terça-feira, 30 de agosto de 2011

O que queremos, afinal? Editorial

Maputo (Canalmoz) - Moçambique está a passar por dias muito complicados, com a pobreza a atingir níveis quase de desastre social, mas sempre que se fala da vinda de estrangeiros para o país fica tudo com os pelos em pé como se viesse por aí o diabo voltar a colonizar-nos.
Estamos independentes há 36 anos, já foi tudo só e só nosso, com os estrangeiros todos em debandada, fez-se e desfez-se, era tudo do Povo para o Povo, sabíamos fazer tudo sozinhos até que depois de passarmos por muitos revés nos apercebemos que ninguém sabe tudo, o nosso atraso era enorme e por muito que avancemos subsistirá um deficit tal que é preciso pensamento estratégico moderno para não se condenar as futuras gerações a terem de viver num País em caos irremediável.
A certa altura estávamos envolvidos numa terrível guerra sangrenta e nem mesmo nas zonas onde não havia guerra fomos capazes de produzir o suficiente para comer.
Ainda hoje andamos de mão estendida e só assim temos conseguido adiar drama maior do que já afecta hoje mais de metade dos moçambicanos.
A população cresce mais do que o país se desenvolve e os predadores do erário público – geralmente os que têm o discurso “mais patriótico” – passe o eufemismo – têm sempre na ponta da língua o linguajar de quem se esquece que se algum dia houve escravos levados pelos navegadores estrangeiros para outras paragens foi porque alguém das elites locais os levou do interior para a praia a fim de os vender.
Mas sempre que se sabe que algo foi feito por alguém para que venham para aí estrangeiros produzir onde nós ainda não conseguimos produzir, logo surgem os apressados a protestos. O que queremos nós, afinal?
Quando consta que vêm aí estrangeiros para produzir não apelamos para que nos mantenhamos todos atentos para ver se vêm realmente produzir ou se vêm apenas para especular com a terra, com as concessões, com as licenças de actividade. Começa logo a trupe a vociferar porque nos vão colonizar outra vez. Depois admiramo-nos que os nossos vão para a África do Sul, para a Tanzania, para o Malawi, para o Zimbabwe e para outras paragens mais longínquas porque aqui não têm rendimentos que lhes permita viver.
Ninguém quer falar do que faz os moçambicanos emigrar. Ninguém quer saber que possam ser tratados com duas pedras na mão onde vão. Nem se preocupam quando os vêm despejar nas nossas fronteiras.
O que queremos, afinal?
O que nós temos com fartura é camponeses e é terra.
Os camponeses são geralmente exímios a produzir para comer, mas dificilmente conseguimos produção que seja suficiente para todos os outros que também gostariam que houvesse produção nacional suficiente para comprar e para se alimentarem.
Quando se produz não há transporte para escoar. Quando há transporte para escoar é caro, porque queremos que se amortize em três anos o que noutros países se amortiza em muitos mais. Queremos semear hoje para comer ontem. Papo abunda, mas soluções não aparecem. Ainda hoje anda o Observatório Rural a ver que políticas nos poderão salvar.
Um dia os políticos no poder para salvarem a sua pele em momentos de grande pressão anunciam que vem aí Kadhafi fazer comida em Matatuine, ou que vêm aí os Vietnamitas para em Nicoadala fazerem mais arroz do que alguma vez se conseguiu produzir por hectare. Mas logo a seguir insurgimo-nos porque se atribuiu uma concessão aos brasileiros numa área enorme que é quase do tamanho de um Estado da federação brasileira. Esquecemo-nos que é terra numa área enorme, mas não é tudo para cultivar. Antes fosse!… É área de influência da concessão.
Dizemos que não temos dinheiro para produzir mas quando há dinheiro para isso vamos logo comprar bens supérfluos alegando que primeiro temos de ter estatuto de empresários e sinais exteriores de riqueza, quando ainda estamos a usar bens que ainda não pagámos. Quando chega a hora de produzir já estoirámos o dinheiro num 4x4 de luxo, em mobílias extravagantes em que pomos bibelôs da Ucrânia e da Patagónia para aumentar a nossa auto-estima – tudo bens importados, produzidos em suma por estrangeiros. Mas quando é para eles virem cá fazer em vez de termos de os importar já prontos, deitamo-nos a gritar: “cuidado que vêm aí os estrangeiros colonizar-nos ou neo-colonizar-nos”.
O que queremos, afinal?
Se não queremos cá os estrangeiros porque não nos deixamos de andar a gastar rios de dinheiro a pedir-lhes que venham investir em Moçambique?
Com que objectivo os chamamos se não for para juntos desenvolvermos o País?
Será que alguma vez vamos conseguir investimento estrangeiro ou nacional com os discursos que embora não explícitos é precisamente xenofobia que encobrem?
Será que mesmo os moçambicanos alguma vez vão investir em Moçambique sabendo que os outros em vez de os acarinharem pelo que estão a fazer pelo País ficam antes à coca a ver o que podem fazer para lhes dar uma golpada?
O que queremos, afinal?
Queremos desenvolver o País ou queremos que os outros façam para nós, depois, assaltarmos o fruto do seu suor?
Porque não nos interrogamos por que razão todos os grandes investidores, em todas as suas iniciativas, seja em que área de negócio for, têm os mesmos sócios moçambicanos e geralmente ou são figuras do governo, ou são seus familiares ou alguém da direcção da Frelimo? Por que razão os benefícios depois não chegam ao Estado, aos moçambicanos em geral? Não será porque vão para as mãos só de alguns como ia o benefício do negócio dos escravos?
Temos a tendência de julgar os outros culpados de tudo e não apontamos o dedo a quem devemos, porquê?
O que queremos, afinal?
(Canalmoz / Canal de Moçambique)
Foto: mas que mal é que nós fizemos? (Ermelinda Freitas)

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