domingo, 27 de julho de 2008

Mistérios da Medicina. Alho


Os misteriosos poderes do alho

Existem muitas plantas reconhecidas pelos seus efeitos benéficos na saúde, uma delas é o alho. A multiplicidade das suas aplicações é espantosa, embora muitos dos seus efeitos sejam ainda controversos. Mas os seus adeptos aumentam!

Maria Carlos Reis


O alho (Alium sativum) é um alimento que dispensa qualquer apresentação. A utilização desta planta bolbosa, da família das Liliáceas, terá começado muito cedo na história da humanidade, o que é documentado por vestígios com mais de 10 000 anos encontrados em cavernas. Muitas foram as civilizações que ao longo dos milénios sucumbiram aos “encantos” do bolbo desta planta. Os egípcios integraram-no em fórmulas para o tratamento de problemas de coração, dores de cabeça, tumores e outros “males” e incluíram-no nos bens colocados nos túmulos dos faraós. Foram encontrados documentos chineses, datados de 2700 a. C., que descrevem o alho como uma substância que trata diversos problemas e potencia o vigor. Num livro persa de plantas medicinais, escrito há milhares de anos atrás, pode ler-se “… ele cura tosse e supurações do peito, não importa quão violentas sejam. Tem o poder de prevenir a estagnação do sangue”. Também o médico grego Hipócrates, considerado o pai da Medicina, exaltou as propriedades terapêuticas do alho, incluindo-o na sua lista de plantas medicinais mais benéficas, enquanto Dioscórides, igualmente médico da Grécia Antiga, escreveu: “O seu aroma limpa as artérias”. Mais tarde, Paracelso considerou-o uma planta sagrada. Mas até os escritores clássicos não foram indiferentes aos efeitos desta planta. O poeta Virgílio recomendava-o como alimento fortificante para quem efectua trabalhos pesados e Homero inclui-o numa das suas mais famosas obras – A Odisseia – num episódio em que Ulisses usa o alho para fazer render a feiticeira Circe aos seus encantos.

Apesar de ser indiscutível o interesse suscitado por esta planta, as suas aplicações foram tendo objectivos diferentes e a sua popularidade não foi constante. Ao longo dos tempos, e em diferentes períodos, ela foi usada pelas suas propriedades regenerativa, antigripal, estimulante circulatória, purificadora do sangue, antibiótica, vermífuga e até afrodisíaca. No entanto, foi também utilizado como antídoto contra mordeduras de cobra e no tratamento de mordeduras de cães e ratos, como tratamento de problemas digestivos, para expulsar parasitas intestinais e para bochechar contra dores de dentes. Na idade média foi usado na Europa Central como remédio contra a surdez e lepra e no século XVII como prevenção da peste bubónica. Durante a II Guerra Mundial, os soldados russos faziam-se acompanhar por dentes de alho que esmagavam nos bordos das feridas, para evitar possíveis infecções. Os próprios médicos de campanha utilizavam uma pasta de alho para tratar os ferimentos infectados dos soldados, especialmente como protecção contra gangrenas e sepsia. No entanto, esta utilização do alho foi sendo abandonada à medida que se descobriam “drogas milagrosas”, como a penicilina.

Mas o alho nunca deixou de ser utilizado e uma nova área de investigação nasceu em torno deste bolbo nas duas últimas décadas, multiplicando-se os trabalhos a um ritmo impressionante, acompanhando o consumo crescente.

Os consumidores diários do alho garantem que este produto natural possui um misterioso poder. São comuns descrições das suas potencialidades no tratamento de problemas respiratórios, dores de ouvidos, de cabeça e de estômago, congestão, diarreia, disenteria, arteriosclerose, hipertensão, reumatismo, gota, parasitas intestinais, tosse convulsa, úlceras, mordeduras de cobras, como afrodisíaco, tendo, ainda, como efeito último, a promoção da longevidade, retardando o envelhecimento. Grande parte desta panóplia de utilizações não possui qualquer credibilidade científica, mas para outras existem já algumas evidências de confirmação.

É possível encontrar algumas dezenas de estudos que atestam que o alho, sob variadas formas, pode promover um decréscimo nos níveis de colesterol e triglicéridos, em pacientes com elevados níveis destes lípidos, o que resultará numa redução dos distúrbios cardiovasculares, nomeadamente, a arteriosclerose, a trombose e o enfarte do miocárdio. Também o envelhecimento das paredes da aorta parece ser retardado pelo consumo diário de alho, resultado extremamente importante para explicar a sua actuação na redução da pressão sanguínea. Por exemplo, investigadores do Departamento de Medicina do New York Medical College encontraram uma redução de 5,5% na pressão sistólica e uma suave redução na pressão diastólica do sangue, como resposta ao consumo de extractos de alho. São, assim, muitos os estudos que relacionam o alho com a prevenção e tratamento da hipertensão.

Outra área de investigação pretende determinar os efeitos do alho na prevenção e tratamento de tumores. Foi provado que ele consegue travar o desenvolvimento de tumores em ratos, no cólon, recto, esófago, estômago e pele. Existem estudos em tubos de ensaio que demonstram a capacidade do alho inibir o crescimento das células cancerígenas da próstata, embora não se saiba ainda se o mesmo acontece no ser humano. Sabe-se, por exemplo, como resultado de estudos chineses comparativos de comunidades consumidoras regulares de alho com outras que não o incluem na sua dieta, que o cancro gastrointestinal apresenta uma menor incidência nas primeiras comunidades. No entanto, não se pode esperar que o alho consiga suspender completamente o desenvolvimento destes tumores, apesar das evidências apontarem para a existência de três tipos de mecanismos de acção – afectando directamente as células cancerígenas, aumentando as células do sistema imunitário que combatem as cancerígenas e inibindo determinadas substâncias químicas que se crê funcionarem como indutoras do desenvolvimento de carcinomas.

Apesar da maioria dos estudos desenvolvidos nos últimos 15 anos incidir sobre a relação do alho com as doenças cardiovasculares e o cancro, existem ainda outras linhas de investigação, nomeadamente a que explora as propriedades antibióticas do alho. Testes in vitro revelam as potencialidades dos compostos activos do alho no combate a agentes infecciosos, como os da gripe, do herpes e outros vírus. Para além disso, certos compostos interferem com o metabolismo dos fungos, impedindo o seu desenvolvimento, e combatem infecções bacterianas, por vezes de forma mais eficaz do que a penicilina. As propriedades antibióticas do alho revestem-se de extrema importância, à medida que as investigações médicas sobre a etiologia de diversas doenças mostram que estas são provocadas maioritariamente por processos inflamatórios. Por exemplo, a Heliobacter pylori é uma bactéria que tem sido relacionada com o desenvolvimento de úlceras no estômago e o alho parece ser eficaz no seu combate. Outra das suas acções mais notáveis, e à qual tem sido dada muita atenção actualmente, é a sua capacidade de combater a candidíase, uma infecção provocada pela Candida albicans, um fungo indesejável.

Uma questão com a qual os cientistas se mostram cada vez mais preocupados prende-se com a velocidade com que os microrganismos adquirem resistência aos antibióticos, através de mutações. No entanto, parece que o alho mantém as suas propriedades antibióticas através dos tempos, para além de existirem evidências da sua capacidade de actuação sobre o sistema imunitário, ao estimular a actividade dos glóbulos brancos que destroem os agentes infecciosos invasores. Os seus compostos possuem, ainda, propriedades anti-oxidantes, protegendo as membranas celulares e o material hereditário.

Investigações recentes demonstram que tomado durante a gravidez o alho pode reduzir os riscos de pré-eclampsia (perigoso aumento da pressão sanguínea, que pode colocar em risco a vida da gestante e do feto). Os seus autores concluíram que, apesar desta disfunção ser resultante de uma complexidade de factores, o consumo regular de pastilhas de alho durante a gestação pode diminuir a sua probabilidade.

Os dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais de muitos dos estudos realizados mostram que o alho é uma espantosa fonte de agentes fitoquímicos, em cuja composição deve residir os seus segredos. Das inúmeras análises químicas, os cientistas chegaram à conclusão de que a grande riqueza do alho se encontra especialmente nos seus componentes derivados do enxofre. Entre eles, o mais importante é, sem dúvida, a alicina, responsável pela maioria das propriedades farmacológicas do bolbo, assim como do seu odor intenso. Na verdade, a alicina só aparece quando o alho é esmagado, cortado ou mastigado, pois nestas situações as células são rompidas e a aliína, o seu percursor inodoro, é degradada pela enzima aliinase.

Embora sejam reconhecidos alguns efeitos benéficos dos alho, as vantagens para a saúde continuam a ser uma área controversa. As evidências são ainda insuficientes para recomendar o consumo como uma terapêutica clínica de rotina e considera-se que existe ainda muita especulação em torno dos poderes misteriosos desta planta. Existem mesmo estudos que afirmam que não existem dados suficientes para retirar conclusões, ou que o alho não exerce qualquer tipo de efeito nas doenças cardiovasculares, nomeadamente na diminuição da pressão sanguínea, dos níveis de colesterol e na redução do risco de desenvolvimento de tumores. Foram mesmo reportados diversos efeitos adversos do consumo de alho, incluindo náuseas, dermatites, sangramentos, sintomas abdominais e flatulência.

Mas mesmo com a falta de unanimidade entre a comunidade científica, o que é facto é que os adeptos deste produto aumentam. Por exemplo, na Alemanha, grande parte dos adultos tomam diariamente um suplemento de alho para promover a saúde. Para tentar evitar os odores desagradáveis, existem no mercado comprimidos e cápsulas sem odor, pois contêm aliína, que só no corpo é transformada em alicina. Quanto às doses recomendadas, as opiniões estão longe de ser concordantes. Os óleos de alho são também uma opção. Eles constituem os mais antigos preparados e foram comercializados, pela primeira vez, há mais de 70 anos, muito antes de se terem caracterizado os seus constituintes e respectivos efeitos.

Mas mesmo com toda a controvérsia, se o alho tivesse sido criado num laboratório em vez de ser um produto da natureza, provavelmente seria uma droga frequentemente prescrita e de elevado preço.

http://www.naturlink.pt/canais/Artigo.asp?iArtigo=5724&iLingua=1

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