terça-feira, 8 de julho de 2008

Kitulu e Hongolo (Fim)


Baseado num facto verídico.

Chegou na maternidade e entregou-se nos cuidados intensivos. Suspirava, procurava a vida que lhe faltava, do único que a amava. No exterior, Hongolo aguardava, impacientava-se. Talvez fosse apenas mais um daqueles trejeitos, sintomas que normalmente as mulheres sentem durante a gravidez. O tempo passava, e as noticias, ele sentia, desconfortavam-no. Sentiu uma faísca no cérebro. Como se alguém lhe enviasse uma mensagem. Que estranho... era a primeira vez que sentia tal no seu pensamento. Parecia um pesadelo. Despertou sobressaltado. Não esperou, subiu as escadas empurrando, não se importando com quem lhe aparecia à frente. Sabia onde ela estava. Estacionou e perguntou:
- A Kitulu…

O semblante da médica augurava que o ser de crer não se amoldava. Sentiu-se deslocar para a época glacial. A geografia física entonteceu-o, com os seus fenómenos físicos, biológicos e humanos. A médica conseguiu descartar-se:
- Faleceu!
Infelizmente é apenas com esta palavra que as pessoas de todo o mundo, que trabalham nas áreas de saúde respondem. Habituaram-se demasiado às leis mortais. Como se comprassem qualquer produto num qualquer supermercado. Como se saboreassem com o maior à vontade um bom petisco, ao pé de um cadáver. Saborear a morte é ser profissional, é ser normal. Perderam os sentimentos… apenas sentem as pessoas como qualquer objecto. Enquanto funciona é prestável. Quando não nos serve, o destino é o caixote do lixo, a que chamam cemitério. Triste realidade e fim do perecer.

Hongolo evadiu-se, afastou-se da realidade. A querida da sua vida… sem ela? Será engano?.. Não! Viu, sentiu que ela se despediu, do muro de suporte da vida que ruiu. Não respirava. Lembrou-se que quando deixamos a dinastia da vela vivencial não respiramos. Sentiu a ténue chama que restava da alma do seu amor, já nos idos sempiternos.

Hongolo!
Sonharam-me que descobriria o Caminho
Que tudo me seria revelado
Lamento! Não consegui
Deixo-te os meus últimos suspiros
Vão para ti. Vejo tudo tão escuro
Parece noite. Que luar, neste tão estranho lugar!
E contudo tão bonito. Vejo alguém muito longe
Que se apressa. Levita para mim
Hongolo! Sinto muito medo! Ah!.. És tu!
Não te demores. Vêm meu ardor
Acolhe-te nos meus braços abertos
Ainda queria viver muito
Mas não me deixaram
Não deixam ninguém viver
Apenas nos resta o sono, sonho eterno
Da nossa infelicidade.

Um tremendo fogo interior percorreu-lhe o corpo. A decisão da morte tão cruel para expiar o sentimento de culpa que sentia… a vingança a uma sociedade desumana. Uma vingança ao mundo que não os soube acolher. Adquiriu a certeza que não adianta mais viver. Mas, não foi ele que cometeu o crime. Infelizmente no reino petrofaminto é proibido amar. Tudo é proibido. Os nobres têm autorização legal, inquisitorial. Apenas uma coisa não é proibida… a morte. No petrolífero reino da casa da mãe Joana permite-se tudo. Viver para roubar. Viver para morrer à fome. Os culpados de todas as desgraças mundiais, são os malditos especuladores imobiliários. Ninguém os consegue punir porque eles são os presidentes, os ministros, os empresários no poder que nos escravizam.

Pegou num recipiente. Foi numa bomba de combustível e encheu-o com gasolina. Entrou em casa normalmente, ninguém suspeitou das suas intenções. Fechou-se no quarto bem trancado. Ensopou o colchão com gasolina, deitou-se e pegou-lhe fogo. As chamas tomaram conta do seu corpo. Um familiar sente cheiro a fumo. Tenta abrir a porta do quarto, não consegue. Gastaram-se aí quinze minutos para derrubar a fortificação. Levaram-no rápido para o hospital. As queimaduras eram intensas. Dificilmente escaparia. Pouco depois veio o fim do que nos resta. O convite da morte foi atendido. Contente por roubar mais um jovem, transportou-o para o seu abismo eterno. Os últimos momentos foram uma mensagem de esperança, para a sua Kitulu. A quem amou, como poucos sabem fazer. Ao maior, mais puro e único amor da sua vida.

Kitulu!
Estou prestes a consumir-me
Nas chamas da gasolina no reino petrolífero
Na escuridão dos cofres públicos gelados
Onde guardam as fortunas invisíveis, insensíveis
Que nos conduzem à morte
O meu, o nosso clamor não será vão
Alguém escutará, redobrará este apelo!
Na noite mais sombria dos tempos
Voltarei, e juntos encantaremos, espalharemos
O perfume humano, da humanidade do nosso Amor
Oh!.. Querida… Voltaremos!
Para aniquilar os tiranos que extinguiram o amor
Vejo para sempre finalmente!
A tua beleza e o teu amor que me seguem
Vem! Para a nossa morada eterna!
Onde não existem noites
Apenas o nosso glorioso Amor
Se fortuna não tivemos na terra
A do céu será o nosso tesouro
O teu silêncio será como uma enciclopédia
Ó Glória! Ó Glória! Segue-nos
Acampa-nos sempre Amor Vitorioso, Virtuoso
Levo comigo o Anel dos Nibelungos
Do nosso amor do ouro em pó
Do símbolo da iniciação dos mistérios do nosso culto
Do casamento que inventaram, com a morte nos casaram
Este enlace que jamais alguém apartará
Como o Rei Leónidas e os seus trezentos espartanos
Gil Gonçalves

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