sexta-feira, 4 de julho de 2008

O Contentor


Por falta de um prego, perdeu-se a ferradura. Por falta de uma ferradura, perdeu-se um cavalo. Por falta de um cavalo, a mensagem não foi entregue. Por uma mensagem não entregue, perdeu-se a guerra. (Ditado japonês).

Adiantei-me numa rua onde se escutava uma ode ao automóvel. Buzinas estrondeavam, trombeteavam coro metálico em harmonia com vozes humanas. Realmente parecia um imenso manicómio. Tantos loucos varridos à solta! Alguns punhos erguidos agitavam-se temíveis. A explicação saltava à vista: um enorme contentor abandonado na rua obstruía os sentidos do trânsito. Nenhum carro entrava ou saía. Satisfiz a minha curiosidade num automobilista:
- Esta rua está condicionada a parque de estacionamento de contentores?
- Não! O motorista abandonou o contentor às cinco da manhã, e foi para a bebedeira com o camião.
- E!?...
- E como pertence a uma empresa de um Incendiário, não podemos fazer nada, senão levamos nos cornos.

O tugúrio de Mentor não prestou a mínima atenção quando chegámos. Parecia que as chapas onduladas que cobriam o telhado sorriam com a nossa presença. Mais chapas zincadas rodeavam o casebre. Contra elas o lixo e a água do esgoto próximo remavam, rumavam para incerto destino. Mentor abriu a porta gótica, e entrámos. Pegou numa vela, acendeu-a. As sombras dos objectos revelaram-se como fantasmas. Cuidei-me ao sentar numa cadeira tresmalhada. Tinha um calcanhar vulnerável. Precavi-me, firmei-a na parede com cuidado. Desconfiado, se a estrutura resistiria à pressão. Mentor sorri, apresenta explicações:
- Sabes, não dá para ter uma casa em condições. Só o mínimo indispensável, porque quando chegam os assaltantes, se não conseguem roubar nada, pegam-lhe fogo. Obrigamo-nos a viver no estilo gótico. Luz é impossível, à noite abundam aparições de alicates fantasmas que cortam os vultos dos imateriais cabos. Olha… temos que prestar atenção às velas, algumas parece que explodem.
Gil Gonçalves

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