quarta-feira, 14 de julho de 2010

Sonho de uma independência tropical


A independência contempla-me afastada, fugidia, triste, escureceu como breu.
É uma independência ao luar. E tudo ela me levou, me espatifou, me espoliou.
Agora resta-me o direito, o retorno da milenar lei da escravidão. Olho para o luar, a única coisa que me resta destas noites tão frias com a minha filhinha apátrida, e fingimos que estamos no palácio presidencial a assistir na TV aos campeonatos de futebóis nacionais e internacionais. E quando alguma estrela se move, rio-me para a minha filhinha que o pai abandonou, e ensino-lhe que aquela estrela é uma novela que está a passar nos confins do céu. Que deve ser uma princesa errante a brincar com o seu amante.

E a minha filha alenta-me aquela música que costuma tocar na rádio Ecclésia: «Levanta-te mamã! Qual é a barreira que te impede de avançar? Levanta-te mamã!»

Mas porque é que esta independência está tão escura, de maldade tão obscena, de tão odiosos e desintegrados túneis.
Esta é a independência para os brancos e para alguns negros, para nós apenas alguns trapos e os destroços da opulenta fracassada corrupção petrolífera.
Tudo acaba como começou.
Choro neste universo de chão deserto, órfã sem direito à terra que me pertence espoliada pelos bancos Brancos do petróleo do Negro poder.

Olhai-me nobreza negra sob disfarce branco! Das profundezas dos vossos poços petrolíferos, e do alto dos vossos palácios fendidos, um milhão de casas-casebres destruídas vos contemplam! E nelas erguerão mais fachadas da corrupção chinesa fissuradas.

Sim, insisto! Um milhão de casas-casebres destruir-se-ão, e um comboio subterrâneo de Kabinda ao Kunene descarrilará.
Não, não posso culpar o meu Presidente, porque quando ele milenarmente por aqui passa escoltado pelos seus carros de combate, a poeira agitada é tamanha que ele não vê nada. Sim! O muito pó do betão progressista ofusca-lhe os movimentos, o olhar e a mente. Deve ser por isso que ele não vê, não sente nada. Será que ele tem sentimentos?

Porquê que aqui só há direito a viver em palácios e em apartamentos de um milhão de dólares? E eu não posso viver num casebre de um punhado de dólares?

Acerca-se mais um eleitor muito desiludido, um dos integrantes dos comícios de rua itinerantes e dardeja o que se almeja: «Nós votámos no José Eduardo dos Santos porque acreditámos em tudo o que ele nos prometeu. E ele enganou-nos. Nada do que nos prometeu nos dá. Ele que tenha muito cuidado! Afinal é tudo para ele e para a sua família e para os estrangeiros seus amigos. Ele está muito confiado nos militares. Ele que tenha muito cuidado! É melhor que ele comece já a cumprir o que nos prometeu.»

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