sexta-feira, 2 de julho de 2010

A Ocidente do Paraíso (79). Na cervejeira Cuca o químico é escorraçado


Agostinho Neto queria reunir com todos os coordenadores dos grupos de acção na Dona Amália. Já lá estávamos à sua espera. Ele chegou, o recinto era muito apertado. Eu estava no meio do nosso grupo. Ele teria que passar por mim quase encostado. Caminhou, fez uma ligeira paragem e por momentos olhámo-nos, olhos nos olhos. Depois fitou-me de alto a baixo. Não consigo imaginar o que ele estaria a pensar.

Lucas previne-me que o estado actual das coisas não era nada bom. A contestação a Agostinho Neto vai crescendo. O descontentamento em relação aos brancos e mulatos evidencia-se. Alerta-me para este facto. Confidencia-me que não foi para isto que lutámos. Quem lutou fomos nós, os que estivemos na primeira região. Quem sofreu fomos nós que estivemos na frente Norte. O MPLA deve-nos isso, e não estamos a ver nada.

São notórias as novas classes e a inversão de valores. O camarada contínuo passa a dar ordens. Os camaradas médicos – enfim todos os técnicos – passam a burocratas sem qualquer valor. Na cervejeira Cuca o químico é escorraçado, porque o trabalho dele é só provar cerveja. O que ele faz qualquer um de nós o pode fazer. Devido a isso a produção pára. Todos os serviços querem ser equipados com coisas novas. Carros não faltam, duram pouco tempo devido à falta de manutenção, ou aos acidentes constantes devidos aos excessos do álcool. Um ministério ainda com as suas máquinas de escrever IBM, impecáveis, abandona-as e importa novos modelos. No Jornal de Angola uma máquina apodrece no Porto de Luanda. Ninguém liga. Gabam-se que o país é muito rico, e que tudo é apenas mais um ou menos um barril de petróleo. A era do consumismo é inaugurada. Para as lojas do povo os brasileiros conseguem exportar garrafões de vinho de marca inventada à última hora – mosteiro – que era uma mistela química que punha muita gente no hospital. Passámos a designá-lo morteiro. Outra táctica dos brasileiros foi conseguirem exportar sal para Angola em embalagens de vidro cujo rótulo dizia: Alho com sal.

Os búlgaros aproveitam a onda e exportam copos de vidro com compota de fruta. Importam-se milhares de calculadoras de secretária com relógio incorporado. A calculadora trabalhava ligada à rede e para o relógio eram necessárias duas pilhas. Era o grande consumismo. A UNTA – a nossa central sindical – democraticamente obriga-nos a descontar um por cento do nosso salário. Nunca conseguimos saber o destino dado a esses dinheiros.

A Tina está prestes a dar à luz. Como me alertaram que no hospital são perigosos os partos de mestiços, porque consideram as negras prostitutas, os partos das crianças mestiças são para matar, decidi pedir auxílio ao cunhado do senhor Figueira.

Recebeu-me no seu apartamento situado a cem metros do Comissariado Provincial de Luanda. Aquino – era assim que se chamava – depois de o informar que vinha recomendado pelo seu cunhado Figueira, convidou-me a sentar. Era alto e robusto, muito musculoso. Notava-se que praticava algum desporto. Pelo aspecto andaria próximo dos cinquenta anos. O ambiente à nossa volta mostrava desorganização notável. Livros por todo o lado, alguns quase em cima de pratos com restos da refeição do dia anterior. A toalha da mesa abundava de pó. Algumas garrafas vazias de uísque espalhadas indicavam que Aquino era um bom bebedor, tal como Figueira me havia prevenido. Era também evidente que havia a falta de uma mulher. Aquino iniciou o diálogo:

Imagem: http://pissarro.home.sapo.pt/memorias23.htm

1 comentário:

Calcinhas de Luanda disse...

Afinal estes textos que tem apresentado ultimamante contrariam os seus dislates contra os brancos. Em que ficamos, afinal os brancos não eram todos uns patifes? E os colonos tugas uma M...?
Então e agora!?
Pois é, lá vem o velho ditado português "atrás de mim virá, quem de mim bom fará".
Não pretendo com estes meus comentários limpar o colonialismo. Longe disso! Agora o que a história no futuro irá contar é que os líderes da Angola que começou a se formar, foram uns verdadeiros criminosos.
Depois andou prá aí um revolucionário-patriota recém-falecido a falar dos portugueses de ocasião. Devia era ter feito barulho na época da "limpeza para a vala-comum". Talvez então não houvessem tantos portugueses de ocasião, nem uma juventude que foi cobardemente ceifada.
E tem mais, Você por este andar vai ganhar uma viagem grátis do EME para Luanda 2!
Por favor, isto não é uma ameaça, apenas uma preocupação.
Embora às vezes não concorde consigo, acho que vozes como a sua são fundamentais, para que a verdade venha à tona.