Ouve-se a campainha da porta, Aquino vai abrir. Entra um mestiço muito alto e muito magro. Parece ter cerca de quarenta anos. O seu rosto apresenta cansaço, dir-se-ia precocemente envelhecido. Olha para as garrafas vazias e pergunta constrangido:
- Bebeste tudo, não guardaste nada para mim?!
Dirigir-se para a cozinha, Aquino previne-me:
- Cuidado, este é muito perigoso...
- Porra! Só sobrou isto?!
Vem para junto de nós. Apesar de Aquino lhe dizer que eu era uma pessoa amiga, ignora-me por completo. Abre a garrafa de uísque que descobriu na cozinha, despeja um bocado no copo, e vira-se para Aquino:
- Eh pá, estou fodido com esta merda!
- Porquê?!
- Mandaram-me reorganizar o Ministério das Finanças… não tenho ninguém... só se fizer a reorganização sozinho.
Aproveitei a conversa e dei a minha opinião:
- Se necessitar da minha ajuda, estou ao seu dispor.
Não me respondeu, era como se eu não existisse, e continuou:
- Mas com que meios vou trabalhar? E em que condições financeiras? Quanto vou ganhar? Nem um carro me dão. A resposta que me dão, é que a revolução necessita de sacrifícios. Como é possível trabalhar sem comer? Eles que se fodam todos:
Como ele não me prestava atenção decidi provocá-lo:
- Acho que isto está bom para os Cubanos e para os Russos.
Respondeu de um modo tão brutal que me assustou:
- Porra!!! Quero que você se foda, que vá para o caralho, não gosto de brancos!!!
Pensei que ele estivesse a brincar. Mas não, estava a falar a sério porque ainda reforçou:
- Aquino, se este branco de merda continuar aqui, saio.
Saí sem me despedir. Nunca mais os vi. Estava inaugurada a era da maldade e da falsidade.
A Tina estava-me sempre a xingar.
- Os outros brancos têm tudo e você não, porquê?! Estamos a viver assim tão mal, não entendo.
- Eu ganho a minha vida honestamente. Não sei roubar. Todos esses que vês por aí, que enriqueceram de um dia para o outro é porque roubaram. Também não sabem fazer outra coisa. Quem sobe depressa assim cairá. Temos que ter calma. Aos poucos e com muito trabalho, conseguiremos endireitar a nossa vida.
Mas a Tina continuava impaciente. Afirmava que as suas amigas a desprezavam porque o seu marido era um branco pobre. E que as outras negras que viviam com brancos não lhes faltava nada.
Consegui um bom emprego numa empresa nova, através de um ex./colega. Andavam a recrutar e a aliciar quadros e pagavam bem. Como fui recomendado entrei com as funções de chefe do património. A nossa condição financeira melhorou imediatamente. A Tina comprou um frigorífico – o outro já não congelava bem – e mobiliário de quarto em segunda mão, e camas para as crianças a pagar em prestações. Conseguiu isso graças às suas amigas que tinham maridos brancos. Eles não queriam aceitar a venda a crédito, mas as suas esposas conseguiram dar-lhes a volta. A Tina já se sentia mais satisfeita.
Imagem: http://pissarro.home.sapo.pt/memorias23.htm
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