sábado, 13 de agosto de 2011

O problema fundamental de Angola (reflexão). Marcolino Moco


Este texto é uma tentativa de resposta simultânea a várias solicitações, sobretudo da juventude e de órgãos de comunicação social, para me pronunciar sobre uma série de fenómenos: sobre a corrupção (para explicitar algumas ideias avançadas nos meus dois últimos textos), sobre a pobreza, sobre o pacote eleitoral e ultimamente, entre muitos outros aspectos, sobre os desmaios em várias das nossas escolas espalhadas pelo país. Mas, muito mais ultimamente (passe o inusitado literário), sobre o afastamento (demissão?!) do último Governador de Luanda.

http://marcolinomoco.com/

Confesso que tenho sentido pena de não poder satisfazer o desejo de muita gente, que com isso manifesta uma apreciação positiva relativamente a uma opção minha, nos últimos tempos, que já levam alguns anos: contribuir para estimular a reflexão sobre os problemas de Angola, no contexto africano dos tempos actuais (“ventos passados não movem moinhos”, o que não significa desprezar as lições da História).
O problema é que a abordagem desses temas todos, requer tempo de recolha de dados e sua análise, quando não mesmo alguma especialização que naturalmente não possuo sobre todos os assuntos. Doutro modo, o carácter demasiado perfunctório das abordagens, só pode criar mais confusão.
Mas, acredito que os meus leitores têm-se apercebido do esforço que despendo, enveredando por matérias da minha especialidade, particularmente no domínio técnico-jurídico e político-institucional. Porém, vício profissional e de vivência ou não, estou convencido que é aí onde reside o nosso problema fundamental, especialmente no domínio político-institucional, sendo que todo o rol de problemas específicos relevantes que temos vivido com intensidade, se me apresentam adventícios ou a jusante desse problema fundamental.
Numa caracterização muito sumária, o nosso problema fundamental não consiste, por si só, na longevidade do consulado do Engº dos Santos, que em termos políticos, pode ainda ser justificada pelo prolongado da nossa guerra fratricida, especialmente depois das eleições de 1992. O nosso problema fundamental, atingindo uma dimensão de anormalidade, é a anacrónica sacralização do poder, especialmente o poder do Presidente da República.
Trata-se de um poder extraordinário, que vem de antes da nova Constituição, aí mais no plano material. Com a nova Constituição, esta sacralização foi exacerbada com aspectos formais de vulto, consubstanciados nas atribuições anormais a si conferidas, algo que é assinalado praticamente por todos os estudiosos do direito comparado ou da ciência política, apenas amainados pelas deturpações da censura (ou autocensura?) nos nossos órgãos públicos de comunicação social. Porque chamo a isso de sacralização anacrónica? É que olhando, por exemplo, para os nossos universos próximos (SADC ou CPLP, enquanto a Guiné Equatorial não for admitida), tirando de fora provavelmente o caso do Zimbabwe, já não há mais sistemas do tipo em que o poder presidencial tanto se aproxime de uma teocracia humana, passe o paradoxo.
Talvez muitos dos graves problemas que vivemos actualmente, como o desemprego, a pobreza e a falta de habitação para as camadas jovens urbanas especialmente, ainda não sejam inteira e exclusivamente causados por esta situação singular. Mas uma coisa é certa, para mim: este é o nosso problema fundamental e, como costumo dizer, este é o maior desafio que a actual geração de políticos ou a própria comunidade cívica deve vencer, nos próximos tempos.
Mas vejamos como algumas das questões que referi inicialmente de que muitos me querem ouvir pronunciar-me de forma isolada, se relacionam com o nosso regime material político-institucionalmente anómalo.
Nos últimos dois textos, a pedido da Associação Omunga, falei da corrupção, cujos aspectos científicos, como confessei, não são minha especialidade; e um amigo jovem numa rede social electrónica disse que só ficaria satisfeito se eu, para além da medida de longo prazo (eu diria, da medida de grande alcance estratégico) que propus, falasse de medidas imediatas. Na verdade, não só em relação ao problema da corrupção, como a volta de muitos assuntos que nos apoquentam há um rol de medidas, entre as quais as judiciais a que se deve recorrer, que até começam a ser accionadas pelo próprio regime, mas, se formos a ver bem, tudo isso vai esbater-se no facto de que há faixas importantes de pessoas que são materialmente intocáveis, dentro deste sistema de santificação de alguns e de instrumentalização do poder judicial que está a vista de todos. Já estou a ouvir alguém a dizer que estou a exagerar. OK, mas então vejamos justamente este caso fresco de que me pedem para falar: o caso José Maria dos Santos que aliás se enquadra no âmbito mais vasto de “como se (des)governa a nossa malfadada capital.
Eu conheço o meu “mais novo” camarada José Maria; um quadro fantástico, cheio de vigor, com tantas oportunidades ao seu dispor fora e dentro do MPLA, mas acho que foi inoportuna a sua colocação como governador de Luanda, substituindo a mais experiente (tinha defeitos? Tinha. Quem os não tem?) senhora Francisca do Espírito Santo. Diga-se, que antes dela, outros excelentes quadros de grande gabarito político (é sobretudo o perfil político que se exige de um quadro nesse nível) foram sendo (in)explicavelmente afastados tal como antes inopinadamente nomeados. É aqui que está o problema: não há critérios minimamente objectivos para nomeações e “desnomeações”, prazos ou mandatos a cumprir, em tão elevadas funções; tudo depende, e hoje cada vez mais, dos “sábios e clarividentes” critérios de “Sª Exª o Presidente da República”.
Numa situação de desenfreada corrida ao enriquecimento, como imaginar que isso não seja, em si, um estímulo para o surripio (dão-me esta oportunidade fantástica de ser conduzido para este tacho formidável; só sei o dia da tomada de posse, nunca por nunca o do fim da minha missão, para me indagarem sobre os programas realizados, as verbas consignadas para um prazo determinado)? Porém, não estou aqui a insinuar que tivesse havido qualquer surripio do meu camarada “mais novo”. Na verdade -pasme-se – o que as fontes tão palpáveis do Palácio Presidencial espalharam como a futura próxima causa do afastamento do nosso Governador de apenas 6 meses, não foi afinal a alegada cobrança indecorosa de 25 milhões de dólares, por um terreno, a coitados de israelitas salvos a tempo pela oportuna e moralizadora intervenção de “Sa Exª o Presidente da República”, algo que terá sido investigado pela Procuradoria da República, sob “a sábia orientação do Chefe do Executivo”, mas tão somente por razões ponderosas da aplicação da nova Constituição sob “a sábia e firme direcção de Sª Exa”. E, pelo que sabemos, a não ser que pelo despertar deste artigo se faça diferente, as coisas vão mesmo ficar assim. Não se fala mais nisso. “Sª Exª” tomou medidas sábias e ponto final e não há mais explicações; só querem perturbar o Camarada Presidente, etc. etc.
Em quantos países mais se funciona desta maneira, mesmo em África? Como dizia o meu velho amigo português, o Dr. Almeida Santos, “ Preocupem-se”. Até porque, como já o tenho referido, esta doença da sacralização do poder, algo que não casa com a consagração de um Estado moderno e democrático, já há muito muito se transmitiu, também aos partidos da oposição. É de se acreditar que se fale numa eventual expulsão de um quadro como o Abel Chivukuvuku da UNITA, só porque estaria (ou não) na base da criação de um grupo de reflexão, no âmbito de uma natural disputa política a que essa organização nos estava a habituar, desde há um tempo para cá?
Dessacralizar este sistema é o caminho. Reflictamos. A solução há-de aparecer. E que seja pacífica é o que se deseja. Deixemos de repetir o refrão de nacionalistas dos anos 50 e 60, segundo o qual “o poder não se dá, arranca-se”. É o que nos faz andar atrasados. Hoje o mundo avança cada vez mais na base da inteligência.
Tudo chega para todos!

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