segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Ocidente do Paraíso (82). Seremos todos iguais quando brancos e mestiços também varrerem as ruas.


De facto, Nito Alves nas suas intervenções mostra claramente a sua posição:
- Seremos todos iguais quando brancos e mestiços também varrerem as ruas.
Considerava que ele ainda era muito jovem para politicamente fazer frente a uma velha raposa como Agostinho Neto. Nito Alves começa a ser acusado de racista. Os temores de uma confrontação são evidentes, organizam-se manifestações. Na minha rua passam camiões cheios de pessoas gritando palavras de ordem. Vamos para a varanda assistir. Quando vêem brancos ou mestiços gritam ameaçadores:
- Vai para a tua terra colono! Abaixo os mulatos e os brancos! Morte aos brancos e mulatos!
A Tina aparece de repente na varanda. Diz-me para me esconder. Levo as crianças. A Tina grita para os manifestantes:
- Abaixo os brancos… abaixo os brancos e os mulatos!
Pretendia iludi-los, fazendo-lhes crer que aqui éramos todos negros.

De facto, depois veio uma grande confrontação. A rádio estava silenciosa. Mais tarde ouve-se uma voz que anuncia:
- Já se encontram nos estúdios as forças fiéis a Agostinho Neto!
Soube-se depois que houve uma grande matança. Neto diz que não haverá perdão para ninguém. No Jornal de Angola surgem editoriais constantes com o título, Bater no Ferro Quente. Nito Alves consegue escapar, mas mais tarde capturam-no. Começa a caça aos Nitistas que são abatidos sem dó nem piedade. Do Lucas, Bakalof e muitos outros nunca mais os verei. Compreendi finalmente o que o Lucas me dissera de modo enigmático. Queria dizer-me: Se ele me encontrasse matar-me-ia. Lembrei-me das fotos que tirei com o Bakalof. Durante alguns meses andei intranquilo. E se encontrassem as fotos? Seria considerado Nitista? Fraccionista? Durante muito tempo escutava-se na Rádio Nacional uma versão em piano da música Cannon. Acho que era uma homenagem constante aos mortos. Por vezes uma grande batalha que vencemos, revela-se depois com o tempo uma grande derrota.

Desejando obter mais informações fui a casa do Aquino. Lá estava ele sempre rodeado de livros, sempre a estudar. Tinha junto de si um medicamento. Perguntei-lhe:
- Está doente?
- Um bocado em baixo.
- Esse medicamento é para quê?
- Quando trabalhei na Próquímica inventei um medicamento para curar alcoólicos, é o Nootropil.
Fiquei com receio de comentar porque não sabia como ele reagiria. Quer dizer que ele andava a tomar o medicamento que inventou para curar o seu próprio alcoolismo. Deu-me vontade de rir mas contive-me. Preferi conversar sobre o assunto do momento:
- Foi uma grande matança, não acha?!
- No fundo foi mais um conflito entre negros e mestiços. Os mestiços agora têm o poder.
Confesso que com esta não contava, retruquei-lhe:
- Os mestiços têm o poder?!!
- Aguarde e verá mais tarde. De qualquer modo coloca o país numa situação grave. Primeiro corremos com os brancos e ficámos sem quadros. Os que restavam em grande parte foram agora mortos. Como os mestiços geralmente têm mais conhecimentos facilmente dominarão as rédeas do poder.
- Marcelo Caetano escreveu na sua obra Depoimento que os três movimentos de libertação não passam de quadrilhas organizadas.
- Quero lá saber o que Marcelo Caetano escreve. Uma coisa é certa. Este país nunca mais se recomporá. Será novamente colonizado. Eu sou um cientista e ninguém me dá valor. Não consigo trabalhar nesta anarquia. O vencimento não me chega para nada. Livros não há, acabaram com eles. Os que existem só falam de política e da revolução. Já decidi… vou-me embora. Também já estou velho. Não se combatem os males, mas a sua origem.

Imagem: http://pissarro.home.sapo.pt/memorias23.htm

1 comentário:

Calcinhas de Luanda disse...

Pois é!
Os brancos eram uns patifes. Os mulatos como eram meios brancos eram meios patifes. Os negros que foram expoliados tinham o direito de se desforrarem a qualquer preço, muitos fizeram-no, quiçá cheios de razões históricas. E o resultado de tanto disparate, 500 anos de colonização, mais cinco de loucura e trinta de guerra civil, é a paródia que se sabe.
Será que ninguém nessa santa terra de Angola tem capacidade de parar para pensar a ver se se consegue travar o descalabro. É que só vejo dinheiro e poder, e demasiado e sem nexo, nos "pretos calçados". Quanto aos "pretos descalços" ainda estão mais expoliados do que antes. Em resumo entre "brancos calçados ou descalços" e "pretos calçados" que venha o diabo e escolha, que o "preto descalço" estará sempre lixado.