Como médico indispensável, douto e respeitado, consegue um nível de vida superior, pertence a uma casta privilegiada. A medicina científica ocidental, que o desprezou, reconhece hoje os seus valores e sabe que possui conhecimentos e segredos de grande utilidade. Em muitos países estão mesmo oficialmente reconhecidos.
Uma antiga curandeira narra o rito da seguinte maneira: «Tive uma doença na garganta… A adivinha consultada declarou que a causa do mal eram dois antepassados, avós maternos, que exerciam a profissão. Fui a uma mestra. A cerimónia decorreu assim: estava sentada numa esteira, no pátio da casa da mestra. Enorme assistência dançava e cantava à minha volta ao som do batuque… Pouco depois, entro em transe. Não consigo proferir uma só palavra, apesar de compreender tudo o que se passa à minha volta. Sinto-me sufocada e os meus olhos parecem lançar fogo.
Muitos doentes dirigem-se ao dispensário queixando-se de corpos estranhos que percorrem algumas partes do corpo e que incomodam com dores. Assistimos a curas de estados de saúde preocupantes, com a simples prestidigitação de simular que se lhes extraía do corpo um rato, uma rã ou uma pedra. Nestes casos, a sugestão é uma terapia eficaz.
O hospital pode aliviar a doença, mas como não a ataca pela raiz porque não descobre a causa, naquele momento fica acalmada, mas pode voltar. Além disso, muitos receiam morrer no hospital, onde a sua comunidade não pode realizar os ritos fúnebres e onde deambulam outros membros da comunidade ali falecidos, propensos à maldade por causa da desesperada solidão em que se encontram.
O curandeiro é um especialista que, com certeza, ainda vai durar muitas gerações em África.
No entanto, também é verdade que o prestígio e coacção mágica refreiam a expansão das conquistas médicas. Sofrem e morrem muitos africanos porque estes especialistas influentes impedem o seu sucesso a centros hospitalares.
A África tem necessidade urgente de se libertar das cadeias da magia. Os curandeiros, adivinhos, chefes e a gerontocracia são os mais firmes defensores desta situação.
Em muitas regiões, são denominados «m-hanga», «n-gan», «mganga», «inyanga», mas o mais comum é «nganga» cuja raiz significa «curar, tratar, rodear, acomodar, diagnosticar». «A melhor tradução parece ser a de «homem que conhece os meios de poder». Numa acepção relacionada com a sua missão, «nganga é o termo mais vulgar e mais difundido e, no contexto cultural congolês, usa-se este termo para designar o “sacerdote”». Em duala, língua bantu do sul dos Camarões, chamam-lhe «ngambi», de «ngan», o forte, e «nganja», sábio em ciência oculta e poderosa, aquele que pode adivinhar o futuro e averiguar se uma pessoa está habitada por espírito adverso.
Em Angola, são muito usados os termos «kimbanda» e «nganga». No entanto, em algumas línguas «nganga e onganga» é o feiticeiro. Na impossibilidade de empregar um termo bantu com o mesmo significado em todos os grupos, optámos pelo de «adivinho», acentuando, porém, que interessa mais o significado que lhe é atribuído que propriamente o vocábulo.
Daí, a necessidade imperiosa do adivinho, agente legalizado e consagrado nestas sociedades, para quem é o recurso supremo, nalguns casos, a última esperança. A ele devem a constante reconstrução da vida comunitária. Com os chefes, é, pois, o factor social mais contrário a qualquer evolução cultural. Com o seu poder coactivo e mágico protege a vida tradicional e opõe-se energicamente à acção missionária e às ideias novas.
Por vezes, degenera e torna-se uma pessoa temida, perversa e autora de toda a espécie de vinganças e extorsões. É fácil compreender que a posse de uma arma tão temida e certeira como a magia, dê azo a ambições, orgulhos e violências. Esta prepotência é caminho livre para a malícia, venalidade, inveja e cobiça. Como nas consultas tem de acusar algum malvado, como causa da desordem, pode muito bem castigar inocentes ou aniquilar quem lhe agrade. Basta acusá-los de feitiçaria. Deste modo, pode ocasionar mortos inocentes, que a sociedade julga justas. Tem o costume de fazer alarde das sentenças executadas, ostentando, num feitiço, tantos trapos dependurados quantas as mortes causadas.
Exige somas avultadas e, na sombra, elimina os inimigos dos seus clientes. Também extorque com ameaças, para satisfazer os seus interesses e ambições. Tem uma influência que se estende a todo o grupo. Conta com colaboradores submissos. Alguns vivem clandestinos, outros (os aprendizes e discípulos) são conhecidos de todos. São estes que habitualmente efectuam as mortes, à base de veneno, com perfeita discrição e total impunidade. É tão grande o sigilo que ninguém duvida da acção punitiva de um ser do mundo invisível, realizada directamente ou por intermédio de um feitiço. Estes discípulos recolhem informações de cada cliente e dos conflitos sociais e, assim, facilitam os diagnósticos do adivinho e confirmam a veracidade dos seus oráculos.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
Uma antiga curandeira narra o rito da seguinte maneira: «Tive uma doença na garganta… A adivinha consultada declarou que a causa do mal eram dois antepassados, avós maternos, que exerciam a profissão. Fui a uma mestra. A cerimónia decorreu assim: estava sentada numa esteira, no pátio da casa da mestra. Enorme assistência dançava e cantava à minha volta ao som do batuque… Pouco depois, entro em transe. Não consigo proferir uma só palavra, apesar de compreender tudo o que se passa à minha volta. Sinto-me sufocada e os meus olhos parecem lançar fogo.
Muitos doentes dirigem-se ao dispensário queixando-se de corpos estranhos que percorrem algumas partes do corpo e que incomodam com dores. Assistimos a curas de estados de saúde preocupantes, com a simples prestidigitação de simular que se lhes extraía do corpo um rato, uma rã ou uma pedra. Nestes casos, a sugestão é uma terapia eficaz.
O hospital pode aliviar a doença, mas como não a ataca pela raiz porque não descobre a causa, naquele momento fica acalmada, mas pode voltar. Além disso, muitos receiam morrer no hospital, onde a sua comunidade não pode realizar os ritos fúnebres e onde deambulam outros membros da comunidade ali falecidos, propensos à maldade por causa da desesperada solidão em que se encontram.
O curandeiro é um especialista que, com certeza, ainda vai durar muitas gerações em África.
No entanto, também é verdade que o prestígio e coacção mágica refreiam a expansão das conquistas médicas. Sofrem e morrem muitos africanos porque estes especialistas influentes impedem o seu sucesso a centros hospitalares.
A África tem necessidade urgente de se libertar das cadeias da magia. Os curandeiros, adivinhos, chefes e a gerontocracia são os mais firmes defensores desta situação.
Em muitas regiões, são denominados «m-hanga», «n-gan», «mganga», «inyanga», mas o mais comum é «nganga» cuja raiz significa «curar, tratar, rodear, acomodar, diagnosticar». «A melhor tradução parece ser a de «homem que conhece os meios de poder». Numa acepção relacionada com a sua missão, «nganga é o termo mais vulgar e mais difundido e, no contexto cultural congolês, usa-se este termo para designar o “sacerdote”». Em duala, língua bantu do sul dos Camarões, chamam-lhe «ngambi», de «ngan», o forte, e «nganja», sábio em ciência oculta e poderosa, aquele que pode adivinhar o futuro e averiguar se uma pessoa está habitada por espírito adverso.
Em Angola, são muito usados os termos «kimbanda» e «nganga». No entanto, em algumas línguas «nganga e onganga» é o feiticeiro. Na impossibilidade de empregar um termo bantu com o mesmo significado em todos os grupos, optámos pelo de «adivinho», acentuando, porém, que interessa mais o significado que lhe é atribuído que propriamente o vocábulo.
Daí, a necessidade imperiosa do adivinho, agente legalizado e consagrado nestas sociedades, para quem é o recurso supremo, nalguns casos, a última esperança. A ele devem a constante reconstrução da vida comunitária. Com os chefes, é, pois, o factor social mais contrário a qualquer evolução cultural. Com o seu poder coactivo e mágico protege a vida tradicional e opõe-se energicamente à acção missionária e às ideias novas.
Por vezes, degenera e torna-se uma pessoa temida, perversa e autora de toda a espécie de vinganças e extorsões. É fácil compreender que a posse de uma arma tão temida e certeira como a magia, dê azo a ambições, orgulhos e violências. Esta prepotência é caminho livre para a malícia, venalidade, inveja e cobiça. Como nas consultas tem de acusar algum malvado, como causa da desordem, pode muito bem castigar inocentes ou aniquilar quem lhe agrade. Basta acusá-los de feitiçaria. Deste modo, pode ocasionar mortos inocentes, que a sociedade julga justas. Tem o costume de fazer alarde das sentenças executadas, ostentando, num feitiço, tantos trapos dependurados quantas as mortes causadas.
Exige somas avultadas e, na sombra, elimina os inimigos dos seus clientes. Também extorque com ameaças, para satisfazer os seus interesses e ambições. Tem uma influência que se estende a todo o grupo. Conta com colaboradores submissos. Alguns vivem clandestinos, outros (os aprendizes e discípulos) são conhecidos de todos. São estes que habitualmente efectuam as mortes, à base de veneno, com perfeita discrição e total impunidade. É tão grande o sigilo que ninguém duvida da acção punitiva de um ser do mundo invisível, realizada directamente ou por intermédio de um feitiço. Estes discípulos recolhem informações de cada cliente e dos conflitos sociais e, assim, facilitam os diagnósticos do adivinho e confirmam a veracidade dos seus oráculos.
In Cultura Tradicional Bantu. Pe. Raul Ruiz de Asúa Altuna. Edições Paulinas
Gil Gonçalves
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