sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Ocidente do Paraíso (85). Os colonos levaram alguns dos vossos cabelos. Desta vez até os cabelos do cu vos vão tirar.


Angustiei-me com os dias próximos, aguardava que a segurança nos viria prender para interrogatórios. Tranquilizámo-nos porque decerto, Bento Salomão debaixo de torturas não nos denunciou, porque o assunto caiu no esquecimento. Claro que fiquei muito sentido com isto. E meditava constantemente: como é que um país passa o tempo a matar toda a sua juventude na guerra? Que futuro teria este país? Aliás, já era notável constatar que esta guerra era um grande negócio. Bastava ver a opulência de algumas empresas que surgiram do nada.

Uma jovem São-tomense era grande amiga do Bento Salomão. Alguns dos seus colegas de trabalho com o jornal na mão aproximaram-se dela. Revelavam desconfiança e agressividade:
- Mulata amiga de bombistas, escapámos de levar bomba aqui.
- Olhem seus negros atrasados. Os colonos levaram alguns dos vossos cabelos. Desta vez até os cabelos do cu vos vão tirar.
Com a agressividade frustrada, os colegas desvaneceram-se rapidamente por entre risadas.

Os dois sócios portugueses não se entendiam. Um deles levava o dinheiro das receitas e passava as noites a jogar póquer. Levantava-se ao meio-dia e aparecia no serviço com cara de sono. Perguntava pela receita diária. Todo o dinheiro que havia levava-o para as suas continuadas e infindáveis sessões de póquer. Contraiu muitas dívidas e devido a isso deixou de haver dinheiro para pagar os vencimentos. O outro sócio dissolveu a sociedade que apenas resistiu quase um ano. Falou com alguns de nós que ia criar uma nova empresa. Os moldes de actuação seriam diferentes – tentava convencer-nos – porque seríamos todos sócios. Defendia a nova empresa como um embrião de futuras cooperativas. Um modelo das cooperativas soviéticas em Angola. Afirmava-se como um grande e genuíno comunista... mais um comodista. Um verdadeiro revolucionário.
O seu genro e filha informaram que o MPLA em nome do poder popular confiscou-lhe a sua granja, onde conseguia um bom negócio com a venda de frangos e vários outros produtos. Que isso de grande comunista era pura ilusão. Ele nunca tinha sido comunista na sua vida.

A empresa, ou cooperativa, seria constituída por sete sócios. Três homens: Eu, o promotor e o seu filho de apenas dezasseis anos. A sua filha casada, cujo marido tinha uma empresa de relações públicas mesmo ao nosso lado. Ele e o sogro não se podiam ver. Já tinham acontecido algumas cenas de pugilato entre ambos – conforme narrado pela filha – e três mestiças de Benguela que nunca consegui saber as ligações que mantinham com o promotor da sociedade. Eram reservadas. Mas quando abria a porta do gabinete do promotor – que insistiu que a quota maior da sociedade seria dele – elas movimentavam-se com grande à vontade.

Imagem: lusofolia.blogspot.com/2006_01_01_archive.htm

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