aquela instituição.
Nos
últimos meses do ano transacto, o Ministério do Urbanismo e Habitação promoveu
um concurso público de ingresso e centenas de indivíduos acorreram as
instalações da referida instituição para inscreverem-se, na ânsia deixar o
desemprego. Na altura constatou-se que, de forma muito desesperada, muitos
candidatos não pareciam ter alguma esperança porque eram provenientes de
outros concursos cujos resultados não foram satisfatórios.
Só
no ano passado, vários ministérios realizaram concursos públicos e muitos
destes, com vagas muito limitadas para responderem a demanda. Logo, tais
concursos sempre pareceram uma «gota num mar imenso» de desemprego que, na sua
maioria, pertencem as famílias mais carenciadas deste país.
Como
muitos candidatos explicaram, quando qualquer ministério anuncia um concurso
de ingresso, há já também uma lista enorme de familiares de muitos funcionários
que fazem pedidos à comissão do jurado no sentido de priorizarem os seus
parentes, mesmo sem estarem capacitados para responderem aos níveis de exigências
a que serão submetidos ao longo do exercício das actividades da função
pública.
O
nível de desemprego cá entre nós é assustador. Recentemente, a
Procuradoria-Geral da República (PGR) promoveu igualmente um concurso cujos
testes foram realizados no dia 11 de Janeiro do ano em curso. No acto de
inscrição dos candidatos foi possível verificar, novamente, o quanto boa parte
da juventude angolana, se não mesmo a maioria, carece de um emprego digno.
Independentemente de a instituição
ter aberto o concurso com um nível de vagas mais ou menos aceitável, o número
de candidatos inscritos, como sempre, ultrapassou as expectativas: mais de 50
mil inscritos para concorrerem em várias categorias, desde pessoal
administrativo à técnicos de justiça. Por incrível que pareça, aliás, é de
conhecimento público que, quando a PGR promove concurso público, verificam-se
enchentes, principalmente devido a fama que tem de remunerar com justiça os
seus funcionários.
A reclamação sobre a falta
de emprego, é feita não apenas por cidadãos formados em algum ramo do saber,
mas também por aqueles que nem sequer têm uma formação. Segundo estes, é
obrigação do Estado implementar políticas para a formação técnico-profissional
dos cidadãos e para a sua inserção imediata.
Este tipo de formação tem
uma certa importância nos países em reconstrução nacional e servem de alavanca
não só para baixar o índice de desemprego, como também auxilia de alguma forma
na organização e desenvolvimento do país. Um exemplo desta realidade é o
Brasil, a China e outros países próximos do primeiro mundo que têm o homem como
ponto de partida para o progresso.
Concursos públicos ou
negócios da China?
Há quem diga que os
concursos públicos promovidos por várias instituições são da «chacha», uma
autêntica mentira. Quando os concursos são anunciados, certos candidatos
preferem preparar valores monetários para corromper certas pessoas que estejam
envolvidos directamente no processo para facilitarem o seu ingresso na função
pública, chegando a desembolsar valores que rondam entre dois a três mil
dólares.
Deste modo, a reforma na Administração
Pública não deve apenas cingir-se no ponto de vista estrutural, ou seja, não
são apenas as infraestruturas que padecem de remodelação, mas também a
consciência de cada funcionário e agente da administração pública, para que se
tenha instituições democráticas que prestem um bom serviço ao povo angolano.
Chega a ser um tanto ou quanto
complexo quando, no momento dos testes, as pessoas que dominam a matéria são
preteridos a favor deste ou daquele filho, primo ou sobrinho do chefe. Os
concursos sempre estiveram eivados de vícios em quase todas instituições.
Face à controvérsia, o Semanário
Angolense (SA) saiu à rua e ouviu alguns cidadãos desempregados que, de acordo
com as suas necessidades, andam a procura de um emprego há muito tempo. Aliás,
muitos confessaram que já passaram dos 24 ou mesmo dos 27 anos de idade, mas
ainda tentam «caçar» o seu primeiro emprego que, como se sabe, não tem sido
fácil encontrar, tanto no sector privado como no público.
Para o sector público,
muitos confessaram que não tem sido fácil pois, no momento do teste, as
matérias são totalmente acessíveis mas, no momento da selecção ou da
publicação dos resultados, quem consta são apenas as pessoas que cumprem
formalidade ou seja, aquelas que já têm os nomes inseridos antes da realização
dos testes. Esta situação tem criado um ambiente de mau estar entre vários
candidatos, como soube o SA em conversa com pessoas que já participaram em
vários concursos públicos.
Pascoal dos Santos é
estudante do 4º ano de Sociologia na Faculdade de Ciências Sociais na Universidade
Agostinho Neto, tem 27 anos de idade, é natural de Luanda e nunca trabalhou
antes. O jovem perspectiva, este ano, assim que terminar a formação, inscrever-se
em todos os concursos que forem promovidos pelos órgãos públicos para conseguir
assim o seu primeiro emprego. Desde que ingressou no ensino superior já
participou em vários, com maior incidência para os concursos promovidos pelo
Ministério da Educação, em que tem sido constantemente infeliz.
«Nunca
trabalhei, não por falta de vontade, mas dos concursos em que participei nunca fui feliz. Já fiz testes
pelo Ministério da Educação, do Urbanismo, dos Antigos Combatentes e Veteranos
da Pátria e tantos outros. Mas, mesmo tendo o domínio da matéria nunca
consegui passar. Motivos? Não sei», desabafou.
O nosso interlocutor lamentou o facto de,
até ao momento, estar a depender dos pais em quase ainda muitos aspectos da
sua vida particular. «Até para comprar um simples caderno dependo do meu pai,
tudo porque o Estado, que nos podia proporcionar emprego e bem-estar, não o
faz. É extremamente complicado. Não se concebe, como é que pessoas visivelmente
incompetentes, que foram submetidos às mesmas provas que eu conseguiram
ingressar».
Pedro Piete, tem 24 anos de idade, é
igualmente natural de Luanda e está desempregado há uns anos. Actualmente é
estudante do 2º ano do curso de Engenharia Informática. Desde que foi
despedido de um restaurante onde trabalhava como servidor de mesa, a sua vida
nunca mais foi a mesma. Passou a ter problemas sérios com o desemprego. As
necessidades académicas foram tendo um nível superior em relação aos anos anteriores
quando tinha um vínculo laboral, porque conseguia sustentar a formação com
finanças provenientes dos seus encarregados e também com o que ganhava.
«Ter um emprego em Luanda não é tão fácil
como se pode imaginar. Aliás, isso é de conhecimento público. Também já
participei em muitos concursos públicos, mas tem havido mais injustiças do que
justiça. Há candidatos que mesmo não tendo conhecimento ou domínio das coisas
ingressam com alguma facilidade», disse.
Castro Paiva, natural de Luanda, bacharel
em Zootecnia pelo Instituto Superior Politécnico do Kwanza – Sul, regressou à
Luanda e tentou ingressar na Direcção Provincial da Agricultura, onde não foi
bem-sucedido.
«Tentei duas vezes. A primeira foi no
concurso do Ministério da Educação, não fui aprovado, não sei por que razão; a
segunda foi no próprio Ministério da Agricultura, também reprovei. O mais estranho
neste processo todo é que pessoas incompetentes ingressaram», denunciou.
O
crescente nível de desemprego não se verifica apenas em Luanda, províncias
como Benguela, Huambo sobretudo, Huíla, Kwanza – Sul e tantas outras, também
registam um número elevado de desempregados, embora existam aqueles que por
iniciativa própria decidem não trabalhar: são os considerados desempregados
voluntários.
Violação
das leis
O Estado, quando esvaziado do seu poder de
«Ius Imperi», ou seja, o poder da autoridade, coloca-se na posição de privado.
Os princípios ou normas jurídicas destinadas a regular as relações entre
particulares abrange este. Assim sendo, no âmbito das políticas gerais de
emprego, tanto as empresas privadas e as empresas públicas devem respeitar o
regime de aplicação da lei do primeiro emprego.
Tanto as empresas privadas como as públicas, numa
primeira fase, não devem exigir a certos candidatos experiências profissionais
que não estejam ao seu alcance. Empresas há que, mesmo sabendo que o
candidato terminou uma certa formação técnico-profissional recentemente,
exigem uma experiencia de cinco anos de serviço no ramo, entre outras questões
inadequadas. O direito ao trabalho está consagrado na Constituição da Republica
de Angola no seu artigo 76º. Este preceito realça que o trabalho é um direito e
um dever de todos. Todo trabalhador tem direito à formação profissional, justa remuneração,
descanso, férias, protecção, higiene e segurança no trabalho, nos termos da
lei.
O seu número 3 consagra que, para
assegurar o direito ao trabalho, cabe ao Estado promover a implementação de
políticas de emprego, a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou
género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado por
qualquer tipo de discriminação.
A lei de base do Primeiro Emprego, lei nº
1/06, de 18 de Janeiro, refere no artigo 4º os princípios gerais daquele diploma,
segundo os quais, a política nacional de inserção de jovens à procura do
primeiro emprego rege-se por: (a) Criação de mecanismos e de instrumentos
legais e operacionais, que assegurem aos jovens à procura do primeiro emprego
o pleno exercícios de seus direitos fundamentais decorrentes da lei
constitucional e da legislação complementar que propiciem o seu bem-estar pessoal,
social e económico; (b) Desenvolvimento de acções conjuntas do Estado angolano
e da sociedade de modo a garantir a inserção de jovens à procura do Primeiro Emprego
no contexto social, económico, cultural e político;
Os diplomas
acima mencionados regulam as políticas de emprego de forma geral e a do
primeiro emprego para aqueles que nunca tiveram oportunidade de trabalhar,
quer seja na função pública ou no sector privado. O que realmente se verifica
é que tanto o Estado, assim como as empresas privadas, não cumprem
devidamente com estes diplomas.
Populares preocupados com elevado nível de ociosidade
João Silva
Luanda
é a cidades que mais recebe jovens e não só, de quase todas as províncias, a
procura de um emprego melhor e satisfatório. Por este motivo, acumulam-se
grandes pilhas de documentos nas recepções de alguns centros de emprego da
nossa cidade.
O município de Viana também
vive esta situação e, nos centros de emprego locais, há muitas solicitações por
parte de jovens desempregados, na sua maioria com idades compreendidas entre
os 18 e 30m anos de idade, que procuram desesperadamente um emprego.
O Semanário Angolense (SA)
visitou o Centro de Emprego de Viana e verificou que, como em outros centros, a
situação ali é bastante preocupante. No local, alguns cidadãos aproveitaram a
oportunidade e desabafaram as suas incertezas.
De acordo com eles, mesmo os
técnicos superiores têm muitas dificuldades para arranjar emprego, porque
muitas empresas preferem pagar salários baixos e preferem empregar técnicos
médios e básicos. Empregar um técnico com formação superior fica mais caro.
O SA contactou a secretária daquele
centro de emprego na pessoa da senhora Arminda Costa que, gentilmente, acedeu
em responder a algumas preocupações. Em relação as oportunidades de emprego
para técnicos superiores, Arminda Costa respondeu que as vagas para técnicos
superiores são como qualquer outra vaga. «Este tipo de candidatos, após
inscritos nas nossas instituição, são propostos à empresas que solicitam
determinado tipo de especialistas», explicou.
Falando do elevado índice de
desemprego, a secretária do Centro de Emprego de Viana foi peremptória em dizer
que «a colocação de cidadãos desempregados em empresas que solicitam pessoal
está a decorrer as mil maravilhas. Os jovens estão a ser inseridos conforme as
suas habilitações literárias e profissionais. Só este ano, 2014, foram colocados
cerca de mil e 600 jovens para as mais diversas vagas».
Sobre as profissões mais solicitadas
considerou que «todas as vagas são bem concorridas e notamos que as vagas mais
concorridas são para técnicos básicos e médios, Quanto aos técnicos superiores,
tem havido solicitações a um nível aceitável e anda a bom passo».
Tendo em conta informações
oficiais, parece que o problema do desemprego em Luanda e em todo o país não é
para afligir. Mas a realidade, nua e crua, é bem diferente.
Não há nenhuma protecção
social para os desempregados angolanos, não há um subsídio de desemprego ou
algo similar. É preciso criar condições adequadas para atenuar o estado
actual do desemprego no país, assim como os empregos tenham remunerações
justas, As pessoas devem ser avaliadas pela sua competência, mérito e
defendidos por uma política de trabalho eficaz, com sindicatos e comissões de
trabalho funcionais; devem ser ouvidos em sede de concertação social para
zelarem não só pelos seus direitos como também pelos seus deveres.
O Governo prometeu um milhão de empregos
até 2012, mas ficou-se pela promessa. É preciso criar consenso em todas as
decisões no que respeita às pessoas, para que as promessas consigam sair do
papel. A realização do censo populacional será um instrumento que vai
facilitar um levantamento dos desempregados para se criar uma política social
eficiente com subsídios de desemprego, aumento do salário mínimo nacional para
níveis razoáveis. As empresas devem rever toda a sua política salarial e, o
Governo, deve criar um rendimento social para os mais carenciados e excluídos,
bem como apostar forte na educação nas escolas, nas empresas e na saúde.
Semanário
Angolense. Edição 553 de 22 de Fevereiro de 2014.
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