segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Ocidente do Paraíso (80). Uma das minhas alunas é a Irene Neto. É muito inteligente como o pai.


- Então o que é que o traz por cá?
Intrigado com a sua compleição física desviei-lhe a resposta:
- Desculpe, pratica algum desporto?
- Pratiquei halterofilismo até há pouco tempo. Devido aos afazeres actuais deixei de o fazer… mas diga-me o que pretende.
- É sobre a minha esposa – a Tina – ela está quase a dar à luz...
- Francamente, isso é assunto para um hospital e eu não sou parteiro.
- Mas, não sabe que os partos de mestiços são desprezados? Eu não quero correr riscos.
- Essa não sabia.
- Mas é a pura verdade.
- Espere que já vou tratar disso.
Procurou durante uns minutos até que encontrou um livro:
- Olhe, este livro vai ajudá-lo. Era de uma pessoa da minha família. Foi escrito para quem vivia nos matos, longe dos médicos. Têm um capítulo dedicado ao parto sem médico. Desculpe mas não posso perder muito tempo, porque estou a preparar as minhas aulas para amanhã.
- É professor?
- Sim, no Salvador Correia. Uma das minhas alunas é a Irene Neto. É muito inteligente como o pai. Ao princípio levavam-na de carro. Mas Agostinho Neto acabou com isso. Disse-lhe que os direitos são iguais para todos. Sais de casa como todos os alunos e levas uma sandes.
- Agostinho Neto fez isso?
- Apesar de tudo é muito humano. Já aconteceu durante um percurso em que ia com a sua escolta, viu um ferido e interrompeu a marcha para o socorrer. Agora ando muito preocupado, porque estou a preparar slides para fazer projecções aos primeiros estagiários dos petróleos que vão para Itália. Para que não saiam daqui sem os mínimos conhecimentos.

Estudei bem o livro no capítulo dedicado ao parto. Quando a hora chegou preparei-me para ser o parteiro do meu filho. Estendi um papelão grande no chão. A Tina abriu as pernas conforme determinava o livro. Pus uma panela com água até ela ficar morna. Preparei as fraldas e uma lâmina de barbear não usada previamente passada na chama para prevenir infecções, e um limão.
Era o primeiro parto que fazia na minha vida. Primeiro apareceu a cabeça do bebé e depois os ombros. Coloquei os dois polegares nas extremidades da vagina e fiz ligeira pressão, evitando ferir a criança. Isto ajudaria a mãe, e serviria também para que os tecidos não se rasgassem. Os ombros surgiram. O mais difícil estava feito. O recém-nascido de repente saltou como um peixe fora de água. Segurei-o muito delicadamente e deu os primeiros sinais de vida... espirrou e chorou.

O Mauro nasceu. Medi dois palmos da minha mão e com a lâmina cortei o cordão umbilical. Dobrei-o ao meio e enrolei linha com pouca pressão. Coloquei uma gota de limão em cada olho para desinfectar. Depois foi o primeiro banho para ficar devidamente limpo. A toalha e as fraldas ficaram a cargo da Tina.

Imagem: http://pissarro.home.sapo.pt/memorias23.htm

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