terça-feira, 6 de julho de 2010

A Ocidente do Paraíso (81). O 27 de Maio está na forja. Lucas apresenta-me o Comissário Politico das FAPLA.


O Mauro crescia rapidamente. Agora a grande questão era a sua alimentação. Passou a alimentar-se de caldos de galinha que era a única coisa que se conseguia arranjar. Devido à má alimentação começou a ter problemas com os dentes. Enviei um apelo ao meu pai em Portugal para enviar comida para criança.
Fiquei surpreendido quando alguém apareceu vindo de Portugal com uma caixa com géneros alimentares. Era o pai do Aurélio que cumprimentei meio envergonhado. O meu pai sabia da sua vinda a Angola e entregou-lhe a encomenda. Ele conseguiu regressar mas ninguém da família viria. Veio gerir a sua empresa. Perguntei como estavam todos e particularmente a Marta:
- A Marta comentou que você merecia melhor.
Referia-se ao facto da Tina ser negra. Fiquei surpreendido com a afirmação mas preferi não fazer comentários. Ele notou:
- Já vi que a sua esposa tem a casa bem arrumada e organizada.
- Ela era governanta numa pensão.
- Pensei que fosse uma dessas que não sabem fazer nada.
Seria sempre mais ou menos assim. Os preconceitos de um branco viver com uma negra continuariam, nunca acabariam.

O 27 de Maio está na forja. Lucas apresenta-me o Comissário Politico das FAPLA, Bakalof, recentemente vindo da URSS. Conduzia um jipe de caixa aberta pequena, de cor amarelo-torrado, onde na companhia do Lucas demos umas voltas pela cidade. Lucas confidencia-me que ele me considera uma pessoa fixe. Algumas vezes Bakalof convida-me para sair. O destino é sempre o mesmo, a ilha de Luanda. Por mais que tente, Bakalof evita qualquer diálogo sobre a situação do país. Na companhia de algumas cervejas tento provocá-lo sobre a guerra generalizada que o país enfrenta. Bakalof prefere o mutismo, ou apenas responde com um sorriso. Nunca lhe consegui obter qualquer comentário.
O homem parecia extremamente reservado. Cansado, desisti de lhe colocar qualquer questão. Tirámos algumas fotografias juntos. Apesar de muito insistir com o Lucas que também queria uma cópia dessas fotos, esse desejo nunca me foi satisfeito.

Vou às reuniões regulares na Vila Alice. Parece haver uma desorganização cada vez mais saliente. Já não existem directivas como habitualmente. A situação parece-me confusa. Tentava trocar impressões com alguém mas não conseguia, ninguém me ligava. Senti-me marginalizado. Simplesmente discorri que estavam a afastar militantes. Não queriam mais brancos?! Muito preocupado com este estado de coisas falei com o Lucas. Ele mostra-se enigmático:
- Já viste, se daqui a alguns dias nos encontrarmos frente a frente, e um tiver que matar o outro? O Neto já está velho. Temos que mudar o Velho por um novo. Nós da frente Norte é que lutámos… o Nito é o nosso chefe.
Não me disse mais nada. Mas o aviso era claro. Alguma coisa iria acontecer. E como me desprezavam, isso significava que me afastaram do MPLA.
Fui pela última vez à Vila Alice, e entreguei-lhes a minha farda e a pistola.

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