sábado, 19 de julho de 2008

Penélope


Os bancos são como os partidos políticos, proliferam.

- Estou farto desta merda de vida e dos humanos, só quero voltar para a minha imortal Penélope.

Via-se que Ulisses se sentia como barco encalhado. Queria navegar mas não conseguia, porque os escolhos em terra não se comparam aos do mar. Estes são previsíveis, e os que estão em terra tem muitos tentáculos imprevisíveis. Veio bom vento a Ulisses.
- A muita idade traz muito cansaço de muitas aventuras. Chegou a hora do descanso. Quando regressar a Ítaca, espero que Penélope não me desgoste ao dizer-me que não tenho direito à pensão de velhice, depois de tanto trabalhar, depois de tanto lutar, guerrear e encher os bolsos dos outros. Isso será uma grande injustiça. Toda uma vida de trabalho… chegar a velho e não ter direito a nada. Mudam-se os tempos? Não! Quem os muda, é para aumentar a fome que antes existia, mas agora não há mares que se lhe comparem. Sempre contra a maré…de modos que não vi nada de novo, de baixo, e à superfície dos oceanos. Uma coisa vi em terra, uma coisa que nunca pensei ver: a maldade e a fome aumentaram tanto, que nem Zeus o pode quantificar. Assim, que Zeus me perdoe, e Apolo também… mas com tanta fome, como é que vou crer e amar o meu Deus?

Percebia-se que Ulisses enfunava as velas, à espera de ventos de boa feição para fazer-se à vela, na fuga constante do mar para terra, da terra para o mar. Há mar de sargaços, em terra há muitos homens de negócios. Ulisses sabe que o destino do homem é a desumanização.
- As civilizações são maremotos. Emergem e submergem… aparecem e desaparecem. É este o destino trágico do ser humano. Quando nasce é inofensivo. Mais tarde, rodeado pelas forças do mal, instrui-se para destruir. Não faltam malfeitores, professores das ciências diabólicas. Nunca confiem os sentimentos a ninguém, porque nos tempos que correm serão escarnecidos. O ser humano só entende, só responde com a linguagem da violência. Proclama o maldito extermínio da espécie, mas nem todos perecerão. O sábio humanista sobreviverá, depois edificará um mundo novo, livre de malditos. Deixai-os abominar, reinar neste tempo, porque no próximo dilúvio jamais reinarão.

Quando surgir no horizonte uma pomba branca cheia de luz resplandecente, é o sinal para os exércitos das trevas avançarem. Virão com cruzes de sangue nos seus tecidos, e as suas espadas serão invisíveis. Um grande terror cairá sobre as nações, que serão desfeitas, e um grande lago vermelho, da cor do sangue, cobrirá a superfície da Terra. As crianças correrão ao encontro das suas mães, e não as encontrarão. As aves ficarão tingidas de vermelho, ninguém escapará do fogo divino.

Apetecia-me chamar-lhe profeta apocalíptico Ulisses, mas contive-me. Receava que a fúria de Aquiles o invadisse. Ulisses dá duas punhadas violentas na mesa. Ouve-se o regresso dos tiros, e os ladrantes cães. Ele ri-se, e fala para as ondas do luar, que de velas desfraldadas inundam a noite:
- Estalajadeiro, a cerveja tremula. Ainda nos falta muito para chegarmos além das profundezas da terra.
Mentor aplaudiu. Reavivou mais cerveja que se movimentou alegremente no semblante dos navegantes. Ulisses refrescava-se:
-E nada restará de humanismo, mas a purificação dos eleitos sobreviverá. Eles, os eleitos, serão para sempre os Abençoados, e reinarão para todo o sempre. A vida é curta, o amor é longo. Não existe, nunca existirá nenhuma espada poderosa que acabe com ele.

Os que acreditam conhecerão os segredos do Universo, e neste lugar as moedas de oiro não têm valor.
Gil Gonçalves

Sem comentários: